- 45 anos após a sua aprovação e através de várias vicissitudes internas e externas, a Constituição de 2 de abril de 1976 tornou‑se a Constituição portuguesa mais duradoura a seguir à Carta Constitucional entre 1842 e 1910.
Começada a elaborar em período de radicalismo revolucionário na Grande Lisboa, acabaria confirmada após a pacificação política decorrente do 25 de novembro de 1975. Continha no texto inicial formulações, nalgum sentido, próximas do marxismo (em nove ou dez artigos, num texto com 312 artigos). E mantinha, a título transitório, o Conselho da Revolução. Mas nada disso poderia prevalecer sobre:- a afirmação da dignidade da pessoa humana, base da República, o Estado de Direito democrático, o pluralismo de expressão e organização políticas;
- o primado dos direitos fundamentais em face da organização económica;
- o extenso e preciso enunciado de direitos, liberdades e garantias e de direitos económicos, sociais e culturais;
- a sua interpretação e integração de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem;
- o sufrágio universal igual, direto e secreto;
- o direito de oposição;
- o Serviço Nacional de Saúde;
- a tutela do ambiente;
- o Provedor de Justiça;
- o desenvolvimento dado à fiscalização jurisdicional da constitucionalidade e da legalidade.
- Logo em 1980 o voto dos cidadãos afastou a manifestação plebiscitária em que se traduziria uma revisão constitucional feita à margem das suas normas. Pelo contrário, a revisão constitucional realizou‑se em 1981‑1982, no respeito dos limites da Constituição, e assim também as revisões de 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005.
O Conselho da Revolução desapareceria em 1982 e, pela primeira vez desde 1820, os militares deixaram de ter qualquer intervenção política. Seria instituído um Tribunal Constitucional semelhante aos de outros países europeus. Os preceitos de cariz ideológico seriam revogados ou, entretanto, caducariam. - Em 1978 Portugal pôde ratificar à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em 1986 pôde ingressar na Comunidade Europeia. Em 1993 ratificou o Tratado institutivo do Tribunal Penal Internacional. Foi criada uma Comunidade de Estados de Língua Portugesa.
A Constituição portuguesa influenciou a Constituição espanhola de 1978 e a brasileira de 1988. Tal como foi fonte principal das Constituições dos Estados africanos de língua portuguesa, depois da democratização dos anos 90, e da Constituição de Timor independente. - Uma Constituição que perdura por tempo mais ou menos longo vai‑se realizando por meio de revisões das suas normas, da jurisprudência e da prática.
Os resultados a que se chegou achavam‑se já pressupostos nos princípios fundamentais originariamente declarados e deles foram logicamente extraídos, sem rutura ou sem transformação.
Verificou‑se, pois o desenvolvimento da Constituição apoiado ou acompanhado pelo desenvolvimento da cultura cívica e democrática em Portugal.
Jorge Miranda
Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, um dos mais reconhecidos constitucionalistas portugueses, foi deputado da Assembleia Constituinte que aprovou em 1976 a Constituição da República Portuguesa. Publicou em 2021 o livro “Aperfeiçoar a Constituição”, editado pela Almedina, através do qual apresenta o seu “contributo para um debate sereno que envolva juristas, políticos e cidadãos em geral, no sentido do aperfeiçoamento “quer no âmbito técnico-jurídico quer no extrair dos seus princípios preceitos não explicitamente formulados.” Da Constituição da República Portuguesa.
Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.