Primeiro chegou a escrita. É na poesia, o género literário de preferência, que exprimo as minhas vivências emotivas que me prendem e me habitam o sangue. Depois, veio o direito e a nobreza da profissão. Uma mulher em estado constante de paixão. Essa sou eu! Paixão pela poesia, pelo direito, pela vida e o seu mistério.
O contacto mais profundo com a poesia chegou na juventude, com Cecília Meireles. Cativou-me a rara sensibilidade desta extraordinária poetisa, a poesia do sensível e do imaginário, a artificie-e-artista, cuja harmonia da sua obra do princípio ao fim me prendeu para sempre. Com a advocacia, muito especialmente na área do direito da família, senti que a poesia andava comigo e não lhe podia resistir, porque ambas caminham entrelaçadas e cooperam reciprocamente, como demostrações humanas e sociais, para o aperfeiçoamento e compreensão da realidade. Nem sempre é possível e fácil conciliá-las no ruído do quotidiano, porque a poesia é uma procura que em mim se inicia, no silêncio, no indizível que totaliza o ser. Depois, isenta das claridades da lógica, escrevo sobre a vida através de uma contemplação afetuosa e participante, ainda que sob aspetos que parecem transcender a própria humanidade, porque é difícil meter peias à imaginação, quando, partindo de factos vulgares, mas, impressionantes, são sublimados a um grau extra-humano. Como escreveu Eduardo Lourenço: “A poesia, quando é, ela é o dizer absoluto”.
Concordando que a poesia é tão intensa e luminosa, tão igual, tão diferente, cedo percebi que a minha poesia nem sempre quer o rigor da métrica e da rima. A rima aparece, desaparece e reaparece, apenas quando o poema exige essa iluminação. O verso livre impõe o seu ritmo, a sua sonoridade, o seu desenvolvimento e medida e, assim, nasce a minha poesia.
A prosa, em que o vigor poético se expande, também faz parte de mim, porém, só o conto infantil – O Espanta Pardais e a Boneca de Trapos – é público, distinguido com o “Prémio Literário Irene Lisboa”, em 2018.
Se os sonhos são como um rio, que encontram sempre o seu destino, destaco ainda, entre outras distinções, o “Prémio Literário António Gaspar Serrano”, em 2018, com a obra poética No Lastro das Palavras e o “Prémio Literário Sebastião da Gama”, 16ª edição, 2020, Distância de Mim Para Mim.
Entre a poesia e o direito, fico a pensar qual alavanca qual e, concluo que a poesia e o direito, em mim, caminham indissoluvelmente ligados.

FLORES DE MIM
Plantei-as com as minhas mãos
Com as minhas raízes
Sob o halo azul
No âmago do mundo
E dentro do sonho.
Sussurrei-lhes para florirem
E alisando-lhes as folhas
Cantei-lhes o instante
E a eternidade.
E fiquei
Frágil girassol a inventar anjos
Quando as árvores de ninguém
Enforcavam o sol.
NESTA HORA
(Em tempo de pandemia)
Nesta hora de aviso
Nesta hora triste do entardecer
Espectros de silêncio
Um bater lento sobre as coisas
Como um segredo horrível
Que se revela.
A noite no seu silêncio definitivo
Desceu sobre o mundo
Cobre os corpos de um esgotamento longo
Paira a palavra inacessível do destino.
Nesta hora de comédia triste
A reflexão compadecida sobre a morte
Sobre a vida
Arrepia e suspende.
Mas creio que a alma atravessa o escuro
À maneira de um astro
Emancipada
Segue para diante…
A CIDADE DOS ANJOS
Como se o mundo inteiro se calasse
E só eu existisse
Num ímpeto de asas
Eu era quase um anjo
No esplendor do dia.
O silêncio
Íntimo de uma música
Como um par de mãos
A segurar a luz
A desprender astros
E flores que não nascem no chão.Pousei o tempo na estação do sol
De alma erguida
Ave de mim
Fernão Capelo Gaivota
Numa ânsia de azul
Buscando as alturas…
Sobre a cidade de pedra
A cidade dos anjos
E o universo rodando, rodando
fulgente de estrelas
Pulsava em toda a parte
A concebê-las.

Bela Branquinho
Bela Branquinho é advogada a tempo inteiro há cerca de 40 anos. No entanto, deixou-se conquistar pela pintura e ao longo da última década tornou-se uma pintora de aguarelas e acrílicos de sucesso. Bela começou por rabiscar agendas com desenhos geométricos durante muitos anos, para ser agora uma artista plástica com participação regular em exposições em Portugal e no estrangeiro, com exposições individuais quase todos os anos e obras vendidas para os quatro cantos do mundo. Quisemos falar com ela para saber como se vive entre a advocacia e a arte.