Assinalamos os 100 anos do nascimento de Angelo d’Almeida Ribeiro com as principais referências do seu mandato como Bastonário no triénio 1972-174, constantes do texto de Maria João de Figueiroa Rego (*)
Angelo d’Almeida Ribeiro nasceu a 9 de Dezembro de 1921, em Lisboa, onde faleceu a 9 de Janeiro de 2000. Licenciou-se em Direito a 13 de Julho de 1943, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo sido inscrito como candidato à advocacia em 29 de Julho de 1943 e como advogado em 17 de Março de 1945. Advogou em Lisboa durante cerca de 45 anos (…).
Em 1973 e 1974 foi Vice-Presidente da Union International des Avocats, UIA. Após o 25 de Abril de 1974 integrou a Comissão Eleitoral que elaborou a primeira Lei Eleitoral. Em 1975 apresentou uma exposição sobre a situação portuguesa no pós 25 de Abril, na Liga dos Direitos do Homem da Bélgica. No ano seguinte integrou a Comissão de Averiguações de Violências sobre os presos sujeitos às autoridades militares, que preparou o “Relatório das Sevícias”.
Em 1978 representou Portugal em Viena, no “Congresso para o Ensino dos Direitos do Homem” e em 1983, em Lisboa, presidiu à conferência sobre “Racismo no Mundo”, ambos organizados pela UNESCO.

Foi Secretário-Geral (1973) e Presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem (1976), tendo chefiado em 1979, 1980 e 1981 a Delegação Portuguesa à Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, em Geneve.
Colaborou com a Comissão dos Direitos do Homem na ONU, ocupando aquele lugar a título pessoal, por escolha dos seus pares dos 52 países que então a constituíam. Em 1986 a Comissão designou-o Relator Especial sobre matéria de intolerância religiosa, funções que exerceu, apesar de já doente, até Setembro de 1992. Em Junho de 1988 foi convidado oficial da Igreja Ortodoxa Russa nas Comemorações do I Milénio do Cristianismo na Rússia, que decorreram em Moscovo.
Grande defensor da causa dos Direitos Humanos, participou em inúmeros encontros e seminários promovidos em diversos países de que se destacam as reuniões do Conselho da Europa para a convenção sobre a “Abolição da Tortura e dos Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes”, em Estrasburgo, em 1980, “Direitos do Homem dos Estrangeiros na Europa”, no Funchal, em 1983, e “Direitos Humanos e Democracia”, em Salónica, em 1987.
Integrou a Delegação Portuguesa do Ministério dos Negócios Estrangeiros à Conferência de Segurança e Cooperação Europeia (CSCE) sobre Direitos Humanos relacionados com a Acta Final de Helsínquia, em Paris (1989) e em Copenhaga (1990).
Em Maio de 1990 foi eleito, por seis anos, membro português da Comissão Europeia de Direitos do Homem junto do Conselho da Europa, em Estrasburgo. Razões de saúde levaram-no, porém, a pedir a exoneração do cargo em Fevereiro de 1993.
Em 1981 desempenhou o cargo de Presidente da Comissão do Acesso ao Direito, do Ministério da Justiça.
Foi delegado à Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, para a elaboração da Convenção de Assistência Judiciária (1979-1981).
A 16 de Maio de 1985 tomou posse do cargo de Provedor da Justiça, para que foi eleito pela Assembleia da República, por maioria qualificada, e no qual se manteve até Julho de 1990, exercendo, por inerência, as funções de Conselheiro de Estado, com assento no Conselho Superior da Magistratura, até final de 1985.
Foi, ainda, Presidente da Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas de Geneve, “Direito e Justiça”. Nesta organização presidiu, igualmente, à Assembleia-Geral e dirigiu o Boletim.
Finalmente, entre os cargos e funções desempenhados, destacam-se, também, a presidência da Assembleia-Geral da Comissão Portuguesa do Direito Europeu e o exercício das funções de Provedor Arbitral do Metropolitano de Lisboa, EP.

Membro da Comissão Portuguesa do Atlântico e membro fundador da Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão (APDC), dirigiu nesta organização a revista O Cidadão. De referir, igualmente, que durante 12 anos foi redactor do jornal O Foro e durante 3 anos da Revista da Ordem dos Advogados (1972-1974).
Na Ordem dos Advogados integrou o Conselho Distrital de Lisboa em Janeiro de 1961, triénio de 1960-1962, e novamente nos triénios de 1963-1965 e 1966-1968 tendo sido, também, Vogal e Presidente do Instituto da Conferência, Presidente da Comissão de Relações Internacionais e, durante alguns anos, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos.
Foi eleito Bastonário para o triénio de 1972-1974, tendo organizado e presidido à Comissão Executiva do I Congresso Nacional dos Advogados, realizado em Lisboa, no primeiro ano do mandato. Distinguido, a 8 de Janeiro de 1993, com a Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados, naquele que foi o último acto da Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes, disse, no discurso que então proferiu, ter tido sempre como princípio a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos por acreditar profundamente na dignidade do homem e na justeza do combate pela causa dos direitos humanos.

Foi condecorado com o Grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Cristo (1994) e com a Grã-Cruz da Ordem de Orange-Nassau (Holanda).
A 21 de Junho de 1999 foi homenageado na Ordem dos Advogados, em cerimónia presidida pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, que na ocasião o agraciou com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2004 o então designado Conselho Distrital de Lisboa, actual Conselho Regional de Lisboa, prestou homenagem ao Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro com a publicação de uma fotobiografia. De referir, igualmente, a atribuição do seu nome ao auditório da sede deste órgão.
Aspectos relevantes do mandato (1972-1974)
(…) Dizia, no seu discurso de posse: “Debaixo do meu aspecto de bonomia, que cultivo sem afectação, guardo uma independência feroz”, e foi com esse espírito que abraçou os desafios do cargo. Temia a tendência para tornar administrativa a justiça, bem como a sua socialização, que em seu entender punham em causa os conceitos tradicionais da advocacia, “que queremos continuar a ter por liberal”. Sublinhava ainda: “temos de nos preparar para a advocacia do futuro embora dentro do contexto tradicional da profissão livre”.
(…) “Assim, não é preciso ter dotes de pitonisa para prever, num breve espaço de tempo a criação e a generalização, entre nós, das sociedades civis de advogados, única forma de o advogado deixar de ser escravo da profissão, e poder repartir as actividades com outros colegas”. (…)
O primeiro sinal de modernidade foi dado logo em 1972 com a organização, em Lisboa, do I Congresso Nacional dos Advogados. A sua preparação teve início em Março desse ano e, dessa altura até à sua realização de 16 a 19 de Novembro, foi grande o envolvimento do Bastonário e do Conselho Geral.
(…) De salientar que o Congresso decorreu na recta final do Estado Novo, no período então designado por “primavera marcelista”, deixando pressentir uma agitação intelectual própria de um fim de ciclo.
A Ordem dos Advogados, que contava cerca de 3000 inscritos, reuniu no Congresso aproximadamente 800 participantes entre advogados, estagiários e solicitadores, tendo sido apresentadas 71 teses.
O último ano do triénio e o 25 de Abril
No último ano do mandato do Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro a Ordem acompanhou as transformações políticas e sociais desencadeadas pela revolução de 25 de Abril de 1974.
O país conheceu então profundas mudanças, que obrigaram a uma adaptação à nova realidade política, económica e social a que, naturalmente, e por maioria de razão, não foi alheia a Ordem dos Advogados. Defensora dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com um passado histórico de referência nessa matéria, coube-lhe viver o momento com todos os condicionalismos de um processo e legalidade revolucionários.
Assim, no editorial do Boletim Informativo da Ordem dos Advogados, de Abril-Maio de 1974, afirmava o Bastonário:
“Iniciou-se, nesta data histórica, uma nova era para as instituições políticas do País, com larga repercussão nos aspectos sociais e económicos e reflexos na nossa Ordem.
A importância do vitorioso Movimento das Forças Armadas não carece de ser exaltado. A Ordem sentiu-a imediatamente e o Bastonário, logo em 25 de Abril, enviou para o Presidente da Junta de Salvação Nacional o seguinte telegrama:
«Bastonário Ordem dos Advogados impossibilitado reunir imediatamente respectivo Conselho Geral desde já manifesta V. Exa. incondicional apoio advogados portugueses restauração direitos cívicos e liberdades fundamentais, garantias liberdade individual, extinção jurisdições especiais, defesa independência e dignificação poder judicial pelos quais este organismo sempre tem pugnado.
Apresento a V. Exa. e restantes membros Junta Salvação Nacional respeitosos cumprimentos.»
O Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro visto pelo primeiro-ministro António Guterres
Em Janeiro de 2000 o então Primeiro-Ministro, Eng.º António Guterres, no texto de condolências que dirigiu à Ordem dos Advogados pela morte do Bastonário Angelo d’Almeida Ribeiro, recordava-o da seguinte forma:
“Há homens assim.
Homens que conseguem fazer deste mundo um pouco melhor.
Homens inteiros, homens que se batem denodadamente pela liberdade, pela igualdade, pela solidariedade.
Angelo d’Almeida Ribeiro era um homem assim.
Combativo, incansável, íntegro e independente, deu luta sem quartel ao autoritarismo e ao obscurantismo, fez da tolerância e da defesa dos direitos da pessoa humana razões de uma vida
Todo o seu percurso profissional e pessoal revela uma invulgar grandeza, uma alma do tamanho do mundo, uma entrega total às mais nobres causas.
A morte de Angelo d’Almeida Ribeiro causou-me profunda mágoa. Admirava-o muito, respeitava-o ainda mais, sentia por ele e pela sua maneira de estar na vida, grande consideração.
Almeida Ribeiro será sempre um homem grande porque viveu para o bem dos outros homens.
Ainda há homens assim. Que nos fazem sentir melhor o mundo e a vida, que nos fazem sentir valer a pena a fraternidade.
Ainda bem que há homens assim.”
Prémio Angelo d’Almeida Ribeiro
Em 2001 a Ordem dos Advogados instituíu o Prémio Angelo d’Almeida Ribeiro “destinado a distinguir anualmente as personalidades ou entidades nacionais que mais se tenham destacado na defesa dos direitos dos cidadãos.” cabendo à Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados propor a personalidade a distinguir.
Em 2021 assinalam-se 20 anos da criação do Prémio Angelo d’Almeida Ribeiro encontrando-se disponível para consulta a lista de entidades distinguidas no Portal OA.
Ainda não divulgamos publicamente o nome do premiado
(*) in Os Bastonários da Ordem dos Advogados Portugueses, de Maria João de Figueiroa Rego.
Disponível em https://historia.oa.pt/bastonarios-e-mandatos/1972-1974/