Os SLAPP na UE – O cerco à Democracia Europeia e aos Direitos Fundamentais
Os SLAPP, Processos Estraté-gicos Contra a Participação Pública, termo cunhado pelos professores George W. Pring e Penelope Canan no seu livro “SLAPPs: Getting Sued for Speaking out” (1996), são cada vez mais utilizados em todos os Estados-Membros, reforçando um ambiente cada vez mais hostil para o jornalismo na UE, para os defensores de direitos humanos e para as diferentes ONG’s. Referem-se geralmente a processos infundados ou exagerados, bem como ao uso de outras formas legais de intimidação, movidos por entidades poderosas como por exemplo, uma empresa, um alto funcionário público, uma pessoa de negócios importante, contra litigantes geralmente bastante mais fracos (jornalistas, organizações da sociedade civil, defensores dos direitos humanos e outros) que expressaram críticas ou mensagens desconfortáveis em matérias públicas.
A maioria dos SLAPP nem chegam a ser conhecidos. Confrontados com as elevadas taxas de justiça, os honorários de Advogados e os potenciais danos e indemnizações, o alvo é muitas vezes obrigado a retrair o discurso antes mesmo do caso chegar a tribunal. Também a intensidade e os montantes das indemnizações pedidas têm um efeito socialmente “congelante”, agindo como dissuasor de denúncias mesmo que se encontrem bem fundamentadas e documentadas.
De acordo com dados disponibilizados pela “CASE” (Coalition Against SLAPP in Europe), que reúne as mais importantes organizações não governamentais da Europa, as SLAPP têm aumentado ano após ano na União Europeia, numa clara tendência de crescimento que atingiu um pico em 2020.
O QUE ESTÁ EM CAUSA
As Democracias fortes e saudáveis dependem da participação pública e da possibilidade de responsabilização. Os jornalistas, os defensores dos direitos humanos e a sociedade civil são essenciais neste processo e fundamentais para o funcionamento das nossas democracias. A eles cabe a tarefa de alertarem e informarem os cidadãos sobre questões de interesse público e de manterem os poderosos em cheque. Os casos de SLAPP interferem com estes valores e impedem os cidadãos de participar em debates relevantes sobre questões públicas, interferindo assim com os direitos humanos fundamentais, como a liberdade de expressão e a liberdade de receber informação.
Por outro lado e ao contrário, dos processos regulares, os SLAPPs não são iniciados com vista ao exercício do direito de acesso a justiça e o propósito de ganhar o processo legal, ou de obter reparação. Em vez disso, são iniciados para intimidar os réus e drenar os seus recursos. O objetivo final é alcançar um efeito “congelante”, silenciar os réus e impedi-los de prosseguir o seu trabalho.
Este objetivo é conseguido utilizando também as possibilidades de escolha do foro competente, cuja flexibilidade é permitida pelas leis transfronteiriças Europeias. Na UE, os processos judiciais em matéria cível e comercial transfronteiriços são regidos pelo Regulamento Bruxelas I, reformulado (e pelo Regulamento Roma II), que determina que os arguidos devam ser demandados no Estado-Membro do seu domicílio. Este principio admite a exceção da escolha alternativa do foro do Estado-Membro onde ocorreu o facto danoso (artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento Bruxelas I). Ora a interpretação extensiva que o TJUE tem dado a este art.º 7.º, abre ainda mais o leque de opções, permitindo optar entre o Foro do lugar onde o dano ocorreu (ie. o local onde o queixoso sofreu dano à sua reputação), ou o do local do evento que deu causa a isso.
AS SOLUÇÕES À VISTA: A DIRETIVA ANTI-SLAPP EUROPEIA
Atualmente nenhum dos Estados-Membros dispõe de salvaguardas específicas nesta matéria.
Na sequência do assassínio de Daphne Caruana Galizia, um grupo de eurodeputados e várias ONG europeias, apelou à Comissão Europeia para que promovesse iniciativas legislativas anti-SLAPP da UE, e a 27 de abril de 2022, a iniciativa viu os seus primeiros frutos. A Comissão Europeia propôs uma Diretiva e uma Recomendação para melhorar a proteção dos jornalistas e defensores dos direitos humanos contra processos judiciais abusivos.
Esta proposta de Diretiva integra-se nas ações do Plano de Ação para a Democracia Europeia que visa reforçar o pluralismo e a liberdade dos meios de comunicação social na União Europeia, bem como proteger os defensores dos direitos humanos, que desempenham um papel fundamental e que também estão cada vez mais vulneráveis a essas formas abusivas de assédio.
A proposta prevê o arquivamento rápido de casos infundados ou abusivos em matéria civil com implicações transfronteiriças. Em relação aos Estados Membros, recomenda-se, inter-alia, abolir as penas de prisão para os casos de difamação e favorecer a utilização de penalizações de direito administrativo ou civil em vez do direito penal para lidar com esses casos.
A Recomendação também abrange aspetos relacionados com a formação de profissionais do direito e dos potenciais alvos, para melhorar os seus conhecimentos e capacidade de lidar efetivamente com SLAPPs; a sensibilização de jornalistas e defensores dos direitos humanos para poderem reconhecer quando estão face a um SLAPP, apoio aos alvos de SLAPPs (por exemplo, apoio financeiro ou de assistência legal) e um melhor monitoramento desta realidade e apoio na coleta mais sistemática de dados.
Um dos casos mais mediáticos e que catalisou a opinião pública, despertando-a para a dura realidade das SLAPP, foi o assassinato da jornalista de investigação maltesa Daphne Caruana Galizia, em 2017. A jornalista maltesa enfrentava na altura do seu assassinato 47 processos judiciais movidos por uma série de empresários e políticos, incluindo casos que envolviam advogados londrinos. Nas palavras de Matthew Caruana Galizia, seu filho mais velho e ativista na luta Anti-SLAPP, as ações abusivas
É de facto a excitação da aventura, como resposta a algo que não sabemos como acaba antes de o fazer, que nos faz dar o primeiro passo
É de facto a curiosidade o maior motor para contrariar a constante vontade de parar, que a nossa racionalidade insiste em nos pôr à frente fizeram da vida da mãe “um inferno vivo”.
Também no ano passado, noutro caso muito noticiado, o repórter criminal italiano Cesare Giuzzi, do Corriere della Sera, veio anunciar que ia deixar de falar em eventos públicos, por estar exausto de lutar contra processos baseados em alegações falsas, movidos contra ele por causa das suas denúncias públicas. Após ter sido processado mais de 50 vezes por membros de máfias do crime organizado, políticos, e empresários, revelou que nunca nenhum juiz tinha encontrado quaisquer provas contra ele.