Do Caso Shell aos outros casos revolucionários da Justiça Climática.
O Direito à proteção do clima não é uma coisa “simpática”, trata-se de um Direito Humano fundamental. E a proteção climática eficaz deverá começar a ser implementada agora e não em dez anos, sendo inadmissível esquecer a obrigação de reduzir as emissões à custa das gerações mais jovens e futuras. À medida que os governos e empresas falham em apresentar resultados e cumprir as metas climáticas para atingir o objetivo de 1,5°C do Acordo de Paris, um número crescente de cidadãos e Estados recorre aos tribunais Judiciais, em busca de justiça climática. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre litígios climáticos estratégicos, destaca que o número de casos quase duplicou nos últimos três anos[1].

Muito recentemente, a 26 de maio de 2021, o mundo foi surpreendido com uma decisão histórica e verdadeiramente relevante na área da Justiça Climática: a petrolífera Shell foi condenada por um tribunal judicial holandês pela sua contribuição para a mudança climática. O julgamento foi considerado revolucionário por ser o primeiro em que uma corporação multinacional é responsabilizada pela sua contribuição para a mudança climática – cujos efeitos o juiz vincula firmemente a várias consequências relacionadas à água.
O Tribunal concluiu que o grupo Shell tem a sua própria obrigação, independente da do Estado, de reduzir as emissões de CO2 tendo-se baseado na soft law internacional e no facto da Shell aceitar os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos (UNGPs), para interpretar um ‘padrão de cuidado’ a que a empresa está obrigada (embora este seja não escrito de acordo com o Código Civil holandês). Os “direitos humanos e os valores que eles incorporam” também foram tidos em consideração na decisão. O tribunal considerou que a responsabilidade corporativa da empresa de respeitar os direitos humanos se tornou um padrão global de conduta[2].
Mesmo que a Shell recorra, o dever de zelar e agir contra as mudanças climáticas é agora um precedente legal, e para empresas como a Shell, normalmente os grandes poluidores, torna-se claro que compartilham a responsabilidade pelas emissões. Se assumiram compromissos semelhantes de respeito pelos direitos humanos, podem vir a enfrentar litígios judiciais pelos mesmos motivos[3].
Na sequência desta decisão estão a surgir cada vez mais casos de ações judiciais contra as petrolíferas, tal como a acção proposta pelo Estado Norte Americano do Vermont em setembro, contra algumas das principais empresas de combustíveis fósseis do país, a ExxonMobil Corporation, Shell Oil Company, Sunoco LP, CITGO Petroleum Corporation e outras corporações, alegando falsas informações sobre o clima e por enganarem o público sobre o impacto dos seus produtos nas mudanças climáticas.
[1] De acordo com o relatório da London School of Economics, estes casos estratégicos de “litígios climáticos” utilizam diferentes argumentos que envolvem o Direito Administrativo, os Direitos Humanos, questões de Greenwashing, risco financeiro e due diligence corporativa.
[2] Esta decisão foi o culminar do processo judicial iniciado por sete fundações e associações, bem como por mais de 17.000 requerentes individuais, que pediam o reconhecimento de que o grupo Shell não toma políticas e medidas suficientes, age ilegalmente, e deveria fazer mais para reduzir as emissões de CO2.
[3] Por exemplo, um setor económico a quem esta decisão pode vir também a afetar profundamente é o têxtil, responsável (segundo algumas pesquisas) por 10% de todas as emissões de GEE, o que torna a moda a segunda indústria mais poluente do planeta, depois do petróleo.