Prezados Colegas
No último editorial salientámos a enorme compressão dos direitos fundamentais a que o país continuava a ser sujeito, em virtude do decretamento de sucessivos estados de emergência, invocando a calamidade pública causada pela pandemia Covid-19. Neste momento, atravessamos, porém, uma situação ainda mais grave, uma vez que, apesar de ter sido levantado o estado de emergência e portanto o país dever estar em situação de normalidade constitucional, continuam a verificar-se e até a agravar-se as restrições e suspensões dos direitos fundamentais, como nunca ocorreu durante a vigência da nossa constituição.
Efectivamente, sem a cobertura constitucional do estado de emergência, foram adoptadas medidas absolutamente extremas e lesivas dos direitos fundamentais dos cidadãos, como a criação de um cerco à área metropolitana de Lisboa, ou a imposição de um recolher obrigatório aos residentes em certos concelhos. Tais medidas violaram claramente os artigos 27º e 44º da Constituição, com a agravante de terem sido tomadas através de resolução do Conselho de Ministros, sem autorização do Parlamento ou promulgação do Presidente da República, o que é claramente vedado pelos arts. 18º e 165º, nº1, b) da Constituição.
Infelizmente nenhuma das entidades com competência para a fiscalização da constitucionalidade das leis tomou qualquer actuação perante esta progressiva criação de um ordenamento jurídico paralelo através de resoluções do Conselho de Ministros. Sendo a primeira atribuição da Ordem dos Advogados, nos termos do art. 3º a) do nosso Estatuto “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça”, a Ordem dos Advogados tem sucessivamente tomado posição pública sobre a desconformidade constitucional deste procedimento e apoiado os Colegas que têm recorrido aos tribunais em defesa dos direitos fundamentais das pessoas. Infelizmente, a nossa constituição não atribuiu à Ordem dos Advogados competência para solicitar a fiscalização da constitucionalidade das leis, à semelhança do que sucede no Brasil, sendo neste momento manifesto que se torna urgente proceder a essa alteração, sob pena de a fiscalização da constitucionalidade nunca ocorrer no nosso país.
A Ordem dos Advogados expressa igualmente a sua profunda preocupação com as sucessivas detenções de cidadãos para interrogatório, que abrangeram inclusivamente advogados,
sem que tivesse sido demonstrada a necessidade das mesmas, especialmente quando depois os arguidos não foram sujeitos a prisão preventiva. Chegou mesmo a ocorrer o transporte de arguidos pela cidade de Lisboa, numa enorme comitiva de carros policiais, o que constituiu um espectáculo público absolutamente reprovável, totalmente inadequado ao nosso processo penal. A experiência tem demonstrado que o enorme aparato nas detenções e acusações costuma ser seguido pela obtenção nos nossos tribunais de muito magros resultados nas condenações. Ora, este contraste absoluto entre o início mediático dos processos e os seus resultados concretos em julgamento só contribui para agravar a já péssima imagem da nossa justiça, agravando a profunda descrença dos cidadãos na mesma.
Depois de alguns problemas técnicos, cujas responsabilidades irão ser apuradas, foi realizado no passado dia 2 de Julho o referendo aprovado pela Assembleia Geral da Ordem dos Advogados de 26 de Março, após convocatória apresentada por iniciativa de 10% dos Colegas. Nesse referendo participaram 16.852 advogados, dos quais 9076 votaram Sim e 7428 Não, tendo havido 336 votos brancos e 12 nulos, verificando-se assim uma vitória do Sim. Em consequência, o Conselho Geral irá apresentar ao Parlamento a proposta de alteração ao artigo 4º do Estatuto da Ordem dos Advogados, no sentido de consagrar em relação aos Advogados um sistema de livre escolha individual pelo sistema de previdência, conforme decidido pelos Colegas no referendo.
Lisboa, 14 de Julho de 2021