A Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, de 1987, foi ratificada por Portugal através o Decreto n.º 13/93, de 13 de abril, pese embora Portugal tenha formulado a seguinte reserva à Convenção “Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 21.º da Convenção, declara-se a não aceitação da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º da Convenção, sobre a proibição das intervenções cirúrgicas para modificar a aparência de um animal de companhia para fins não curativos.
O Ministério Público, na sequência das decisões do Tribunal Constitucional nos acórdãos N.ºs 867/2021, 781/2022 e da decisão sumária N.º 344/2022 do processo nº 472/2022, requereu a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma incriminatória contida no artigo 387.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, por violação, conjugadamente, dos artigos 27.º e 18.º, n.º 2, da Constituição.
Em dois dos acórdãos supra referenciados a decisão não foi unânime e exemplo disso são os votos de vencido do Conselheiro Presidente João Caupers, e do Conselheiro Afonso Patrão, que acompanham a fundamentação, da Conselheira Joana Fernandes Costa e do Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro lavrados no Acórdão do Processo n.º 867/19.
Na sua declaração de voto a Conselheira Joana Fernandes Costa refere que (…) “ alinhando com aqueles que defendem que a incriminação dos maus tratos a animais de companhia tem em vista a tutela direta destes, individual ou singularmente considerados – é o caso, entre outros, de Claus Roxin, para quem «todas as regulamentações jurídicas sobre a proteção de animais têm em vista a tutela dos animais e não uma finalidade de preservar a inquietação humana» (“O conceito de bem jurídico como padrão crítico da norma penal posto à prova”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2013, Ano 23, n.º 1, p. 31 e ss.), tendo a considerar que a circunstância dessa incriminação não ser recondutível, como bem esclarece o Acórdão, ao âmbito de incidência do direito fundamental ao ambiente (artigo 66.º), nem poder legitimar-se, como ali também se explica, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e/ou de qualquer direito não escrito identificável a partir dele, não conduz, de forma necessária e automática, à conclusão de que a decisão político-criminal subjacente à introdução no Código Penal no seu atual Título VI não encontra na Constituição a base legitimadora necessária a poder ter-se por observado o princípio do direito penal do bem jurídico.” E explica aqui: https://www.
Para Teresa Violante, Advogada, estão em causa duas interpretações distintas: em dois acórdãos, o Tribunal Constitucional concluiu pela inexistência de fundamento constitucional bastante para a criminalização. No outro, concluiu que esse fundamento existe, mas que a legislação concreta viola o princípio da legalidade por padecer de indeterminabilidade. Embora não concorde com a primeira interpretação, entende que, de facto, os tipos em causa padecem de alguns problemas ao nível da determinabilidade, passíveis de resolução pelo legislador parlamentar. Quanto à primeira interpretação, é possível vislumbrar na Constituição o bem jurídico atinente à proteção dos animais de companhia, sendo vários, até, os caminhos possíveis: o Tribunal Constitucional da Roménia considerou-o inerente ao princípio da dignidade humana, tal como propõe o Conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro, mas pode também ter-se como ínsito no artigo 1.º, que define a República Portuguesa como empenhada na construção de uma “sociedade solidária”, como propõe a Conselheira Joana Fernandes Costa. Essencial é que estes animais, vulnerabilizados pela ação humana, e de importância central nas sociedades atuais, alcancem este reconhecimento no texto constitucional.
Essencial é que estes animais, vulnerabilizados pela ação humana, e de importância central nas sociedades atuais, alcancem este reconhecimento no texto constitucional
Questionámos, ainda, Teresa Violante, sobre se considera necessária a consagração constitucional, para que não tenhamos um retrocesso em matéria dos direitos dos animais. No seu entender é desejável, até porque não estão apenas em causa questões de maus tratos contra animais de companhia. As constituições europeias produzidas após a Segunda Guerra Mundial são textos flexíveis, sujeitos a atualizações frequentes. E acrescenta que, a Lei Fundamental alemã teve mais de 60 revisões e, uma delas, precisamente para consagrar a tutela do bem-estar animal. A inserção expressa do bem-estar animal surge na sequência de uma decisão do Tribunal Constitucional alemão que declarou inconstitucional legislação que interferia com ritos religiosos, tendo sido dada prevalência judicial à liberdade de religião. Por discordar dessa interpretação, o legislador de revisão decidiu inserir a cláusula expressamente na Constituição, de modo a sinalizar claramente ao Tribunal que estava em causa um conflito entre valores distintos, mas ambos com dignidade constitucional. A criminalização dos maus-tratos contra animais, que vigora na Alemanha desde o início do século XX, nunca foi antes questionada, do ponto de vista constitucional, pela ausência de uma cláusula constitucional expressa. A cláusula surgiu para resolver problemas de outra índole, respeitantes a conflitos entre um direito fundamental e um valor fundamental.
O Conselho de Ministros aprovou no dia, 25 de março, de 2021 a criação do Provedor do Animal e um conjunto de medidas para um tratamento autónomo e reforçado do bem-estar dos animais de companhia. O Provedor do Animal está sob a direção da ministra da Agricultura e do ministro do Ambiente e da Ação Climática, que disse à agência Lusa em 21 de janeiro que Governo apoia uma clarificação da lei sobre criminalização de maus-tratos de animais de companhia, para que não haja retrocessos nesta matéria.
Pedro Paiva, Provedor do Animal de Lisboa, considera que este assunto assume uma dimensão muito preocupante, porquanto os maus-tratos contra animais de companhia são crime desde 2014 e várias pessoas foram já condenadas em primeira instância. Parece-lhe que há um termo mais adequado a retrocesso: estagnação, que é o maior bloqueio da evolução e do progresso, no caso concreto, civilizacional. Se nesta matéria já estamos atrasados face a tantos outros países, quando temos em conta o que há décadas foi estipulado por entidades de referência.
E acrescenta que a Lei nº 8/2017, de 3 de março, veio estabelecer o Estatuto Jurídico dos Animais, colocando esse Estatuto no Código Civil, diploma que no seu artigo 201º-C passou a determinar que “a proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial”. Na mesma linha, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais da UNESCO – proclamada a 27 de janeiro de 1978 –, obriga a pautar a sua atividade no respeito pelos mesmos, bem como a promover a sua efetivação, no âmbito das respetivas atribuições e competências legais e em cumprimento do disposto no presente regulamento que se compromete igualmente a fazer cumprir. Também o artigo 13.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estipula que, sendo os animais seres sensíveis, a União e os Estados-Membros devem ter planeamento em conta as exigências em matéria de bem-estar dos mesmos.

Para o IRA Intervenção de Resgate Animal a declaração de inconstitucionalidade da norma incriminatória contida no artigo 387.º do Código Penal, é sem dúvida um enorme retrocesso civilizacional e que não acompanha a evolução da sociedade civil que está cada vez mais empenhada e atenta à defesa da causa animal. E realça a falta de formação dos Órgãos de Polícia Criminal quanto à lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia, o que contribui para que, após as denúncias e elaboração do respetivo auto, não sejam carreadas para o processo as provas que consideramos fulcrais e necessárias à condução de um inquérito e investigação criminal competentes e rigorosos. E acrescenta que a falta de constituição de Assistente em processos crime por parte das organizações zoófilas, contribui para uma certa desvalorização e inércia do Ministério Público quanto ao processo e uma certa apetência para sugerir a suspensão provisória dos processos, o que por norma nunca é aceite pelo IRA.
Disse, ainda que têm vindo a alertar junto das entidades competentes para a necessidade de formação adequada e articulação entre Ministério Público, Tribunais, GNR/SEPNA e outros órgãos de polícia criminal, Médicos Veterinários Municipais, Autarquias e com vista à sensibilização para a lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia e para a importância de constituição de Assistente pelas associações zoófilas legalmente constituídas, o que no seu ponto de vista poderá contribuir para a segurança jurídica dos processos crime e para o crescendo número de denúncias que se tem registado sendo esta a sua estratégia para que os Tribunais tenham consciência que o abandono e maus tratos a animal de companhia não é um crime menor que possa ser descartado ou desvalorizado como tem acontecido.
E conclui dizendo que o IRA, independentemente da eventual declaração definitiva da inconstitucionalidade da lei, continuará através das suas ações com o mesmo empenho operacional no terreno, alargando a sua área de atuação e valências (sempre com a finalidade de chegar a todo o país) e a fomentar a compreensão e sensibilização para a questão do bem-estar animal e a importância que os animais podem desempenhar na nossa vida quotidiana.
Segundo Pedro Paiva o abandono e maus tratos de animais nos últimos cinco anos totalizou cerca de 10 mil crimes e apenas 17 detidos. A PSP dá também conta que, igualmente em cinco anos, registou 1.615 crimes de abandono de animais e 2.278 por situações de maus tratos, num total de 4.402. Enquanto a GNR contabilizou 5.330 crimes, 3.385 dos quais por maus tratos a animais e 1.945 por abandono, tendo este tipo de criminalidade registado em 2022 o valor mais alto desde que há registos.
E são estes números que darão mote à iniciativa que a Provedoria do Animal de Lisboa tendo presente a Carta Municipal de Bem-Estar Animal, que declara Lisboa “uma cidade comprometida com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, vai promover para agregar os restantes provedores municipais do país, para que, juntos, possam iniciar uma ronda de reuniões que visa sensibilizar Governo, Parlamento e outros protagonistas da sociedade portuguesa para a necessidade imperativa de se avançar na criminalização.
o abandono e maus tratos de animais nos últimos cinco anos totalizou cerca de 10 mil crimes e apenas 17 detidos
Ao fim de meses de discussão a Espanha aprovou a primeira Lei de Proteção Animal nacional, que vai sobrepor-se às diversas legislações autonómicas existentes no país. Com a aprovação desta Lei o Governo Espanhol aditou uma emenda no código penal para agravar as penas dos crimes de maus tratos aos animais.
Com o novo quadro legal, maltratar até à morte um animal pode custar até dois anos de prisão ou um ano e meio se o animal precisar de cuidados veterinários . Outra das grandes inovações no quadro legal espanhol é a proibição de sacrificar animais de companhia que estejam bem de saúde, apenas admitindo matar um animal por razões de saúde pública ou de eutanásia.