Prezados Colegas
Como é de todos conhecido, depois de dois anos de pandemia, fomos surpreendidos por mais uma guerra no continente europeu, resultante da agressão da Rússia à Ucrânia, com gravíssimas consequências para o nosso país. Agora enfrentamos uma séria crise energética e uma grave crise económica, com um enorme impacto na vida das pessoas, e que obrigará mais uma vez a um enorme esforço dos Advogados portugueses na defesa dos cidadãos, especialmente os mais desprotegidos. Sabemos, porém, que os Advogados, como sempre o fizeram desde Março de 2020, e apesar das inúmeras dificuldades que sistematicamente lhes colocaram, saberão estar à altura de mais este desafio e não falharão no apoio aos cidadãos que necessitam da nossa ajuda.
Perante este gravíssimo cenário nacional e internacional, a última coisa de que esperaríamos era que o Parlamento estivesse neste momento a discutir projectos de modificação da Lei das Associações Públicas Profissionais. Infelizmente, no entanto, foram apresentados vários projectos de lei nesse sentido, com propostas altamente gravosas para a Advocacia portuguesa, já tendo a Ordem dos Advogados tido ocasião de ser ouvida no Parlamento sobre este assunto. Neste Boletim dá-se conhecimento aos Colegas da posição que as várias Ordens Profissionais, incluindo naturalmente a Ordem dos Advogados, têm assumido relativamente a esses diplomas. Como temos sucessivamente referido, os Advogados devem estar mobilizados contra estas alterações legislativas, que representam o maior ataque à Ordem dos Advogados nos seus 96 anos de história. A Ordem dos Advogados tem que continuar a ser uma instituição democrática, em que os Advogados elegem livremente outros Colegas como seus representantes em todos os órgãos da Ordem, incluindo os disciplinares. Em caso algum aceitaremos por isso que a Ordem dos Advogados seja dirigida por provedores ou inclua nos seus órgãos elementos estranhos à Advocacia.
No quadro da principal atribuição da Ordem dos Advogados, de defender o Estado de Direito, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da Justiça, foi constituído no âmbito da nossa Ordem um Grupo de Trabalho coordenado pelo Dr. José Miguel Sardinha e integrado pelos Professor Doutor Luís Fábrica, Professor Doutor João Pacheco de Amorim, Dr. Marco Caldeira e Dr. Gonçalo Capitão, em ordem a apresentar propostas ao Governo para a reforma dos Tribunais Administrativos. O Grupo de Trabalho apresentou no passado dia 15 de Setembro, na sede da Ordem dos Advogados, essas propostas à Senhora Ministra da Justiça, aquando da sua visita à nossa Ordem. Agradecemos a estes nossos Colegas todo o magnífico trabalho desenvolvido, o qual é igualmente examinado nesta edição do Boletim. Esperamos que agora o Governo possa tomar em consideração estas propostas legislativas para que comece a ser resolvida a escandalosa morosidade dos Tribunais Administrativos, e que deixa os cidadãos desprotegidos contra os arbítrios do poder. Bem melhor faria o Parlamento em se ocupar da necessária reforma dos Tribunais Administrativos, em lugar de discutir projectos de lei contra as Ordens Profissionais.
Na verdade, é muito preocupante o estado da nossa Justiça. Foi recentemente divulgado o Questionário da Independência Judicial da Rede Europeia de Conselhos de Justiça a que 494 juízes nacionais responderam, sendo que 25% dos mesmos afirmaram acreditar que nos últimos três anos houve juízes que aceitaram subornos ou se envolveram noutras formas de corrupção.
Os Advogados devem estar mobilizados contra estas alterações legislativas, que representam o maior ataque à Ordem dos Advogados nos seus 96 anos de história
Da mesma forma, esse inquérito revela que 27% dos juízes acreditam que nos últimos três anos foram distribuídos processos a juízes à revelia das regras estabelecidas, a fim de influenciar os resultados do litígio. Trata-se de uma revelação muito preocupante, por minar a confiança dos cidadãos no sistema de Justiça, a qual é essencial ao trabalho de todos os Advogados. Por isso a Ordem dos Advogados tem vindo a insistir publicamente para que o Governo regulamente a Lei 55/2021, de 13 de Agosto, por forma a garantir o controlo dessa distribuição com a presença de um representante da Ordem dos Advogados. Sabendo-se que o Parlamento aprovou essa medida precisamente para afastar as suspeitas que surgiram nesse âmbito, é muito preocupante que a mesma não esteja a ser executada por falta de regulamentação do Governo.
No início de Setembro fomos surpreendidos com a deliberação do Conselho Superior de Magistratura a determinar a concentração dos actos jurisdicionais dos Juízos Criminais de Alenquer, Torres Vedras e Vila Franca de Xira e do Juízo de Competência Genérica da Lourinhã no Juízo de Instrução Criminal de Loures. Tal implica que os interrogatórios de arguido detido e todas as demais diligências da competência do juiz de instrução criminal que se realizavam naqueles juízos passarão a ter lugar apenas em Loures. Assim, os Advogados e os cidadãos chamados a tribunal serão obrigados a fazer viagens constantes entre estas cidades, em automóvel próprio, uma vez que não há transportes públicos adequados, sendo que a viagem pode chegar a demorar três quartos de hora, numa altura em que o preço dos combustíveis dispara em consequência da guerra. Era difícil imaginar decisão mais gravosa para o nosso sistema de justiça que pudesse ser tomada pelo Conselho Superior de Magistratura. Por isso a Ordem dos Advogados já impugnou essa deliberação e tudo fará para que situações desta ordem não possam ocorrer em Portugal. Na verdade, consideramos que a norma do art. 130.º, n.º3, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário é inconstitucional porque permite a alteração das competências dos tribunais por simples decisão administrativa. Por isso tudo faremos para que esta situação venha a ser revertida, se necessário pela declaração de inconstitucionalidade da norma por parte do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 30 de Setembro de 2022