Vacinas: Solidariedade mundial vs Protecção de patentes
Em Dezembro de 2019 o mundo foi confrontado com os primeiros casos de infecção pelo coronavírus SARS-CoV-2. Desde esse momento que se tornou perceptível a capacidade de propagação deste vírus, tendo este atingido em Março 2020 diversos países do continente europeu, americano e, muito em particular, do continente asiático.
A forma extremamente rápida de propagação e o desconhecimento dos efeitos e consequências, para além da própria origem, desta ameaça para a saúde publica de cada país e ao nível global, levaram a um reforço da investigação por parte de cientistas e laboratórios farmacêuticos para que, no mais curto período de tempo, fosse possível encontar um meio de impedir o crescimento da situação pandémica global o que só poderia ser alcançado através da descoberta de uma vacina eficaz para contrariar o vírus.
A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a epidemia de Covid-19 atingiu o nível de pandemia, registando-se nessa data mais de 118 mil casos de infecção em 114 países e 4291 mortes. Na altura o Diretor-Geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, referiu tratar-se da primeira pandemia causada por um coronavírus, e que a declaração de pandemia «não altera o que os países devem fazer» para travar a propagação do novo coronavírus, confiante que ainda poderiam ”mudar o curso desta pandemia se detetarem, testarem, tratarem, isolarem, rastrearem e mobilizarem as pessoas na resposta”, ressalvou.
Desde então os números aumentaram exponencialmente. A evolução da pandemia tem sofrido oscilações, reduções circunscritas em alguns países, mas globalmente continuamos a assistir a novas vagas e à identificação de novas variantes, que mantêm a urgência no combate ao vírus. Sempre que consultamos o registo de casos na página oficial da OMS o número aumentou.
A 10 de Julho de 2021, a nível global, estavam registados 185 291 530 casos, dos quais resultaram 4 010 834 mortes em todo o mundo, 8516 mortes nas últimas 24 horas.
Face a estes números empresas farmacêuticas, laboratórios e cientistas em todo o mundo investiram tempo, recursos financeiros e humanos, e conhecimento no desenvolvimento de uma vacina para conter os danos da pandemia e o significativo número de mortes registadas.
A 10 de Julho de 2021, a nível global, estavam registados 185 291 530 casos, dos quais resultaram 4 010 834 mortes em todo o mundo, 8516 mortes nas últimas 24 horas.
Resultado do forte investimento e desejo de combater a COVID-19 passado um ano da declaração de pandemia, em Março de 2021, só a Comissão Europeia já havia concedido quatro autorizações condicionais de introdução no mercado às vacinas desenvolvidas por BoNTech-Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen Pharmaceutica NV, após aprovação da Agência Europeia do Medicamento.
Encontrada(s) a(s) vacina(s) capaz(es) de imunizar a população surgiram de imediato novas questões no debate público, nomeadamente, sobre a capacidade de produção da vacina, a sua distribuição pelo planeta, sendo a principal e mais controversa a possibilidade de levantamento das patentes protegidas para aumento da produção, decisiva que é a vacinação na erradicação da pandemia.
Este levantamento permitiria o aumento da produção de unidades indispensáveis para a distribuição de vacinas pelos países produtores, pelos países que rapidamente encomendaram elevadas quantidades suficientes para vacinar duplamente toda a sua população, e também pelos países mais pobres, estes últimos os mais atrasados no combate à pandemia, em consequência da falta generalizada de recursos financeiros e humanos para lidar com a situação.
A defesa da propriedade intelectual e da investigação científica no futuro, enfrentou argumentos como a democratização do acesso à vacinação, a resposta global e solidária dos países mais favorecidos na ajuda aos mais carenciados.
Em Março passado foi rejeitada a proposta apresentada pela África do Sul e pela Índia à OMS no sentido de renúncia às regras da propriedade industrial para vacinas, tratamentos e outras vacinas contra a COVID-19, baseada no argumento da solidariedade mundial. Salientando que a diferença entre países no acesso e administração das vacinas agudiza não somente os efeitos da pandemia e a sua propagação como também acentua as dificuldades de crescimento económico dos países em desenvolvimento.
De imediato, a indústria farmacêutica rejeitou esta proposta argumentando que a patente é protecção da propriedade intelectual a qual resultou de avultados investimentos na investigação científica. Para além de que o levantamento da patente não se traduziria num maior acesso às vacinas, em particular nos países em desenvolvimento, cuja capacidade de produção não existe, ou é diminuta e, existindo, está direccionada para as grandes farmacêuticas, que não pretendem licenciar o fabrico para outros países.
Também o Parlamento Europeu debateu a eventual suspensão temporária dos direitos de patente para as vacinas contra a COVID-19 sem, no entanto, ter alcançado o consenso sobre esta questão. Consideraram alguns deputados que esta suspensão não significaria a garantia de fornecimento e acesso global à vacinação, antes pelo contrário, teria impacto negativo na investigação e inovação. O licenciamento temporário por parte das indústrias produtoras de vacinas para produção em países em desenvolvimento e o aumento para o esquema COVAX apresentam-se como soluções mais exequíveis. Por sua vez o Presidente Joe Biden declarou que os EUA apoiavam a suspensão das patentes contra a COVID-19, enquanto que a UE e alguns Estados-membros se mostraram disponíveis para debater o assunto mas cautelosos quanto à capacidade de produção e padrões de qualidade de outros países.
Neste contexto o projecto COVAX, um programa coordenado pela OMS e pela Aliança Global para as Vacinas (GAVI) para o desenvolvimento conjunto de ferramentas de combate ao vírus, com o objetivo de distribuir dois mil milhões de doses em 2021, particularmente nos países mais pobres e imunizar 27% dos seus cidadãos, tem promovido pela via solidária o acesso às vacinas pelos países mais pobres, e intensificado o combate à actual Pandemia.
O Boletim OA publica o artigo do Presidente da GAVI, o português José Manuel Durão Barroso, que nos fala sobre a acção da Aliança no âmbito da situação pandémica por COVID-19.
O surgimento de novas variantes, em Junho, e o conhecimento de que as vacinas existentes não são 100% eficazes, implicou entretanto a reavaliação do ponto em que será atingida a imunidade de grupo. A ideia da imunidade do grupo com 70% da população vacinada contra a covid-19 está actualmente ultrapassada.
António Guterres, Secretário Geral da ONU, disse em Julho de 2021 sobre a pandemia “A comunidade internacional não foi capaz de se unir para fazer face ao vírus. O que sobrou em capacidade científica faltou em solidariedade.”.
Que caminho seguir? O que aprendemos com esta pandemia? No futuro que ponderações teremos que considerar para manter e controlar outros vírus? Como conjugar esforços globais para enfrentar a próxima pandemia? São perguntas ainda sem resposta mas para as quais a comunidade politica, científica e a sociedade civil em geral devem procurar resposta o mais depressa possível. Conseguimos conter, pelo menos, por ora, este vírus mas outros virão.