Como Ser Solidário de uma Maneira Muito Simples ou o Papel do Advogado na Suspensão Provisória do Processo Penal
ENQUADRAMENTO
Como é sabido, quando o Ministério Público entenda que existem indícios da prática de um crime de pequena gravidade (punível com pena de prisão até cinco anos ou com sanção diferente da prisão), pode, em alternativa à dedução de acusação, suspender provisoriamente o processo mediante aplicação de injunção que levará ao arquivamento (conf. Artigo 281º do Código do Processo Penal).
Evita-se, desta forma, a sobrecarga dos tribunais com pequenos casos, libertando recursos para uma melhor e mais rápida investigação e punição da criminalidade mais grave. Suspendendo-se o processo sem julgamento e, se possível, sem instrução, torna-se mais célere o processo penal e menos oneroso para o erário público.
E, por outro lado, não havendo comprovação de culpa, nem despacho condenatório, nem pena, reduz-se a estigmatização social do agente. Às injunções não está ligada a censura ético-jurídica da pena nem a prévia comprovação da culpa (culpa indiciária). A suspensão provisória do processo não é um despacho condenatório.
Trata-se de um instituto que pressupõe consenso entre os sujeitos processuais, uma vez que esta posição do Ministério Público depende do prévio acordo do arguido e do assistente e de homologação pelo juiz de instrução.
O PAPEL DO ADVOGADO
O exemplo comum de injunção é a entrega ao Estado ou a uma instituição privada de solidariedade social (IPSS) de certa quantia (Artigo 281º Nº 2 c) do CPP).
Sendo devolvida às partes a forma de resolver o conflito, o arguido pode propor a maneira concreta de o fazer.
Na prática, pode propor a entrega do montante que lhe for determinado a uma instituição por si escolhida.
E é aqui que o papel dos advogados pode ser e tem sido relevante.
Em muitos casos de indiferença ou desconhecimento do cliente, este pede ao advogado que o ajude a fazer esta escolha.
É, por isso, muitas vezes, por aconselhamento do advogado que o cliente aceita fazer uma doação a uma IPSS para suspender o processo e depois pede para indicar instituição que possa ser beneficiária dessa doação.
UMA OPORTUNIDADE SIMPLES DE AJUDAR A AJUDAR
Numa sociedade permanentemente mediada pela tecnologia, a administração da justiça tenderá para uma burocracia mais ou menos eficiente se perder o enfoque nas pessoas e na defesa do bem comum.
O acto simples de indicar, em alternativa aos cofres do estado, uma associação como a Acreditar para receber a injunção é uma forma eficaz de apoiar uma boa causa e de ajudar muita gente.
O papel dos advogados (e dos outros operadores judiciais) confronta-os a todo o momento com as muitas injustiças sociais que nos cercam e, como dizia Sophia de Mello Breyner, quando “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
E não queremos, mesmo, ignorar.
Mas a verdade é que a rapidez da vida nem sempre cria ocasiões para dar alguma consequência ao inconformismo.
O tamanho dos problemas leva, muitas vezes, a considerar inúteis os pequenos gestos.
Que, muitas vezes, são os que estão ao nosso alcance.
Acontece que é extraordinária a eficácia que podem ter alguns destes gestos que parecem pequenos.
Dou-vos um exemplo.
UM CASO CONCRETO
Dou-vos o exemplo do caso que conheço melhor, que é o da Acreditar – Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro.
Há quase 30 anos que, de forma consistente, apoiam as famílias das crianças a quem é diagnosticado cancro.
Num momento de crise para estas pessoas, a Acreditar apoia em tudo aquilo que vai para lá do tratamento da doença em si.
Os longos internamentos impõem muitas vezes o desemprego de um dos pais, deslocações prolongadas e despesas acrescidas insuportáveis.
A Acreditar recebe gratuitamente as famílias deslocadas com maiores dificuldades nas Casas que constrói e mantem junto aos diversos hospitais com oncologia pediátrica. A ampliação da Casa de Lisboa está neste momento em curso.
Centenas de voluntários estão envolvidos no apoio emocional dentro dos hospitais.
Mantém um projecto de escolaridade durante os longos internamentos e, em geral, presta apoio económico e social.
A Acreditar preenche uma lacuna do Estado com uma notável sensibilidade e eficácia de meios.
Nos últimos tempos o conjunto dos donativos provenientes das injunções tem representado uma contribuição muito relevante para a continuidade e reforço da actividade desta associação.
E este ano estes montantes podem ser um contributo importante para a obra de ampliação da Casa de Lisboa.
UMA JUSTIÇA DOIS EM UM
O acto simples de indicar, em alternativa aos cofres do Estado, uma associação como a Acreditar para receber a injunção é uma forma eficaz de apoiar uma boa causa e de ajudar muita gente.
Junta-se à regular administração da justiça um gesto prático de solidariedade.
É, de facto, um dois em um.