Third-Party Funding:
Experiência e Tendências Actuais
Quando se fala em Third-Party Funding (TPF) seguramente que a primeira pergunta que (ainda) surge é, para a grande maioria das pessoas: de que se trata isso? Se traduzirmos esta expressão para “financiamento de litígios por terceiros”, talvez as dúvidas se dissipem para a esmagadora maioria das pessoas. Contudo, é inevitável questionar logo de seguida o que realmente é o TPF e como funciona.
O modelo de negócio pode resumir-se da seguinte forma: para um processo ou conjunto de processos, existe uma terceira entidade que irá suportar todos os custos (incluido honorários de advogado e, no caso da arbitragem, honorários dos árbitros) a troco de uma percentagem do montante recebido pelo financiado (geralmente 30% a 40%) ou de um múltiplo sobre o dinheiro investido (tipicamente entre três a cinco vezes, isto é, por cada euro financiado, o terceiro receberá entre três a cinco euros). A particularidade deste esquema é que só existe obrigação de reembolso se o financiado for bem sucedido; perdendo o caso, o financiado não tem de reembolsar nada ao financiador.
Este é, em traços largos, o modelo de negócio. Mas – pergunta inevitável que se segue – isto é “legal”? Não haverá aqui uma quota litis? A resposta, categórica, é: não! Não existe norma legal que proíba este modelo de negócio. Nem o mesmo envolve qualquer violação de deveres deontológicos do advogado (em especial a proibição de quota litis), desde que o advogado não permita que a relação com o seu constituinte e com os casos que patrocina fique condicionada ou submetida a direitos e deveres que tipicamente devem localizar-se apenas no seio do acordo financiado – financiador.
Exemplificando: pode pensar-se que o financiador, por ser quem custeia o processo, determinará a forma como o mesmo é conduzido e condicionará a estratégia processual (incluindo a escolha do advogado). Isto envolveria uma clara violação de deveres deontológicos do advogado. É certo que este tipo de condicionantes podem ocorrer, particularmente quando o financiador não está “confortável” com o advogado, por nunca ter trabalhado com ele ou por qualquer outra razão. Contudo, a nossa experiência demonstra o contrário.
Não existe norma legal que proíba este modelo de negócio.
Nos casos em que temos trabalhado com financiamento de terceiros, o financiador já conhece bem a equipa de advogados. Muitas vezes, são os próprios financiadores quem nos procura para perceber que casos podem financiar o que envolve desde logo um juízo de confiança na equipa que está encarregue do patrocínio do caso. Depois, durante o caso, os financiadores limitam-se a uma supervisão em modo light touch.
Apesar de alguma atracção que este modelo envolve, não há bela sem senão, pois nem todos os casos são susceptíveis de serem financiados.
Em primeiro lugar – e como outra coisa não se esperaria – a acção tem de ter francas probabilidades de sucesso. Espera-se, assim, que seja conduzida uma due diligence do caso e das entidades envolvidas com alguma extensão e profundidade. Este ponto levanta imediatamente uma inquietação: é que informações que sejam fornecidas ao financiador não estão abrangidas por sigilo profissional, o que tem naturais impactos na confidencialidade das mesmas.
Em segundo lugar, nem todos os montantes envolvidos são atractivos para os financiadores. Internacionalmente e no que temos visto na nossa experiência, é muito difícil encontrar quem esteja disposto a financiar um litígio com valores envolvidos inferiores a 10 ou 15 milhões de euros. A razão de ser deste limite tem a ver com as entidades que, por sua vez, estão na retaguarda dos terceiros financiadores e que procuram rentabilidades mínimas para os seus investimentos.
Este ponto leva a que o fenómeno não seja ainda muito popular entre nós. Não que não existam sectores do direito onde este financiamento não pudesse ter um campo fértil (por exemplo, empresas em insolvência ou acções relativas a direitos de propriedade intelectual, em especial as patentes). Entre nós, foram já encetadas iniciativas empresariais para o lançamento deste modelo financeiro mas, segundo cremos, não parece que estejam ajustadas à dimensão do panorama português. Ter-se-á de ter em mente a escala do nosso mercado jurídico e tem de dirigir o foco para o pequeno e médio litígio das PME’s que são as que maioritariamente compõem o tecido empresarial do nosso país. Pontualmente, alguns litígios mais específicos e de valor mais elevado podem vir a beneficiar deste financiamento.
Existem algumas tendências que se têm vindo a desenvolver, no que respeita ao TPF, a nível internacional, mais em concreto na arbitragem internacional e, dentro desta, na arbitragem de protecção de investimentos estrangeiros.
A mais proeminente diz respeito ao dever de revelação da existência e identidade do financiador tendo em vista o apuramento da existência de conflitos de interesses. Na verdade, bastará pensar que um dos árbitros tem uma ligação com o financiador (porque este financiou outro caso onde o árbitro actua como advogado de parte, para dar apenas um exemplo) para se perceber que a integridade do tribunal (a sua independência e isenção) podem estar em risco.
Daqui se construiu um dever de revelação que está praticamente consolidado internacionalmente. Porém, depressa este dever (limitado) de revelação evoluiu para o dever de revelar as condições do financiamento, o que tem tido em mira outra temática muito candente na matéria.
Referimo-nos à problemática da caução para cobrir os custos do processo (cautio judicatum solvi ou, na terminologia anglo-saxónica, security for costs). Com efeito, sabendo-se da existência de terceiro financiador, o passo lógico é presumir, como já fizeram alguns (poucos, é certo) tribunais, que o demandante financiado não tem condições para honrar uma eventual sentença “adversa” que o obrigue a pagar as custas da parte vencedora. E daqui se segue um pedido para que essa parte financiada preste uma security for costs. O entendimento dos tribunais arbitrais tem sido muito restritivo neste ponto uma vez que, tratando-o como uma típica providência cautelar, exigem a verificação de todos os seus pressupostos (incluindo o perigo de não conseguir recuperar as custas) e fazem questão de notar que a existência de um TPF não é sinónimo de “impecuniosidade”. Porém, é claro que as partes contrárias não conseguem escapar a esta tentação e muitas vezes um mau comando do tema do security for costs faz perigar a consistência da estratégia processual da demandante. Um exemplo curioso nesta matéria passou-se num caso de uma arbitragem de investimentos onde estamos envolvidos e em que o tribunal arbitral baseou-se numa declaração de um advogado da equipa (que afirmara que seria responsável pelo pagamento das custas da arbitragem) para reclamar dos demandantes a junção ao processo de um compromisso unilateral de pagamento dessas custas.
Este é, de facto, um ponto onde se exige o maior cuidado aos advogados não vá acontecer, como já sucedeu no passado em Inglaterra, que o tribunal os considere como “financiadores do litígio” e, em consequência, os condene no pagamento das custas da parte contrária.
Não há dúvida, no entanto, que o financiamento de litígios por terceiros continua a granjear uma grande atenção e algumas críticas mas, por outro lado, é merecedor do necessário apoio pois representa uma ferramenta de inegável utilidade quando se trata de garantir o acesso ao direito, o que não carece de maiores explicações