INCÊNDIOS FLORESTAIS
Estudos internacionais mostram que o incêndio florestal representa cerca de 10% dos comportamentos de incêndio em geral (integrando aqui várias tipologias, como incêndios a propriedades residenciais, industriais, veículos…) (e.g. Anderson, 2010)[1].
Estes casos integram crimes de incêndio por negligência e por comportamento doloso.
No que se refere à prevalência do comportamento de fogo posto ou incendiarismo, no contexto específico da floresta, os estudos mostram que este comportamento explica entre 13 a 20% das causas apresentadas como explicação do fenómeno, face a outras causas identificadas (naturais, uso do fogo, acidentais e estruturais)[2].
Analisando as variáveis que definem o comportamento de incendiarismo, é possível identificar um conjunto de fatores de risco que explicam a reincidência do comportamento criminal, e que devem ser consideradas ao elaborar estratégias de prevenção e intervenção neste tipo de criminalidade. Estes fatores de risco resultam de trabalhos de investigação científica desenvolvidos na área da Psicologia Forense para o estudo do comportamento de incêndio, e indicam que esta forma de comportamento criminal envolve um conjunto representativo de indivíduos com limitações psicológicas e sociais.
Estes fatores integram três vertentes do comportamento dos incendiários: 1. Características do Incendiário; 2. Características do crime de incêndio; 3. Motivos associados ao crime cometido.
1. AS CARACTERISTICAS DO INCENDIÁRIO
O género do agressor é uma variável diferenciadora na caracterização do comportamento de fogo posto, já que este comportamento é mais comum nos homens: na maior parte dos estudos observa-se que cerca de 90% são dos homens. As mulheres que surgem associadas e este tipo de crime, apresentam características muito específicas, ou seja, integram na maior parte das vezes um perfil criminal específico, enquanto os homens integram um conjunto heterogéneo de categorias comportamentais. Assim, a maior parte dos comportamentos de incendiarismo apresentados pelas mulheres está associado a situações de depressão, e contextos de problemas familiares que envolvem problemas amorosos com companheiros atuais ou ex-companheiros e questões relacionadas com partilhas de bens e conflitos associados com as responsabilidades parentais. Associado a este contexto as mulheres podem apresentar hábitos de consumo excessivo de álcool e poucas competências sociais (Quinsey, Harris, Rice & Cormier, 1998).[3]
Os problemas sociais estão presentes num grupo expressivo de incendiários, problemas associados à sua estrutura familiar, apresentando muitos deles uma integração em famílias disfuncionais que não possuem recursos para ajudar o incendiário a controlar o seu comportamento. Possuem ainda fracas competências sociais, apresentando o incendiário muitas dificuldades na resolução de problemas de relacionamento interpessoal e social e em integrar-se na comunidade a que pertence. Este tipo de limitações está ainda associado a fracas competências académicas e profissionais (atividades profissionais de subsistência).
Os problemas psicológicos constituem uma área importante a ser considerada na análise dos comportamentos de incendiarismo. Nesta vertente podem ser identificadas como mais representativas a presença de perturbações como a depressão, défice cognitivo, demência alcoólica, perturbações da personalidade ou esquizofrenia. Estudos efetuados com incendiários florestais mostram que em cerca de 50% dos casos existia a presença do consumo de álcool associado ao comportamento de fogo posto enquanto 25% dos agressores apresentavam indicadores de doença mental com destaque para o défice cognitivo. A avaliação da perturbação piromania mostrou que a sua presença é rara neste tipo de contextos.
2. AS CARACTERISTICAS DO CRIME DE INCÊNDIO
Comportamentos após o crime de incêndio: os agressores que apresentam maior risco de reincidência para o crime de incêndio, podem apresentar comportamentos pouco usuais como ficar a observar o incêndio ou ajudar no combate do mesmo.
Local das ocorrências: o cometimento de incêndios perto da área de residência ou do local de trabalho são comportamentos também associados à reincidência deste tipo de comportamentos.
Dispositivo utilizado: neste tipo de crime observa-se o recurso a dispositivos pouco elaborados, recorrendo na maior parte dos agressores a chama direta.
Tipo de relação entre o agressor e o proprietário do local incendiado: em muitos casos os agressores não conhecem o proprietário dos terrenos que incendeiam. Só um grupo mais restrito de agressores recorre ao incêndio como forma de represália, contra um indivíduo identificado, de forma objetiva.
3. OS MOTIVOS ASSOCIADOS AO CRIME COMETIDO
A motivação para este tipo de crime pode integrar tem por base duas fontes motivacionais: uma expressiva e outra instrumental.
A motivação expressiva tem por base uma causa interna ao individuo. Neste tipo de motivação podem ser identificados os comportamentos que têm por base a excitação face ao ato cometido, que corresponde a 25% dos casos estudados, seguidos da vingança que corresponde a cerca de 14% dos casos. As situações de vingança podem ser uma resposta relativa a uma ofensa real ou imaginária. Registam-se ainda situações de vandalismo, em que ação do incendiário não tem uma finalidade que ele consiga definir e que visa meramente a destruição, já que estes indivíduos não possuem atividades definidas e não têm objetivos de vida que orientem o seu quotidiano (49% das situações estudadas).[4] As situações de vandalismo estão mais associadas aos grupos mais jovens de agressores e são crimes que tendem a ser cometidos em grupo.
A motivação instrumental associa-se a uma fonte de causalidade que visa a obtenção de benefícios diretos com o objetivo de um determinado fim (e.g. limpar matas, receber dinheiro, transformar o espaço que o rodeia).
Os padrões do comportamento criminal para o crime de incêndio florestal

O Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais da Polícia Judiciária tem vindo a desenvolver um trabalho de caracterização dos comportamentos de incendiarismo/fogo posto, desde 1997, tendo-se estabelecido, desde 2004, uma tipologia composta por três padrões distintos em relação a este tipo de comportamento criminal. Este estudo possui uma amostra de investigação com 881 detidos/identificados pelo crime de incêndio florestal, investigados pelos departamentos da PJ.
Assim, numa análise geral dos perfis obtidos a partir da amostra geral dos incendiários florestais, verifica-se que o perfil criminal mais representativo é o perfil B (Expressivo- problemas de saúde mental) (38,9%) seguido do perfil C (Motivação Expressiva: Problemas de Consumos). O perfil A (Instrumental) continua a ser o menos representativo (23,5%). Em termos gerais apresenta-se de seguida uma análise resumida de cada um dos perfis criminais.
PERFIL A
Motivação Instrumental – é menos frequente face aos restantes e é caracterizado por agressores com 65 anos ou mais, maioritariamente casados. Não apresentam nem consumos ao momento do crime nem indicadores de problemas de consumo, tendo o crime resultado por uma motivação instrumental. Estratégias de intervenção que se sugerem para indivíduos que se integrem neste padrão do comportamento criminal: Modelos educativos de prevenção secundária; Deteção e Punição dos Comportamentos; Medidas punitivas alternativas (e.g. Justiça restaurativa).
PERFIL B
Motivação Expressiva: Problema de Saúde Mental – é composto por jovens agressores (inferior a 20 anos) e agressores com menos de 40 anos. A maioria dos incendiários neste perfil é solteira e vivem com a família de origem. A presença de consumos de drogas ou medicamentos revela ser superior neste perfil, face aos restantes. Estratégias de intervenção que se sugerem para indivíduos que se integrem neste padrão do comportamento criminal: Diagnóstico; Deteção Avaliação de risco; Tratamento/controlo.
PERFIL C
Motivação Expressiva: Problemas de Consumos – demonstra ser o mais predominante na caracterização dos incendiários florestais, sendo este maioritariamente representado por agressores entre os 41 e os 64 anos, divorciados e que tendem a viver sozinhos. Neste perfil, a presença de consumos de álcool ao momento do crime e problemas de consumo é frequente. A motivação subjacente dos incendiários deste perfil é marcadamente expressiva. Estratégias de intervenção que se sugerem para indivíduos que se integrem neste padrão do comportamento criminal: Diagnóstico; Deteção Avaliação de risco; Tratamento/controlo.
[1] Anderson, J. (2010). Bushfi re arson prevention handbook. Australia’s National Research and Knowledge Center on crime and Justice, Handbook n.º 11.
[2] Bushfi re CRC (2010). Bushfi re arson: what do we know now? Bushfi re Cooperative Research Center, Fire note, issue n.º 63.
[3] BQuinsey, V., G. Harris G., Rice, M. & Cormier, C. (1998). Violent off enders: Appraising and managing risk. American Psychological
Association; Washington DC.
[4] BQuinsey, V., G. Harris G., Rice, M. & Cormier, C. (1998). Violent off enders: Appraising and managing risk. American Psychological
Association; Washington DC.