Um estudo recente da International Bar Association (IBA) concluiu que o bem-estar mental dos profissionais do Direito é um motivo de preocupação global. Com base em mais de 3200 inquéritos realizados a pessoas individuais dedicadas a profissões jurídicas, bem como mais de 180 inquéritos realizados juntos de instituições ativas nas áreas jurídicas, incluindo escritórios de advogados, ordens profissionais e empresas e respetivas equipas jurídicas. Este abrangente trabalho devolve resultados que não podem ser ignorados, incluindo a identificação de um impacto significativo do estigma ainda prevalecente, e que leva a que 41% dos inquiridos indique que não discutiria preocupações relacionadas com o seu bem-estar mental com um superior, por receio de prejudicar a carreira. Da mesma forma, 1 em cada 3 inquiridos considera que o trabalho tem um impacto negativo ou extremamente negativo no seu bem-estar.
As questões de saúde mental entre os advogados são, na verdade, notoriamente prevalecentes, assim como o abuso de substâncias. Nesta medida, a saúde mental e o bem-estar dos profissionais do Direito têm de ser um tema central na agenda da comunidade jurídica, incluindo os advogados, os escritórios de advogados, as faculdades e as instituições e entidades que agregam advogados e profissionais da área jurídica.
Significativamente, resulta do estudo acima referido que, de entre as preocupações relacionadas com a preservação da saúde mental, aquelas relacionadas com o volume de trabalho ocupam destaque ao longo de todas as faixas etárias inquiridas, verificando-se, contudo, que as preocupações relacionadas com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e questões de saúde mental e física associadas afetam de forma desproporcionada os jovens.
A pandemia teve, naturalmente, o efeito de evidenciar a urgência do debate em torno do tema saúde mental, devendo este debate, gradualmente, dar lugar à identificação de estratégias concretas, que ajudem à progressiva adaptação da cultura de trabalho existente, indo ao encontro dos desafios únicos desta indústria que apresenta riscos psicossociais significativos.
Com efeito, é possível identificar características específicas quer do perfil do profissional jurídico (em que se incluem a atenção ao detalhe ou
A pandemia teve, naturalmente, o efeito de evidenciar a urgência do debate em torno do tema saúde mental
perfecionismo, o foco na identificação e prevenção de riscos, a negociação com contrapartes hostis ou a frequente retórica argumentativa), quer da própria profissão (a instabilidade regulatória, a existência de prazos e suas consequências, os modelos de prestação da atividade, o antagonismo entre duas ou mais partes, a gestão de assuntos do cliente em períodos curtos, com grande responsabilidade, e muitas vezes em paralelo com diversos assuntos de distintos clientes) que permitem caracterizar os potenciais riscos da profissão em matéria de saúde mental. Assim, estes frequentemente relacionam-se com a carga de trabalho, a sensação de falta de autonomia, as longas horas, a competitividade entre pares e a pressão dos clientes.
A Associação Direito Mental surge do reconhecimento, por parte dos seus fundadores, da existência destes riscos, destas circunstâncias agravadas que afetam a profissão jurídica. Com efeito, os stress tests da profissão traduzem-se frequentemente em manifestações que já nos habituámos a testemunhar, como cansaço agravado, falta de concentração ou dores de cabeça recorrentes, perturbações de sono ou níveis de ansiedade elevados. Muitas vezes, estes fenómenos podem evoluir para outro tipo de situações, que podem levar a burnout, depressões, abuso de substâncias ou mesmo suicídio.
A conclusão semelhante chega o inquérito dedicado ao burnout levado a cabo pelo Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados em 2022, reforçando a ideia de que o tema existe, e é premente que seja devidamente endereçado na comunidade.
A Direito Mental pretende contribuir ativamente para a identificação de soluções, estratégias e boas práticas em matéria de desafios à saúde mental, especialmente aqueles que mais afetam os profissionais jurídicos, partindo do diálogo interpares e sendo motor do combate ao estigma existente em torno do tema. Através de uma maior abertura e da normalização do discurso, abre-se a porta à partilha de experiências e à identificação de obstáculos e ferramentas, criando potencial para positivamente influenciar comportamentos e práticas com impacto na saúde mental na profissão.
Neste contexto, e conforme evidenciado acima, é essencial caracterizar os principais desafios que se colocam aos profissionais do direito, estando assim a Direito Mental atualmente a promover um estudo alargado à comunidade jurídica portuguesa. A obtenção do máximo número possível de respostas ao questionário é da maior importância para a sua efetividade, pelo que apelamos à participação de todos.
A missão da Direito Mental é, assim, agregar os profissionais jurídicos, com o objetivo de promover a discussão e o diálogo em torno da saúde mental, divulgando e difundindo boas práticas, e estabelecendo parcerias com o intuito de avançar a sua missão.
A complexidade que caracteriza o tema faz com que a sua gestão beneficie também de uma abordagem conjunta e institucional, e não apenas individual. Os auto-cuidados constituem práticas individuais muito relevantes para a proteção da saúde mental, mas existe também um papel fundamental a desempenhar pelas organizações, em prol de uma cultura mais amiga da saúde mental.
Este caminho é, simultaneamente, essencial para ir ao encontro da forma com as novas gerações percecionam a profissão e se revêm numa carreira jurídica a médio ou longo prazo. Os novos paradigmas do trabalho e das organizações apontam para a responsabilização das organizações em matéria de criação de um ambiente de trabalho são, em que os indivíduos potenciem a sua saúde física e mental. Os paradigmas do trabalho estão assim em mudança, acompanhando a globalização e o desenvolvimento tecnológico, dando lugar a um conceito de prestação de trabalho / serviços que obedecem mais a uma lógica de “mudança” do que de permanência, o que faz parte do novo vocabulário geracional de dinamismo laboral.
É comum verificar que os novos candidatos a profissões jurídicas de hoje valorizam não apenas a compensação, mas também o potencial de aprendizagem e interesse pelo desafio, bem como um bom equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal. A importância da gestão flexível do trabalho, e a oportunidade de gerar impacto na função ganharam tração, influenciando não só a procura, como a decisão de mudança de emprego. É natural que, ao longo da carreira, as nossas necessidades e expetativas variem e se ajustem consoante as prioridades estabelecidas a cada momento. Estas são preocupações que os agentes que atuam neste mercado devem ter em conta em sede de atração e retenção de talento.
Estes temas têm promovido um amplo debate internacional e nacional sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho. Na Direito Mental, sentimos que fazemos parte ativa desta discussão orientada pela lógica de melhoria da qualidade de vida e de conciliação da vida profissional e pessoal. Queremos fazer a diferença, uma pessoa de cada vez, abraçando todos os que a nós se queiram juntar.