A proximidade e o cruzamento entre a psicologia e o direito é, há muito tempo, mais do que conceptual. Ela materializa-se no dia-a-dia em sociedade, cada vez mais, em diferentes esferas da actuação de diferentes profissionais, nomeadamente de advogados e psicólogos. Todavia, há uma (a da saúde mental) que ganhou contornos de visibilidade e consciência colectiva com a pandemia como nunca até agora.
DA CULTURA ORGANIZACIONAL
Os padrões de comportamento numa organização, que interagem de acordo com valores, crenças e normas e são percepcionados pelos seus membros, permitindo antecipar o que é expectável na sua acção e que se traduz numa identidade e sentido para todos. Esta pode ser uma definição de cultura organizacional.
Que cultura têm as sociedades de advogados? Não há uma apenas certamente, ainda que possamos identificar características mais comuns e frequentes. E até que ponto as sociedades de advogados são geridas como organizações, embora com as suas especificidades? Ou seja, para além da advocacia, existem outras funções e profissões na estrutura e dinâmica das sociedades? E de que modo essa cultura condiciona a forma como a saúde mental dos advogados é tida em conta no dia-a-dia destas sociedades? Será a cultura vigente aceitante ou estigmatizante? Será que considera o sofrimento psicológico uma fraqueza a ser afastada ou uma realidade da condição humana e, portanto, inerente ao exercício de qualquer profissão e… também de advogado. Ou serão os advogados uma espécie homo sapiens sapiens 2.0 não abalável por sofrimento psicológico ou maleitas da mente? Será provavelmente um pouco de tudo isto e não será igual hoje ao que era há uns anos.
Mas até que ponto é assunto explícito dentro das sociedades? Cada uma das sociedades tem uma política promotora de bem-estar? Estão as lideranças destas sociedades cientes do impacto na saúde das suas práticas de gestão, bem como da relação entre bem-estar e produtividade?
O CAMINHO DA FELICIDADE
Não existe. Ou talvez exista neuro quimicamente. A felicidade é antes de mais momentânea e passageira. A felicidade não está sequer muito relacionada com a satisfação que sentimos com a nossa vida. Muitas vezes dizemos felicidade, mas estamos, na verdade, a querer dizer bem-estar. Podemos ter muitos momentos de felicidade no dia-a-dia e sentirmos pouca satisfação com a nossa vida. Mais especificamente o bem-estar psicológico. Estamos assim no campo da ciência e não da arte e do acaso. O bem-estar psicológico inclui a sensação que temos de propósito com a vida, coerência com as suas convicções, exploração das suas potencialidades e sua aplicação, domínio sobre a sua vida, relacionamentos positivos com os outros e aceitação de si próprios com as suas vulnerabilidades incluídas.
Ora, o trabalho condiciona este bem-estar. Pode promovê-lo ou destruí-lo. E quando sentimos mais bem-estar somos mais produtivos. Quando sentimos mais bem-estar numa organização mais nos vinculamos a ela. Quando sentimos mais bem-estar sofremos menos.
ENTÃO VOU ENCOMENDAR A ALGUÉM QUE TRATE DO BEM-ESTAR DOS MEUS ADVOGADOS?
Não é bem assim. A promoção do bem-estar nas organizações tem de ser assumida como opção estratégica e por isso deve implicar activamente a gestão de topo duma sociedade de advogados. Só depois do que tudo isto significa em termos de práticas de gestão é que se coloca a questão de profissionais, como os Psicólogos para trabalharem estas dimensões dentro da organização. Não separadamente, mas num alinhamento cultural impulsionado pela gestão de topo e assumido todos os dias por ela.
CONSULTORES, ACESSORES E PERITOS

O papel do psicólogo no contexto da justiça é muito amplo. A título de exemplo as suas competências são importantes para o desenho de melhor legislação ou na avaliação da mesma, por exemplo, apoiando os diversos agentes da justiça, entre eles os advogados. Embora os psicólogos tenham crescido na sua presença no sistema e no seu contributo activo, seja na preparação da defesa em processos judiciais enquanto consultores ou peritos, seja na assessoria técnica aos tribunais, estes são papéis que ainda não estão devidamente aproveitados face ao seu potencial. De facto, muito importa fazer para informar melhor os diversos agentes do sistema de justiça sobre o que a ciência psicológica nos diz sobre o comportamento das pessoas, ou mesmo sobre o que é a psicologia, a sua abrangência e aplicações na sociedade. Será, assim, possível termos uma justiça que esteja mais próxima dos cidadãos, mais fundamentada na ciência, mais preventiva, menos causadora de sofrimento e mais promotora de coesão social.