A Ordem dos Advogados foi ouvida no âmbito da Proposta de Lei n. 92/XIV/2.ª a qual visa alterar o Código de Processo Civil, as normas regulamentares do regime da propriedade horizontal, o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância e o Código do Registo Predial.
No parecer da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados é referido que a presente proposta de lei não visa uma alteração pontual do Código de Processo Civil em vigor, mas uma profunda modificação (pretende alterar mais de 50 artigos) do referido regime processual, que disciplina a prática forense cível, pelo que a Proposta de Lei deveria ter sido objecto de uma ampla divulgação e discussão, nomeadamente na advocacia, o que não aconteceu.
Acresce que, ainda recentemente, pelo Decreto Lei nº 97/2019, de 26 de julho, foi alterado o designado regime de tramitação electrónica dos processos judiciais, que determinou a alteração de mais de 50 artigos do Código de Processo Cível em vigor, que agora merece novamente a atenção do legislador focado na alteração de mais umas dezenas de artigos, mas agora com uma incidência em quase todos os títulos e capítulos deste Código.
As soluções constantes da Proposta em apreço têm implicações nas seguintes matérias:
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- Da clarificação dos princípios gerais quanto ao ónus de impugnação;
- Do ajustamento dos efeitos da inversão do contencioso em providências decretadas;
- Da redefinição da incompetência relativa e dos seus efeitos;
- Da não obrigatoriedade da realização da audiência prévia e da autonomia da tentativa de conciliação;
- Do novo regime da prova pericial, da verificação não judicial qualificada e da prestação do depoimento escrito por iniciativa de testemunhas;
- Da programação do julgamento em face da redução do número de testemunhas a inquirir por cada facto;
- Da fixação da regra da prolação da sentença oral e do seu conteúdo, nomeadamente por remissão para os articulados.
No seu parecer a Ordem dos Advogados considera não estarem reunidas as condições para ser emitido parecer favorável quanto à generalidade das propostas apresentadas, em especial, quanto à redução das situações em que a audiência prévia deva ter lugar, à criação da réplica/ tréplica com a máxima amplitude, à fixação do número máximo de testemunhas por facto e à regra da prolação oral da sentença.
Se a não realização da audiência prévia poderá ocorrer por via do poder/dever de gestão processual, a título de adequação formal, justificando a dispensa dessa audiência, assim como poderá ter lugar através de meios electrónicos, para cumprir os amplos fins previstos no artigo 591º do Código (realizar a tentativa de conciliação, facultar às partes a discussão de facto e direito, discutir as posições das partes, identificar o objecto do litígio e o enunciado dos temas da prova, programar os actos a realizar na audiência, proferir o despacho saneador, etc) como se poderia reconhecer como válida uma iniciativa legislativa que apresenta como motivação:
“Ora, a prática judicial dos últimos anos tem demonstrado ser imperiosa a revisão de tal matéria (audiência prévia), porquanto mostra-se de difícil compreensão, especialmente em contexto de pandemia, a obrigatoriedade da realização de uma diligência judicial, com a necessária deslocação de intervenientes e preenchimento de agenda…”.
Entre outras, a restrição da obrigatoriedade da audiência prévia tem implicações ao nível da dinâmica da tramitação processual, pelo que deveria merecer uma avaliação profunda e objectiva da prática judicial e não uma fuga para o passado; que mais parece o resultado de uma incapacidade crónica de investimento em meios aptos (em quantidade e qualidade tecnológica) a satisfazer os objectivos fixados nas reformas legislativas aprovadas como marcos de mudança para uma justiça eficiente, como aconteceu com a reforma do Código de Processo Civil de 2013.