1. Nas linhas seguintes, farei uma análise sumária das modificações quanto ao exercício do contraditório decorrentes da Proposta de Lei n.º 92/XIV/2.ª (adiante PL). Com esta iniciativa legislativa pretende-se alterar os artigos 3.º/4, 584.º, 585.º e 587.º, recuperando, no essencial, a redação que tinham as disposições correspondentes no Código de Processo Civil saído da revisão de 95/96 (adiante CPC 95/96).
Para este efeito, começarei por analisar o regime vigente até à revisão de 2013. Depois, passarei em revista o sistema em vigor. Finalmente, tecerei considerações prospetivas sobre as alterações pretendidas com a PL, refletindo sobre a conveniência das suas consequências.
2. O CPC 95/96 previa, para o processo ordinário, a réplica, prescrevendo-lhe três funções primárias (ou principais): (i) responder às exceções alegadas pelo réu na contestação; (ii) deduzir a defesa quanto ao pedido reconvencional; (iii) nas ações de simples apreciação negativa, impugnar os factos constitutivos do direito do réu e/ou alegar exceções perentórias a esse direito (artigo 502.º/1 e 2). No artigo 273º/1 e 2 CPC 95/96, consignava-se adicionalmente à réplica uma função secundária (ou acessória), qual fosse a alteração ou ampliação, pelo autor, da causa de pedir ou do pedido. Importa recordar que a réplica só poderia ser empregada na modificação da causa de pedir ou do pedido se o processo a comportasse, nos termos do artigo 502.º CPC 95/96. Sempre que houvesse réplica, concedia-se ao réu um segundo articulado, qual fosse a tréplica, destinado a responder às exceções à reconvenção eventualmente arguidas pelo autor e/ou à modificação da causa de pedir ou do pedido introduzida pela réplica (artigo 503.º/1 CPC 95/96).
No processo sumário (artigos 785.º e 786.º CPC 95/96), alegando o réu exceções e/ou deduzindo pedido reconvencional, e bem assim quando fosse de simples apreciação negativa a ação, permitia-se ao autor que apresentasse um terceiro articulado, que se apelidava de “resposta”. Neste articulado, não poderia o autor modificar a causa de pedir e/ou o pedido, nisto se fundando, porventura, a variação na nomenclatura: “resposta”, em vez de “réplica”.
O processo sumaríssimo acomodava apenas dois articulados (artigos 793.º e 794.º CPC 95/96), ou seja, nem réplica nem, consequentemente, tréplica eram admitidas nesta forma do processo.
O artigo 3.º/4 CPC 95/96 previa que às exceções deduzidas no último articulado admissível respondesse a contraparte na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final. Esta regra, que se manteve na revisão de 2013, foi igualmente visada pela PL, como adiante veremos.
3. A revisão do CPC concluída em 2013 foi impulsionada pelo Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, outorgado pelo Governo Português e pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), no qual se assinalou a necessidade de melhorar o funcionamento do sistema judicial, designadamente tornando a justiça mais célere, tendo-se o Governo Português obrigado a apresentar uma proposta de revisão do CPC até ao final de 2011. A Proposta de Lei n.º 113/XII/2 deu entrada no Parlamento em 30.11.2012, tendo a correspondente Lei n.º 41/2013 sido publicada em 26.06.
Na proposta de alteração apresentada conjuntamente pelo PSD e pelo CDS em 21.03.2013, a função da réplica foi estreitada, destinando-se apenas a responder ao pedido reconvencional, tendo a tréplica sido eliminada. Em consequência, limitaram-se as possibilidades de alteração e/ou ampliação da causa de pedir e do pedido (cf. artigo 273.º CPC 95/96 com o artigo 265.º CPC). Estas propostas foram, como sabemos, integradas na versão final aprovada e promulgada (v. artigos 265.º 584.º-587.º CPC). As razões destas modificações não surgem, salvo erro, justificadas na proposta de alteração. Admite-se, não obstante, que no pensamento dos proponentes estaria a pretensão de reduzir a duração da fase dos articulados e, consequentemente, tornar a tramitação mais célere.
Teoricamente, a restrição funcional da réplica e a supressão da tréplica implicariam, como se compreende, um aumento da relevância da audiência prévia para o exercício do contraditório (artigos 3.º/4 e 591.º/1-b CPC), bem como um incremento da oralidade no processo. Com efeito, sempre que o réu não deduzisse reconvenção, o debate sobre as exceções, por impugnação e ou por alegação de contraexceções, passaria a realizar-se na audiência prévia ou na audiência final, se aquela se não realizasse.
Da revisão de 2013 resultou também, aliás em congruência com a redução do número de articulados, o reforço do dever de convocação da audiência prévia, porquanto passou a ser menos ampla a margem de discricionariedade do juiz para dispensar a sua realização (cf. artigo 508.º-B CPC 95/96 com o artigo 593.º CPC).
Num fenómeno muito característico do Direito Processual, a prática nem sempre observou a tramitação idealizada pelo legislador. A este respeito, cumpre sublinhar que da revisão de 2013 saiu igualmente um reforçado poder/dever de gestão processual e de adequação formal (artigos 6.º e 547.º CPC). Ora, deitando mão destas ferramentas, tem-se consolidado a prática de, mau grado não ter sido deduzida reconvenção, se conceder ao autor oportunidade de responder por escrito às exceções alegadas pelo réu. Igualmente se tem admitido resposta às exceções apresentada motu proprio pelo autor. Proporcionado o contraditório nestes termos, fica aberta a via para reduzir os casos em que é imperativo realizar a audiência prévia (v. artigo 593.º/1 e 591.º/1-b). Outro tanto, mutatis mutandis, se tem visto quando o julgador pretenda conhecer imediatamente, no todo ou em parte, o mérito da causa. Evitando generalizações espúrias, é justo reconhecer que a ênfase do contraditório oral prescrita em 2013 tem sido frequentemente amainada pela prática.
4. A PL reintroduz no CPC a réplica e a tréplica, em termos muito próximos, senão idênticos, aos que figuravam no CPC 95/96, sem prejuízo de alguns aprumos de redação (v. artigos 265.º, 584.º e 585.º PL). A exposição de motivos não justifica esta revisão. Salvo melhor opinião, e atento o que acima se escreveu sobre a prática dos tribunais, o impacto desta alteração será sobretudo aclaratório, trará segurança às partes e poupará um despacho ao juiz. Tenho, aliás, por improvável que lentifique a tramitação. Na minha experiência, raramente o tempo que medeia entre o termo da fase dos articulados e a marcação da audiência prévia é inferior ao que teria de decorrer para que a réplica e a tréplica fossem apresentadas. De resto, sempre que o julgador convide o autor a pronunciar-se por escrito sobre as exceções alegadas pelo réu, verifica-se, comparativamente à sequência introduzida pela PL, uma perda de tempo. Já me parece severamente criticável que esta alteração não tenha sido precedida por um estudo de campo, rigoroso, que relatasse objetivamente os impactos da revisão de 2013 neste capítulo. Só perante esses dados poderíamos com segurança afirmar que a proposta é boa, má ou inócua. Inexistindo tal estudo, cada qual invocará de memória a sua experiência pessoal, necessariamente setorial, regional e não raras vezes condicionada pelos seus pré-conceitos.
A reintrodução da réplica e da tréplica catalisa a diminuição dos casos em que é obrigatória a audiência prévia.
Com efeito, deixa de ser necessário realizá-la para proporcionar às partes a discussão de facto e de direito quando ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou conhecer do mérito da causa, se anteriormente as partes já tiverem tido oportunidade de se pronunciarem. A condicional introduzida nesta alínea b cria, salvo melhor entendimento, uma nova causa legal de dispensa de audiência prévia, a somar às que explicitamente se preveem no artigo 593.º/1 PL, cujo âmbito, de resto, é também alargado. A ratio desta quase radical inversão de sentido quanto à pertinência da audiência prévia é, segundo a exposição de motivos, inter alia, a pandemia de Covid-19! Os opositores à audiência prévia costumam invocar a improdutividade ou inutilidade desta diligência, a dificuldade em agendá-la, a impreparação dos intervenientes para a discussão que nela deveria ter lugar, a duplicação do tempo de estudo e de análise (que teria de ser repetido para a audiência final), entre outras razões. Na PL, também o coronavírus é chamado a participar. Esta alteração configura um erro para quem, como sucede com o autor das presentes linhas, entende que a audiência prévia é (ou devia ser) um momento crucial do processo, no qual a cooperação e o diálogo entre magistrados e advogados conhece o seu expoente, com proveito para a subsequente tramitação do processo. Aliás, a pandemia de Covid-19 proporcionou, ao invés, o momento ideal para um óbvio progresso: salvo raras ocasiões (por exemplo quando se produza prova constituenda), a audiência prévia deveria realizar-se sempre por meios telemáticos, estando o juiz e os advogados nos seus gabinetes, evitando deslocações e diminuindo conflitos de agenda.

Finalizando, cabe saudar a alteração introduzida na parte final do artigo 3.º/4 e no artigo 587.º PL. A redação dos preceitos em vigor tem sido mote para uma importante discussão na doutrina e na jurisprudência, divergindo as respostas quanto às seguintes questões: (i) Se o autor deixa de responder ao convite que lhe é feito para se pronunciar sobre as exceções alegadas pelo réu, o seu silêncio produz o efeito cominatório previsto no artigo 574.º CPC? (ii) Vale o mesmo se esta abstenção ocorre em sede de audiência prévia? (iii) Se o autor apresenta réplica, mas não aproveita para responder às exceções, preclude o seu direito ao contraditório? Os artigos 3.º/4 e 587.º PL respondem positivamente a estas questões. Não cabendo na economia destas considerações apreciar a qualidade da solução, parece-me positivo que a questão fique resolvida. Quanto aos casos em que o contraditório se realizará oralmente na audiência prévia ou na audiência final, podem, sem pretensões de exaustividade, nomear-se as seguintes hipóteses: (i) resposta do autor às contraexceções alegadas pelo réu na tréplica; (ii) resposta às exceções que o exequente alegue na contestação aos embargos de executado, onde apenas se admitem dois articulados (artigos 728.º e 732.º/2 CPC); (iii) para resposta às exceções alegadas pelo requerido nos procedimentos cautelares, que também só admitem dois articulados (artigos 365.º, 366.º e 367.º CPC); (iv) finalmente, nos incidentes (artigo 293.º CPC).
A reintrodução da réplica e da tréplica catalisa a diminuição dos casos em que é obrigatória a audiência prévia