O modelo de desenvolvimento económico das sociedades contemporâneas, intensivo do ponto de vista da utilização de recursos e de emissões de gases com efeito de estufa, trouxe desafios sem precedentes para a Humanidade, tais como as alterações climáticas ou a perda de biodiversidade. Naturalmente categorizados como desafios ambientais, não é demais relembrar que as crises climática e ecológica trazem graves consequências sociais e económicas, tais como doenças crónicas, escassez de água e bens alimentares, destruição de infraestruturas ou quebras abruptas em diversas actividades económicas.
A descarbonização da economia e a transição para padrões de produção e consumo mais sustentáveis representam profundas transformações do atual modelo de crescimento, invocando a ação conjunta por parte de governos, empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos. É de todos a responsabilidade de contribuir para um horizonte de desenvolvimento que permita responder às necessidades das gerações atuais sem comprometer essa mesma capacidade de resposta das gerações futuras.
As Fundações, ao terem a capacidade de assumir riscos, planear além de ciclos políticos, testar soluções alternativas e inovadoras aos desafios de sustentabilidade e impulsionar a colaboração entre diversas organizações da sociedade civil, desempenham um papel fundamental na transição para um modelo de crescimento mais sustentável, tendo a enorme responsabilidade de liderar esta mudança.
Na Fundação Calouste Gulbenkian, a sustentabilidade é hoje um valor estratégico e uma das suas grandes prioridades de atuação, um caminho que se iniciou há mais de 15 anos e que tem sido visivelmente reforçado nos últimos anos, com o apoio a um número crescente de projetos e organizações, em resposta ao estado de emergência em que se encontra o planeta e a Humanidade. Neste âmbito, procuramos contribuir para a mudança sistémica do modelo de crescimento ou desenvolvimento das sociedades contemporâneas, à escala nacional e global. Fazemo-lo através do combate à crise climática, da valorização económica e proteção do oceano e do incentivo a práticas de produção e consumo mais sustentáveis.
Em linha com este compromisso, o valor estratégico da sustentabilidade reflete-se também nas nossas práticas internas de gestão sustentável, onde procuramos uma melhoria contínua, assim como na nossa carteira de investimentos. Após o desinvestimento total nos combustíveis fósseis em 2019 com a venda da Partex, a Fundação tem procurado realocar o seu capital privado em ativos mais sustentáveis. Com uma carteira alinhada com critérios ESG (ambientais, sociais e de governance), acresce que estamos hoje a investir em três fundos de impacto na área da sustentabilidade, incluindo na floresta produtiva biodiversa e em empresas de biotecnologia azul.
Combate à crise climática
Pretendendo ser uma força ativa no combate à crise climática e na transição energética justa, a nível nacional e global, apostamos no reconhecimento e na promoção de respostas climáticas de elevado impacto, protegendo em especial os grupos mais vulneráveis da população. Neste âmbito, destacaria dois projetos desenhados pelas equipas da FCG:
- O Prémio Gulbenkian para a Humanidade[1], atribuído anualmente no valor de 1M€ desde 2020, procura reconhecer pessoas ou organizações de todo o mundo que se têm evidenciado no combate às alterações climáticas, incentivando a implementação de mais projetos no terreno. Na 1ª edição, foi distinguida a jovem ativista Greta Thunberg por colocar o tema da urgência climática na agenda política e na opinião pública a nível global. Na 2ª edição, o Prémio distinguiu o Pacto Global de Autarcas para o Clima e Energia, a maior aliança global para a liderança climática das cidades, construída através do compromisso por parte de 11 000 cidades. Em ambos os casos, o valor do Prémio tem sido utilizado na implementação de projetos no terreno em países do Sul Global, sendo os que mais sofrem com os impactos climáticos já em curso.
- O Ponto de Transição, um projeto-piloto que visa combater a pobreza energética[2] das famílias portuguesas e contribuir para uma transição energética mais justa no País. Portugal é o 5º país da União Europeia[3] com o maior índice de pobreza energética, devido ao fraco desempenho energético das habitações, a falta de acesso a serviços energéticos modernos, e à relação entre os baixos rendimentos e os preços praticados no mercado elétrico. Através de ações de proximidade com as comunidades de dois municípios do Distrito de Setúbal, iremos apoiar as famílias mais vulneráveis na melhoria da eficiência energética das suas habitações a partir do início de 2022.

Valorização económica e proteção do oceano
Reconhecendo o imenso valor económico do capital natural azul, a Fundação aposta num setor específico – a bioeconomia azul, devido ao seu elevado potencial em acrescentar valor económico e criar emprego com menos recursos e menos emissões de GEE.
Destacaria, neste âmbito, o programa Blue Bio Value[4], um programa internacional de empreendedorismo na área da bioeconomia azul, promovido em parceria com a Fundação Oceano Azul. Esta iniciativa visa apoiar o desenvolvimento de empresas que, com base em recursos marinhos (p.e, algas ou bactérias), na ciência e tecnologia, criam produtos e serviços com aplicabilidade em inúmeros setores económicos, tais como indústria alimentar, farmacêutica, cosmética ou biomateriais. Nas últimas quatro edições, as Fundações apoiaram o desenvolvimento e crescimento de 59 startups de 19 nacionalidades nas áreas da bioeconomia e biotecnologia azul a crescer no mercado, a viabilizar a sustentabilidade de inúmeras cadeias de valor e a tornarem-se mais atrativas do ponto de vista de captação de investimento público e privado.

Produção e consumo sustentáveis
Com vista a acelerar a transformação do atual modelo de produção e consumo para um modelo com práticas que sejam economicamente viáveis, mas que, simultaneamente, comportem benefícios sociais e um impacto ambiental reduzido, a Fundação tem apoiado diferentes tipologias de projetos em áreas de elevado impacto no contexto português, como a água ou o sistema alimentar.
Realço, neste âmbito, o projeto Gulbenkian Água[5], que visa contribuir para mitigar o risco de escassez de água em Portugal para as próximas décadas. Conscientes do peso do setor agrícola no total da utilização de água no País (75%), este trabalho centra-se essencialmente na promoção de uma utilização mais eficiente deste recurso junto de toda a cadeia de valor do setor agroalimentar. Alavancando os resultados do estudo “O Uso da Água em Portugal – olhar, compreender e atuar com os protagonistas-chave”[6], encomendado pela Fundação, estamos de momento a apoiar cinco projetos de demonstração de boas práticas na gestão da água de rega, que abrangem um número elevado de agentes do setor e que pretende capacitar os agricultores para a adoção de tecnologias de eficiência hídrica.
Adicionalmente e procurando ser um agente promotor do trabalho de excelência que organizações e pessoas já fazem ou pretendem fazer em prol da sustentabilidade, é ainda relevante destacar que a Fundação apoiou nos últimos três anos 16 projetos nas áreas da bioeconomia, economia circular e estilos de vida sustentáveis, assim como a formação em sustentabilidade de 54 gestores de PMEs e startups portuguesas.
Permitam-me terminar com uma sugestão de leitura para o Natal – “Limites Ecológicos: O Impacto Intergeracional do Uso de Recursos Naturais”[7]. Numa época de excessivo consumismo, mas também de boas reflexões e partilha entre gerações, este estudo, encomendado pela Fundação e publicado no passado dia 1 de dezembro, permite-nos compreender o impacto da utilização de recursos naturais pelas diferentes gerações em Portugal e o legado, ou encargo, que estamos a deixar às gerações futuras.
[1] https://gulbenkian.pt/fundacao/premios/premio-gulbenkian-humanidade/
[2] Pobreza energética é um indicador da vulnerabilidade que reflete a incapacidade financeira das pessoas manterem as suas casas com temperaturas confortáveis no verão e no inverno.
[3] Eurostat, 2020
[4] https://www.bluebiovalue.com/
[5] https://gulbenkian.pt/de-hoje-para-amanha/ambiente/
[6] https://gulbenkian.pt/publication/o-uso-da-agua-em-portugal/