Em Julho de 2020 foi lançada a campanha “Há mar e mar, há usar e recuperar” para que a implementação efetiva da legislação de tara recuperável não caia no esquecimento.
Existem pelo menos 23 países que implementaram legislação para suportar a aplicação mandatória de tara recuperável em embalagens de bebidas, 12 deles são europeus. A proibição da utilização de embalagens de tara perdida para bebidas tais como águas, refrigerantes, iogurtes líquidos ou bebidas alcoólicas, eliminaria a maioria do lixo que flagela as nossas cidades, estradas, florestas ou praias. Além disso, esta abordagem contribuiria para uma sociedade mais sustentável do ponto de vista ecológico e económico, por exemplo através de processos mais eficientes de reciclagem, redução do preço dos produtos para o consumidor final, criação de novas actividades económicas e redução da utilização de derivados do petróleo como o plástico. A intervenção do Estado é fundamental para legislar, divulgar e fiscalizar.
O valor das taras deverá ser proporcional ao seu impacto ambiental e não ao seu custo de fabrico para motivar a utilização de embalagens em materiais reutilizáveis, biodegradáveis e recicláveis. O impacto da implementação de uma legislação efetiva que impusesse a aplicação de tara recuperável às embalagens de bebidas contribuiria para reduzir a quantidade de resíduos abandonados na natureza, implantando um mecanismo eficaz de poluidor-pagador e reforçando a obrigação de recolha seletiva por parte dos comerciantes. As infraestruturas de reciclagem existentes seriam rentabilizadas e economicamente mais sustentáveis porque os elevados custos de triagem de resíduos seriam reduzidos dado que as embalagens seriam recolhidas de forma mais seletiva e organizada. Numa perspetiva económica generalista, a atribuição de valor monetário às embalagens atribui-lhes um valor comercial que permite a sustentabilidade de novas actividades económicas tais como limpezas voluntárias de espaços públicos ou empresas que apliquem métodos mais eficientes na recolha seletiva de resíduos. Os avultados recursos públicos que são atualmente aplicados na gestão de resíduos recicláveis poderiam então ser canalizados para o tratamento dos restantes resíduos. A oportunidade de recuperar o valor monetário das embalagens permite adquirir produtos mais baratos porque o consumidor adquire apenas o produto (ex. bebida), sem ser obrigado a adquirir a embalagem de que não necessita (ex. garrafa), podendo esta vir a ser reutilizada pelo fabricante sem prejuízo para os comerciantes. A redução da existência de lixo em espaços públicos melhora a imagem turística do país e a saúde pública, reduz o risco de incêndios (ex. efeito de lente das garrafas de vidro), reduz acidentes devidos a vidros partidos nas praias, melhora a imagem dos fabricantes de bebidas ao reduzir a pegada ecológica causada pelas suas actividades e reforça a legislação de recolha seletiva de embalagens (Verdoreca) porque os comerciantes passam a ter prejuízo financeiro direto ao incumprirem sem necessidade de fiscalização.
A tara recuperável também influencia positivamente a sustentabilidade energética.
A entrega organizada de embalagens facilita a produção de materiais reciclados com manutenção de qualidade em vez de qualidade reduzida (downcycling). O custo da coleta das embalagens para reciclagem que é realizado pelos municípios, seria transferido dos contribuintes que o suportam através dos seus impostos, para os fabricantes de bebidas cujos meios de transporte que distribuem as bebidas pelos comerciantes retornariam com embalagens usadas para serem reutilizadas ou recicladas. Note-se que a reutilização de embalagens de vidro inteiras tem menor impacto ambiental do que a fusão a altas temperaturas do vidro partido recolhido através de ecopontos.
A implementação da legislação de tara recuperável tem repercussão na atitude de todos os cidadãos fazendo com que adotem comportamentos mais sustentáveis, quer tenham sensibilidade ecológica ou não. Embora implique mudanças de hábitos, a adoção de taras recuperáveis é bem recebida pela opinião pública. O custo ambiental e económico da poluição é diretamente percecionado pelos cidadãos quando este se reflete num custo monetário. No país em que a literacia ambiental ainda é escassa, o custo financeiro de poluir será desmotivante mesmo para quem não tem a sustentabilidade ambiental como valor pessoal. Após anos de tentativas de sensibilização ambiental para os malefícios da utilização exagerada de sacos de plástico, note-se como em poucos meses após o início da venda dos sacos de plástico, a utilização e desperdício dos mesmos reduziu-se drasticamente. A implementação da legislação de tara recuperável é transversal a todas as áreas da sociedade e mobilizará toda a comunidade portuguesa para a redução, reutilização e reciclagem. A implementação da legislação de tara recuperável terá custos iniciais marginais em relação aos benefícios a longo prazo. Este facto foi verificado noutros países. A recuperação do valor das taras terá de ser rápida, simples e acessível. Existiriam caixas automáticas para este fim. Todos os comerciantes de bebidas embaladas seriam obrigados a devolver o seu valor aos clientes para montar a rede de recuperação rapidamente. A implementação da legislação de tara recuperável deveria ser acompanhada por ações de divulgação, educação e fiscalização.
Após anos de ações voluntárias em que recolhi lixo espalhado pela Natureza e tentativas de sensibilização para a importância da reciclagem, cheguei à conclusão de que era necessário tomar uma ação de fundo que mudasse comportamentos. É impossível manter a natureza limpa quando é maior a quantidade de lixo voluntariamente espalhado, do que voluntariamente limpo. É impossível mudar comportamentos de pessoas para quem a sustentabilidade ecológica não é um valor, apenas através de ações pedagógicas. Ao visitar a Alemanha em Outubro de 2011, verifiquei que a maioria das embalagens das bebidas tinha tara recuperável. O resultado era que as ruas estavam limpas, sem no entanto serem visíveis equipas de limpeza. Comecei então a reparar nos tipos de lixo que encontrava espalhado pelas cidades e principalmente pelas praias de Portugal. Rapidamente, concluí que a grande maioria eram embalagens de bebidas. E a solução para o lixo pareceu-me óbvia. Se as embalagens tivessem valor monetário não seriam atiradas para o chão. Ninguém atira dinheiro para o chão. Decidi tomar ação e publiquei o “Manifesto para a imposição de taras recuperáveis para embalagens de bebidas” no dia 16 de Maio de 2012, iniciando o movimento cívico TaraRecuperavel.org. Em 2015, a proposta da solução Tara Recuperável foi sugerida a todos os partidos políticos portugueses. O partido ecologista PAN adotou esta solução no seu programa eleitoral das eleições Legislativas de 2015 na “medida 51 – criar uma tara recuperável para latas e garrafas de qualquer material”. No dia 15 de junho de 2018, o Projecto-Lei n.º 869/3ª/XIII que visa a implementação de um sistema de incentivo e depósito de embalagens de bebidas de plástico, vidro e alumínio foi aprovado na generalidade pelo Parlamento da República Portuguesa. No dia 26 de outubro de 2018, a Tara Recuperável foi aprovada na Assembleia da República de Portugal que originou a publicação da Lei nº 69/2018.
Há 30 anos, a maioria das embalagens de vidro usadas em Portugal tinham tara recuperável, existindo uma rede de recuperação do valor das taras, recolha e reciclagem de vidro. O facto de um modelo de reutilização já ter estado em prática em Portugal no passado e vigorar atualmente noutros países, possibilita analisar os modelos existentes e a sua adoção com um mínimo de risco para combater os graves problemas ambientais com que nos deparamos e aumentar a sustentabilidade ambiental rumo a uma real economia circular.
A aplicação da Lei nº69/2018 e a reprodutibilidade do processo de tara recuperável em Portugal não deveria ter-se deparado com dificuldades de maior.
Face à urgência de endereçar os problemas ambientais com que nos debatemos, a recuperação das taras das embalagens de bebidas deveria já fazer parte do quotidiano dos cidadãos. A legislação de tara recuperável deveria estar a ser expandida para ser aplicada a outros resíduos recicláveis ou altamente poluentes (ex. utensílios de pesca não biodegradáveis). Os caminhos futuros das alterações legislativas para a sustentabilidade ecológica e económica de Portugal rumo a uma real economia circular, deveriam então passar por fomentar a redução do consumo e a reutilização de produtos. Porém, a Lei nº 69/2018 de 26 de dezembro de 2018 ainda não surtiu impactos visíveis na sociedade portuguesa. Em julho de 2020 foi lançada a campanha “Há mar e mar, há usar e recuperar” juntamente com a petição pública “Pela Saúde dos nossos Oceanos, Exija Tara Recuperável!”, para que a implementação efetiva da legislação de tara recuperável não caia no esquecimento.
BENEFÍCIOS de legislação EFETIVA sobre Tara Recuperável em bebidas
- Reduz a quantidade de resíduos abandonados nas cidades e natureza, permitindo usufruir de um território mais limpo, saudável e sustentável.
- Permite produtos mais baratos, pois o consumidor não adquire a embalagem.
- Reduz o risco de incêndios e acidentes por vidros partidos .
- Fomenta a mudança de hábitos, com adoção de comportamentos mais sustentáveis.
- O custo financeiro de poluir torna-se desmotivante.
- Os impostos serão utilizados para outras actividades que não a recolha seletiva.
- O custo ambiental e económico da poluição é directamente percepcionado pelos cidadãos pois reflecte-se num custo monetário.
- Implantação de um mecanismo eficaz de poluidor-pagador sem necessidade de fiscalização.
- Reforço positivo da obrigação de recolha selectiva de embalagens (Verdoreca) porque os comerciantes passam a ter prejuízos financeiros directos ao incumprirem.
- A embalagem é reutilizada pelos fabricantes sem prejuízos para os comerciantes.
- Melhora a imagem dos fabricantes pela redução da pegada ecológica das suas actividades e reforça a legislação ambiental.
- A entrega organizada de embalagens facilita a produção de materiais reciclados com manutenção de qualidade, em vez de redução da mesma (downcycling).
- Financia a sustentabilidade de novas actividades económicas tais como limpezas voluntárias de espaços públicos ou empresas que apliquem métodos mais eficientes na recolha selectiva de resíduos.
- As infra estruturas de reciclagem existentes seriam rentabilizadas e economicamente mais sustentáveis porque os elevados custos de triagem de resíduos seriam reduzidos .
- Os avultados recursos públicos podem ser canalizados para o tratamento dos restantes resíduos.
- A redução da existência de lixo em espaços públicos melhora a imagem turística do país e a saúde pública.
- A implementação da legislação de tara recuperável terá custos iniciais marginais em relação aos benefícios a longo prazo (facto verificado noutros países).