“Os advogados têm um grande papel a desempenhar na simplificação de procedimentos e no aproveitamento até ao limite das potencialidades digitais.”
O Boletim OA entrevistou a Comissária Europeia para a Coesão Reformas Elisa Ferreira que considera que a justiça é uma das áreas cuja reforma poderá ser contemplada no Plano de Recuperação e Resiliência
1-Portugal assume a presidência do Conselho da UE até ao final de Junho de 2021, com uma agenda ambiciosa. No seu entender quais são os maiores desafios e as maiores dificuldades da Presidência Portuguesa?
A Presidência portuguesa acontece num período muito difícil e de grande perturbação das nossas vidas e das nossas economias em resultado da pandemia de coronavírus, que nos afeta há praticamente um ano. Começamos a ver a luz ao fundo do túnel, com o arranque dos planos de vacinação, mas é um processo que ainda vai levar o seu tempo, sobretudo tendo em conta a proliferação de novas variantes do vírus a que estamos a assistir.
Durante a presidência alemã, no anterior semestre, foram tomadas importantes decisões de resposta à crise. Foi possível alcançar um acordo sobre o orçamento de longo prazo da União Europeia (UE), no valor de 1,1 biliões (milhões de milhões) de euros para o período 2021-2027, e aprovar um grande plano de recuperação – batizado Next Generation EU – dotado de um grau de ambição inédito e de um poder de alavancagem de 750 mil milhões de euros. Trata-se de um grande impulso que a Comissão Europeia propôs – e o Conselho da UE e o Parlamento Europeu aprovaram – constituída por diversos novos instrumentos destinados a apoiar a economia durante a crise e lançar as bases de uma recuperação justa, ecológica e digital.
Este novo semestre é, por isso, o momento da execução, da passagem às realizações concretas, missão que está aliás bem expressa no mote da Presidência Portuguesa: “tempo de agir”.
Estamos a viver a mais grave crise e de mais difícil resolução da história da UE. Mas, graças à determinação das instituições europeias, esta crise abriu uma oportunidade de reconstruir as nossas economias numa nova base mais sólida e sustentada, acelerando a dupla transição ecológica e digital e aprofundando a coesão territorial – porque nenhum país pode crescer de forma equilibrada se não tiver vários polos de competitividade distribuídos pelo seu território.
Ou seja, não basta assegurar o arranque da recuperação económica e social. É preciso assegurar um novo modelo económico que evite reproduzir os erros do passado.
2-Que papel desempenha a Política de Coesão na recuperação pós-COVID na União Europeia?
A política de coesão esteve na primeira linha das medidas de emergência no combate ao coronavírus, numa nova ilustração da sua extraordinária capacidade de adaptação. Logo em abril de 2020, propusemos uma alteração regulamentar, conhecida pela sigla CRII – Coronavirus Response Investment Initiative – que permitiu aos Estados reprogramar todos os fundos estruturais – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), Fundo Social Europeu e Fundo de Coesão – não utilizados de modo a poderem canalizá-los para as áreas em que mais precisavam de intervir. Até à data a Comissão aprovou a reprogramação de mais de 22 mil milhões de euros em quase todos os países que foram utilizados, por exemplo, para financiar a aquisição de máscaras, ventiladores e vacinas, apoiar PMEs e manter postos de trabalho, podendo o financiamento europeu cobrir 100% dos custos.
Para fazer a ponte entre a resposta imediata à crise e a recuperação pós-COVID, lançámos, no âmbito do Plano de Recuperação Next Generation EU, o instrumento REACT-EU. Trata-se de um reforço, no valor de 50,5 mil milhões de euros (a preços correntes), dos atuais programas da política de coesão que permitirão continuar o esforço iniciado com o CRII para estimular a resiliência dos sistemas de saúde, criação e manutenção de emprego ou apoio aos mais desfavorecidos e às PMEs. O REACT-EU visa também lançar as bases da recuperação económica e da transição ecológica e digital, a par de um desenvolvimento socioeconómico sustentável.
Numa perspetiva de mais longo prazo, a política de coesão continuará o seu esforço de modernização das economias com os novos acordos de parceria e programas que estão atualmente a ser negociados entre a Comissão e os Estados para vigorar em 2021-2027. Esta política conta com 372,6 mil milhões de euros (mais 19,3 mil milhões do Fundo de Transição Justa) durante este período para apoiar todas as regiões da UE, embora com um enfoque muito particular nas menos desenvolvidas, através do FEDER, do Fundo Social Europeu, do Fundo de Coesão, e do novo Fundo de Transição Justa, este último dirigido às regiões mais atingidas pelos impactos da transição ecológica.
O Next Generation EU inclui também um novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência – no valor de 338 mil milhões de euros a fundo perdido e 386 mil milhões em empréstimos – que vai apoiar reformas e investimentos e a dupla transição ecológica e digital para tornar as economias mais resilientes com sinergias claras com a política de coesão.
3-O REACT-EU, pacote de Assistência à Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa, é uma resposta justa e coesa. No futuro que mecanismos de resposta a situações de crises serão necessários?
Os atuais programas da política de coesão (vigentes no período 2014- -2020, que ainda estão na fase final de execução) tiveram um papel muito importante na reação à crise, no âmbito da iniciativa CRII que já referi. Foi com base nessa experiência que propusemos o REACT-EU, que vai reforçar os atuais programas, incluindo do Portugal 2020. Este mecanismo permitirá uma rápida adoção de medidas temporárias na utilização dos fundos da política de coesão face às circunstâncias excecionais que enfrentamos. Será possível assegurar o financiamento europeu a 100% dos projetos de investimento, adaptar o âmbito e as condições para atribuição dos fundos ou ainda simplificar determinadas regras na sua aplicação.
O Fundo Europeu de Solidariedade é outro instrumento relevante. Foi inicialmente concebido para responder a grandes desastres naturais que afetam regiões europeias. Com a pandemia, o seu âmbito foi alargado para poder abranger emergências de saúde pública. Em 2020, este Fundo apoiou os esforços contra a Covid em Portugal no valor de 18 milhões de euros.
4-A actual pandemia afectou gravemente a economia Europeia. Quais as medidas da UE para auxiliar a recuperação económica de Portugal?
Entre o orçamento europeu “tradicional” 2021-2027 e o Next Generation EU, Portugal vai receber um montante absolutamente excecional de apoios europeus nos próximos anos. No total, o país terá de gerir anualmente mais do dobro do volume dos fundos recebidos nos últimos anos.
O REACT-EU representa apoios de 1,6 mil milhões de euros a fundo perdido em 2021 – acrescido de um montante adicional em 2022 cuja dimensão exata dependerá da situação económica real do país no primeiro semestre deste ano.
O novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que irá financiar pacotes de reformas e investimentos a definir pelos Estados-Membros, mobilizará em Portugal 13,9 mil milhões de euros a fundo perdido, a que acresce, se o país assim o entender, um montante ligeiramente superior em empréstimos.
Do orçamento de longo prazo 2021–2027, Portugal receberá da política de coesão, também a fundo perdido, cerca de 23,6 mil milhões de euros, a que se juntarão outros programas sem uma partilha pré-definida entre os Estados, como o Horizonte Europa de apoio à investigação e inovação, o novo EU4Health de apoio aos sistemas de saúde, e muitos outros.
Ou seja,
Portugal terá meios e instrumentos técnicos e financeiros sem precedentes para apoiar a recuperação económica que terão de ser usados de forma muito cuidadosa e criteriosa.
Tal como todos os outros países, os portugueses devem refletir sobre o país que querem ter nos próximos 10 a 20 anos e construir um plano coerente de investimentos para lá chegar. É uma oportunidade única para melhorar a produtividade da economia, a inovação das empresas, as qualificações dos trabalhadores, a sustentabilidade ambiental e o equilíbrio territorial. Ou ainda para preparar as bases de competitividade da economia portuguesa e de cada região de modo a definir um modelo de crescimento multimodal baseado em tecnologias competitivas viradas para o futuro. Porque o regresso aos modelos do passado não é uma opção para nenhum país nem setor.
5-No seu entender as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional são a opção mais acertada para a gestão de programas comunitários provenientes de fundos da União Europeia destinados a Portugal? Têm meios para tal?
As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional são órgãos com uma grande experiência acumulada, incluindo na gestão dos fundos comunitários. São instituições de referência ao nível do planeamento regional em Portugal – trabalhando à escala das regiões NUTS2 (a escala de referência da política regional europeia). Assim, parece-me natural a sua integração no modelo de governação dos fundos, como, aliás, Portugal tem vindo a fazer desde a sua adesão à então CEE.
Sublinho, no entanto, que os fundos da política de coesão são de gestão partilhada entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros. Cabe a Portugal a responsabilidade de estabelecer um sistema de gestão e controlo que cumpra todos os requisitos necessários. A Comissão Europeia desempenha aqui um papel de supervisão, verificando o bom funcionamento deste sistema. E, para que o sistema funcione, há recursos específicos de assistência técnica colocados à disposição das entidades envolvidas na gestão dos fundos, para garantir que estas dispõem de meios e capacidade adequados.
Finalmente, destaco a importância do princípio de parceria no planeamento e na gestão dos fundos. É crucial o envolvimento adequado das entidades de nível regional e local, os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil, nacionais, regionais e locais. Esta abordagem, que a Comissão Europeia supervisiona em toda a Europa assente num modelo de governação multinível, ajuda a assegurar que as políticas da UE se adaptam às necessidades e prioridades locais e regionais.
6-No que diz respeito aos fundos europeus já referiu que representam uma “oportunidade única” para Portugal melhorar a administração pública. Considera que esses fundos devem aplicar-se também nas reformas da Justiça? O que seria prioritário?
A experiência mostra-nos que investimentos sem reformas são menos eficazes e os seus efeitos são menos duradouros. A qualidade da administração pública é crucial a este nível. Um estudo recente do Instituto Bruegel sugere que 35% a 45% da quebra do PIB associada à recente crise se relaciona com a qualidade da administração pública. Esta deve ser sem dúvida uma prioridade para todos os países. E naturalmente também para Portugal.
Dos diferentes instrumentos da UE com o potencial de melhorar a administração pública destaco o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que já referi. De novo, o objetivo é financiar reformas que incluam investimentos. A digitalização na administração pública, por exemplo, ou na justiça, é fundamental para melhorar o seu funcionamento. Mas uma reforma digital não se resume à introdução de computadores e substituição de documentos em papel por documentos digitais, é muito mais do que isso: tem de incluir formação extensiva de quem trabalha com as tecnologias – desejavelmente todos os envolvidos – e tem de constituir uma oportunidade para repensar mecanismos e procedimentos.
Sublinho que, para aceder a este instrumento, compete a Portugal identificar as reformas que considera importantes e programá-las num Plano de Recuperação e Resiliência. As possibilidades são vastas e incluem, efetivamente, o apoio a reformas da Justiça, nomeadamente ao nível da transição digital do sistema de justiça
7-Tem a responsabilidade de assegurar que a Europa apoia as regiões mais afectadas pelas transições digital e climática. No âmbito da reforma verde, digital e tecnológica da Europa, quais os principais eixos, fundos e investimentos para garantir estas metas? E especificamente quais as medidas previstas para Portugal ou que este deverá adoptar?
Em grande medida já respondi à pergunta. Não há um mecanismo para promover a reforma verde e digital da Europa que surja a corrigir ou completar um processo de desenvolvimento que os ignore. O processo de desenvolvimento terá de incorporar os vetores ambiental, tecnológico, social e territorial. O futuro será verde e digital. Toda a recuperação terá que assentar nesses dois eixos, pelo que todos os mecanismos têm que o assegurar. O acordo concluído entre o Conselho da UE, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia inclui a obrigação de todos os países dedicarem 37% dos seus Planos de Recuperação e Resiliência à proteção do clima e 20% à economia digital. Os próprios fundos estruturais têm uma obrigação legal de dedicar pelo menos 30% dos financiamentos do próximo quadro financeiro à dimensão ecológica (37% no caso específico do Fundo de Coesão). O REACT-EU tem um requerimento mínimo de 25% para esse fim (mais baixo do que os restantes instrumentos por se tratar essencialmente de intervenções de emergência, como o reforço dos sistemas de saúde). Como se vê, todos os instrumentos europeus têm incorporada a necessidade de assegurar a transição para economias verdes e digitais. Este é o futuro, caso contrário não conseguiremos manter a Europa como uma zona económica fortemente competitiva e com um nível de bem-estar que a mantém como um exemplo para o mundo.
8-A sua pasta irá contribuir para a revisão da Agenda Urbana e para criar a visão a longo prazo das zonas rurais na EU. Já começou a trabalhar nessa área e se sim, quais as principais ideias que se pretendem implementar?
Tenho insistido muito, com todos os Estados-Membros, sobre a importância de políticas e soluções que sejam territorialmente equilibradas. Este é um requisito fundamental para uma recuperação económica e social harmoniosa, justa e equilibrada. As iniciativas referidas na pergunta, em que temos vindo a trabalhar, enquadram-se nesta preocupação.
A Agenda Urbana promove a cooperação entre cidades, Estados- -Membros, a UE e outros stakeholders. Até à data, desta iniciativa resultaram várias parcerias e planos de ação em áreas tão diversas como a mobilidade urbana, a transição energética, o emprego e as competências. Estes planos estão atualmente a ser implementados. Entretanto, para o período pós-2020, reforçámos a dimensão urbana da política de coesão. Por exemplo, reservámos 8% do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional para projetos de desenvolvimento urbano sustentável. Também propusemos uma Iniciativa Urbana Europeia para capacitar cidades e apoiá-las em ações inovadoras e na formulação de políticas urbanas.
No entanto, sendo a política de coesão destinada a apoiar os mais frágeis, poderá questionar-se o facto de apoiar as cidades, incluindo as grandes cidades que são normalmente os polos mais desenvolvidos de cada país e da Europa. Este apoio só se justifica na medida em que essas cidades são aquelas com melhores condições para avançar com processos inovadores, por exemplo a gestão digital dos transportes urbanos, experiências sociais de inclusão especialmente interessantes e outros e por isso podem servir de farol e de arrastamento para o desenvolvimento do país. Espera-se que, ao receberem apoio, as cidades tenham a noção da sua responsabilidade de se articularem as zonas envolventes e com as cidades pequenas e médias de modo a criar uma rede entre polos urbanos que sustente um desenvolvimento equilibrado. Ou, por outras palavras: os polos urbanos têm a obrigação de se organizar para manter a sua competitividade e merecem apoio na medida em que empurram as barreiras do conhecimento e servem de farol e de ilustração para as outras. Mas têm também de se responsabilizar pelas áreas envolventes, sejam elas rurais ou metropolitanas.
A visão a longo prazo das zonas rurais, que será apresentada em breve pela Comissão Europeia, centra-se numa visão para o futuro das zonas rurais no horizonte 2040 apoiada num amplo processo de consulta. Só com um forte compromisso em manter comunidades rurais fortes será possível não deixar ninguém para trás.

9-No caso da Transição Digital, quais as medidas da UE para enfrentar a emergência da Inteligência Artificial e em particular o impacto da automação na sociedade e no trabalho?
A Comissão Europeia tem vindo a desenvolver um amplo leque de iniciativas focadas na transição digital da Europa, incluindo ao nível da inteligência artificial.
Tal como qualquer nova tecnologia, a inteligência artificial proporciona oportunidades, mas também apresenta riscos. A este nível temos adotado uma abordagem com o duplo objetivo de promover a inteligência artificial e abordar os riscos associados a determinadas utilizações desta nova tecnologia. Há cerca de um ano lançámos um “Livro Branco” sobre este tema que apoiou uma ampla consulta aos Estados-Membros e a todas as partes interessadas em contribuir para a futura tomada de decisões da Comissão neste domínio. Contamos dar seguimento a esta iniciativa ao longo deste ano, com uma proposta de quadro regulamentar.
10-E, no caso de Portugal, o que pensa que deverá ser feito no âmbito da transição digital? O recente processo de implementação de ensino à distância reflecte ainda um atraso neste contexto.
No momento em que a UE tem a oportunidade e as condições de relançar a economia, depois de uma pandemia com os efeitos devastadores da atual, temos de evitar refazer essas valências reproduzindo modelos antiquados ou voltando ao passado. Pelo contrário, é preciso utilizar todas as potencialidades e tecnologias que se mostraram tão úteis e tão eficazes no último ano. A modernização digital, tecnológica e verde, juntamente com a solidariedade e a coesão social e territorial, são vetores chave do novo modelo de reconstrução da economia centrado no reforço da resiliência e capaz de garantir um trajeto sustentável para o futuro que defendemos. Este processo não será fácil, mas para o apoiar temos neste momento meios financeiros absolutamente excecionais graças ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência que já referi.
A obrigação de consagração de 20% dos apoios deste instrumento a investimentos de caráter digital, garante a Portugal condições para tirar o máximo proveito das tecnologias digitais em toda a sua dimensão, por exemplo na administração pública, ou nas escolas, de modo a dar às crianças e jovens as competências que lhes permitirão mais tarde utilizar todas essas tecnologias. No entanto, é preciso também ter a consciência coletiva de que é preciso ter uma atenção e um cuidado muito particulares relativamente ao risco de este processo de modernização gerar uma certa exclusão digital, que tem de ser evitada, tratada e ultrapassada.
Portugal está a preparar o seu Plano de Recuperação e Resiliência. Cabe-lhe organizar-se de maneira a que as escolas, os centros de atendimento ao público e de prestação de bens públicos, incluindo sociais, possam utilizar estas tecnologias por muito distantes que estejam dos grandes centros. Mas não só: é preciso ter também em consideração que, por uma questão de idade, ou de localização, há cidadãos que precisam de meios de intermediação ou de apoio para não ficarem excluídos da generalização dos meios digitais e informáticos. Estou a pensar por exemplo nas reformas: se as pensões passarem a ser todas pagas por transferência bancária, é preciso assumir que há pessoas idosas que não estarão em condições de as receber e por isso é preciso prever centros onde possam ser ajudadas.
Esperamos que os países europeus, incluindo Portugal, aproveitem as atuais oportunidades para proceder a mudanças radicais no funcionamento da sociedade, escolas, indústrias. E já que estou a falar para Advogados, a justiça é uma das áreas cuja reforma poderá ser contemplada no Plano de Recuperação e Resiliência. Aliás, esta era uma das prioridades incluídas nas recomendações específicas dirigidas a Portugal em 2019, no âmbito do chamado “Semestre Europeu”.
Portugal tem uma oportunidade única de diminuir o que é considerado um altíssimo custo de contexto na dinamização da economia. Também aí há grande margem para acelerar e simplificar, mas, para isso, é preciso incluir a formação das pessoas.
Os Advogados têm um grande papel a desempenhar na simplificação de procedimentos e no aproveitamento até ao limite das potencialidades digitais.
11-Foi Ministra do Ambiente de 1995 a 1999, nessa altura era possível antecipar o impacto das alterações climáticas tal como hoje o conhecemos?
Nessa época, já havia alguma consciência do impacto do efeito de estufa sobre o clima, mas de modo algum com o sentido de gravidade e urgência que temos hoje. Do ponto de vista de Portugal, aliás, as urgências eram outras que assumi como absolutamente prioritárias no meu mandato. E, de facto, foi feito nessa altura o tratamento geral das águas residuais, os abastecimentos de água limpa através do que são hoje as empresas que integram a Águas de Portugal, a introdução dos processos de separação de resíduos e reciclagem e o encerramento das lixeiras. Também foram criadas áreas protegidas ao longo de toda a fronteira com Espanha, bem como a requalificação da orla costeira, nomeadamente com as redes de esgotos e os passadiços para proteger as dunas, e a reorganização dos equipamentos das praias. E foram ainda feitos acordos com os setores industriais para definir as estratégias e um calendário de ajustamento aos novos requisitos europeus em matéria de tratamento de esgotos e de emissões atmosféricas.
A questão climática foi sendo assumida sobretudo através dos acordos internacionais e da nossa presença na União Europeia. Foi nesse âmbito, aliás, que foram feitas várias negociações internacionais, das quais a mais conhecida foi a assinatura, que assegurei em nome de Portugal, do protocolo de Kyoto, que definiu pela primeira vez metas quantificadas em termos de emissões atmosféricas.
Em paralelo com a resolução ou encaminhamento de todos estes problemas, Portugal foi progressivamente mudando o centro das suas preocupações ambientais, passando a dedicar uma atenção cada vez maior às questões do clima que foram assumindo cada vez maior proeminência e urgência na agenda política. Hoje, passados 26 anos, não só a consciência coletiva sobre o problema climático aumentou brutalmente, como também as responsabilidades dos políticos e cidadãos, sobretudo dos países e áreas que mais poluem, aumentaram exponencialmente. Neste momento, temos a consciência plena de que não fizemos tudo o que estava ao nosso alcance desde essa altura e por isso há que dar um salto qualitativo e assumir políticas de emergência para atacar um problema que, se não for resolvido, poderá desencadear ameaças fortíssimas à nossa sobrevivência coletiva no planeta.

12-Que reforma gostaria de iniciar, e se possível concluir, enquanto Comissária Europeia para a Coesão e Reformas?
Mais do que uma reforma, o que
Gostaria de ver no final do meu mandato de cinco anos é uma Europa com uma economia sólida, moderna e competitiva, social e espacialmente equilibrada e diversificada quanto às fontes de crescimento e respetiva localização geográfica.
Uma Europa inclusiva onde todos tenham oportunidades de realização pessoal e profissional e qualidade de vida. Isto não se consegue com uma única reforma, mas com um plano global de cada país para a próxima geração.
Elisa Ferreira
Nasceu a 17 de Outubro de 1955, no Porto, e licenciou-se em Economia pela Universidade do Porto em 1977. Tem um mestrado e um doutoramento em Economia pela Universidade de Reading, em Inglaterra, (1981 e 1985). Desde 1997 é docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Entre 1989 e 1992 desempenhou funções de vogal do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Estatística, de 1988 a 1992 como Vice-presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, e entre 1992 e 1994 foi Vice-presidente executiva da Associação Industrial Portuense.
Foi Ministra do Ambiente de 1995 a 1999 e Ministra do Planeamento do Ordenamento Territorial entre 1999 e 2002. De 2002 a 2004 foi Deputada à Assembleia da República, e de 2004 a 2016 Deputada do Parlamento Europeu Foi nomeada administradora do Banco de Portugal em Junho de 2016 e exerceu o cargo de vice-governadora de 2017 a 2019.
É Comissária Europeia para a Coesão e Reformas desde 2019 até 2024.