A moratória pública dos contratos bancários. Principais alterações e prazos de vigência
1. Introdução
I.O regime específico de moratória (Dec.-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3), que se aplica essencialmente aos contratos de crédito bancário, tem vindo a ser sucessivamente a ser alterado, em particular no que diz respeito ao seu âmbito subjetivo e objetivo e à sua extensão temporal. Este texto visa de forma necessariamente sumária apontar as principais alterações de regime e incidir de seguida sobre as sucessivas alterações dos prazos de vigência. Ele completa assim outros artigos que escrevemos sobre matéria.[1]
2. As alterações
I. O regime da moratória foi já objeto de cinco alterações: a Lei n.º 8/2020, de 10 de abril (com entrada em vigor em 11 de abril de 2020); o Dec.-Lei n.º 26/2020, de 16 de Junho (com entrada em vigor em 17 de junho de 2020); a Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho (com entrada em vigor em 25 de Julho de 2020); o Dec.-Lei n.º 78-A/2020, de 29 de Setembro (com entrada em vigor a 30 de Setembro de 2020); e o Dec.-Lei n.º 107/2020, de 31 de dezembro (com entrada em vigor e produção de efeitos em 1 de janeiro de 2021).
Destacávamos algumas delas.
II. Em primeiro lugar, a extensão da sua vigência até 31 de março de 2020.
Em segundo lugar, o alargamento do âmbito subjetivo quanto às pessoas singulares, que podem não ter residência em Portugal, com a inclusão entre os beneficiários de pessoas em cujo agregado familiar se integre um membro que se encontre num conjunto de situações de especial dificuldade previstas nas diversas alíneas do art. 2.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3.

Em terceiro lugar, o alargamento do âmbito objetivo, para as pessoas singulares com a inclusão de outros contratos de crédito que abarcam agora todo o crédito hipotecário e algum crédito ao consumo para educação[2].
Em quarto lugar, a inclusão no seu quadro de contratos que não são de crédito, como sucede, com o denominado leasing operacional, de especial relevo para algumas empresas.
Em quinto lugar, permitir-se o acesso à moratória de beneficiários que tenham a sua situação tributária e à segurança social não inteiramente regularizada, nomeadamente que tenham dívidas até os 5.000 euros.
Em sexto lugar, em setembro (pelo Dec.-Lei n.º 78-A/2020 de 29/9, que aditou o art. 5.º-B), a sua extensão automática até 30 de Setembro de 2021 para entidades beneficiárias cuja atividade principal esteja abrangida pela lista de CAE constante do anexo ao Dec.-Lei n.º 78-A/2020 de 29/9.
Por último, virem permitir-se novas adesões até ao dia 31 de março de 2021 e por um período de moratória de até nove meses (Dec.-Lei n.º 78-A/2020, de 29/12, que aditou o art. 5.º-C).
3. O prazo de vigência
3.1. O regime até à Lei n.º 27-A/2020, de 24/7.
I. O prazo de vigência, que inicialmente era só até 30 de setembro, foi prorrogado[3] até 31 de março de 2021 (art. 14.º).[4] As entidades beneficiárias que tenham já aderido à moratória ficam automaticamente abrangidas pelo período adicional do diploma, exceto quando comuniquem a sua oposição até ao dia 20 de setembro de 2020, podendo o acesso, como se disse, por força da Lei n.º 27-A/2020, de 24/7, ser requerido até 30 de setembro de 2020 (art. 5.º-A, n.º 1).
3.2. O regime decorrente do Dec.-Lei n.º 78-A/2020 de 29/9
I. Já em setembro pelo Dec.-Lei n.º 78-A/2020 de 29/9, a lei veio introduzir alterações quanto ao prazo da moratória, aditando o art. 5.º-A.
Assim, as entidades beneficiárias que, no dia 1 de outubro de 2020, se encontrem abrangidas por alguma das medidas que compõem a moratória, beneficiam da prorrogação suplementar e automática dessas medidas pelo período de seis meses, compreendido entre 31 de março de 2021 e 30 de setembro de 2021, com as adaptações previstas nos números seguintes (art. 5.º-A, n.º 1).
Contudo, há estreitamento em termos genéricos do elenco de medidas. Se elas se mantêm nos seus previsos termos até 1 de abril de 2021, depois dessa data limitam-se à suspensão do reembolso de capital (ou seja, extensão do prazo de vencimento da obrigação de capital), cessando as outras. Por isso, os juros e as comissões passam a ser devidos depois dessa data (art. 5.º-A, n.º 2).
II. Porém, criou-se, dentro deste um novo regime excecional com vista à tutela de determinados beneficiários, mantendo-se relativamente a eles a suspensão do pagamento de juros, comissões e outros encargos. Assim, as pessoas singulares que sejam partes nos contratos de crédito hipotecário ou de locação financeira de imóveis destinados à habitação, bem como de crédito aos consumidores[5] desde que a sua finalidade seja para educação, incluindo para formação académica e profissional.
III. As outras categorias de beneficiários só desta gozam desta proteção acrescida, se a sua atividade principal esteja abrangida pela lista de códigos de atividade económica (CAE) constante do anexo ao Dec.-Lei n.º 78-A/2020 de 29/9 (n.º 3). Incluem-se as empresas mais atingidas pelos efeitos económicos da pandemia: os setores do alojamento, da restauração, da cultura e dos transportes, de entre outros.
IV. A lei foi ainda mais longe na tutela das entidades cuja atividade principal esteja compreendida na supra
referida lista da CAE (art. 5.º-B).
É-lhes conferido, de forma automática, um prazo suplementar de 12 meses, que a lei denomina de extensão de maturidade, para os créditos que tenham já sido deferidos, ou seja, cujo prazo de vencimento já tivesse sido estendido, por aplicação do regime da moratória.
Esse prazo que acresce ao período em que esses créditos foram diferidos por efeito do referido decreto-lei. Juntam-se dessa forma os dois prazos: aquele inicial do deferimento, mais o prazo adicional que se soma ao primeiro aquando da sua cessação.
Se se tratar de um crédito que vai sendo amortizado ao longo do tempo, como sucede com o pagamento do mútuo cujo valor é objeto de amortizações sucessivas, ou uma locação financeira, o conjunto de prestações se vencerem-se ao longo do tempo tem que ser ajustadas proporcionalmente e recalculadas em função dessa nova maturidade (n.º 3)
A concessão deste prazo é automática, concedendo-se simplesmente aos devedores/beneficiários o direito de não lhes ser aplicado este regime, caso em que o devem comunicar aos creditantes, no prazo previsto no n.º 7 do artigo 4.º (art. 5.º-B, n.º 5).
O prazo adicional previsto nesta norma cessa, se o beneficiário incumprir “qualquer obrigação pecuniária perante qualquer instituição” (i) ou na eventualidade da execução por terceiro de “qualquer obrigação pecuniária” do beneficiário (por qualquer dívida desta face a qualquer credor – que não as instituições, por esse é o caso da alínea anterior, subentende-se), ou na eventualidade de arresto ou da apreensão judicial de bens do beneficiário [art. 5.º-B, n.º 4, als. a) e b)] (ii).
Daí resulta que, para cessar este regime, passando o crédito a ter o prazo que teria sem a sua aplicação (“o perfil original de reembolso”[6]), basta perante uma instituição do simples incumprimento de qualquer obrigação. Perante um outro credor, o incumprimento não é suficiente – mas também não tem que ser relativo a uma obrigação anterior ao início do prazo da moratória (março de 2020) -, sendo ainda necessário o arresto, ou a interposição de uma ação executiva ou qualquer ato de apreensão judicial dos bens da referida entidade beneficiária.
3.3. O Dec.-Lei n.º 107/2020, de 31/12
I. A 2 de dezembro de 2020, em reconhecimento dos impactos da segunda vaga da pandemia, a Autoridade Bancária Europeia reativou as moratórias bancárias, permitindo novas adesões até ao dia 31 de março de 2021 e por um período de moratória de até nove meses, a contar da data dessa adesão.
Permitiram-se, em certos termos, novas adesões.
Esse regime consta do art. 5.º-C, que foi aditado (art. 3.º do Dec.-Lei n.º 107/2020, de 31/12) o art. 5.º-C. Ele visa permitir novas adesões à moratória pública por parte de sujeitos que a 1 de outubro de 2020, relativamente às operações de crédito em causa, não se encontrassem abrangidas por alguma das medidas previstas neste normativo, incluindo aquela a que se refere o artigo anterior (ou seja, o prazo adicional automático de 12 meses para entidades cuja atividade principal esteja compreendida na supra referida lista da CAE – art. 5.º-B), com as adaptações decorrentes do art. 5.º-C, n.º 1.
II. Permite-se, mais além, que possam aderir ao regime previsto no presente artigo as entidades beneficiárias que, relativamente às operações de crédito em causa, beneficiem ou tenham beneficiado das medidas de apoio por um período de aplicação de efeitos inferior a nove meses. Com um limite: neste último caso, o período total de aplicação dos efeitos das medidas de apoio não pode exceder, em caso algum, nove meses.
[1] M. PESTANA DE VASCONCELOS, “Contratos de crédito bancário e Covid 19. O regime da moratória decorrente do Dec.-Lei n.º 10-J/2020”, Revista de Direito Comercial, 2020 (www.revistadedireitocomercial.com), pp. 1107, ss:; idem, “Legislação de emergência e contratos. O regime excecional dos contratos de arrendamento e bancários”, in: Revista do Ministério Público, Número Especial COVID-19: 2020, pp. 259, ss.; idem “O regime da moratória dos contratos bancários decorrente do Dec.-Lei n.º 10-J/2020, com as alterações decorrentes da Lei n.º 8/2020, de 10/4, do Dec.-Lei n.º 26/2020, de 16/6, e da Lei n.º 27-A/2020, de 24/7”, Ordem dos Advogados, Conselho Distrital do Porto, in: www.direitoemdia.pt/magazine/show/87, 1 de agosto de 2020.
[2] Na ausência de outra indicação, as normas doravante indicadas pertencem ao Dec.-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3.
[3] Inicialmente vigorava só até 30 de setembro de 2020.
[4] Lei n.º 27-A/2020, de 24/7.
[5] Nos termos do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 junho, na sua redação atual.
[6] Trata-se mais uma expressão, em si, de caráter não jurídico retirada da terminologia económica.