Os biocombustíveis já foram a grande esperança para a descarbonização rápida das economias. Quando queimamos combustíveis fósseis usamos carbono que esteve armazenado com segurança no subsolo e libertamo-lo na atmosfera. Mas quando queimamos biocombustíveis, estamos simplesmente a reciclar carbono já presente na atmosfera. O carbono está no ar e é absorvido pelas plantas à medida que crescem e depois retorna à atmosfera quando o queimamos. A queima de biocombustíveis, portanto, não aumenta a quantidade de CO2 na atmosfera e tem o potencial de ajudar a desacelerar as mudanças climáticas, permitindo a redução da dependência energética em relação aos combustíveis fósseis.
Esta solução foi imediatamente campeada pelas grandes petrolíferas. A BP e a Shell foram das primeiras a divulgar orgulhosamente a sua dedicação à produção de biocombustíveis, ajudando assim a defender o meio ambiente e mantendo a utilização de carros convencionais. É compreensível que esses dois gigantes do petróleo tivessem querido ser identificados com a busca por fontes alternativas de combustível, numa altura em que a mera menção aos combustíveis fósseis imediatamente evoca danos e prejuízos. Os biocombustíveis de primeira geração, os amplamente usados pela Indústria petrolífera, são ainda uma criação nebulosa. Existe muito ainda para ser provado ou refutado, e há tantas opiniões contra e a favor, que é difícil dizer se os biocombustíveis são realmente prejudiciais ou não ao meio ambiente.
Na verdade, a verdadeira natureza da relação entre biocombustíveis e meio ambiente acaba por ser tudo menos transparente.
OS LIMITES DA TECNOLOGIA E AS DESVANTAGENS
Hoje a maior parte dos combustíveis vendidos em postos de gasolina em Portugal incluem 10% de Biocombustível. Mas há limites para a quantidade de biocombustível que os veículos podem suportar. Kristala Jones Prather, professora de engenharia química do MIT, diz que “Atualmente, usamos o máximo possível de biocombustíveis como suplemento no sistema de gasolina, dado o estado da atual indústria automóvel” e “qualquer incorporação mais alta mudaria radicalmente o desempenho dos motores automóveis”.
O limite de 10% de etanol para combustíveis aproxima-se do que é conhecido por “blend wall”: o percentual de biocombustíveis que pode ser usado por um motor automóvel convencional sem reduzir a economia de combustível convencional. Muitos carros mais novos podem usar 15% de etanol nos seus motores, enquanto os carros mais antigos têm um “limite de mistura” mais baixo. Adicionar uma percentagem maior de etanol acima desse ponto, anularia qualquer um dos benefícios ambientais, pois os veículos teriam de consumir mais combustível. Embora alguns veículos, mesmo os convencionais, possam funcionar com 100% de biocombustível, a eficiência é inferior à do uso de combustíveis fósseis.
Outros tipos de biocombustíveis também apresentam desvantagens. O biodiesel, que geralmente é feito de soja, poderia substituir o diesel convencional em áreas como aviação ou transporte rodoviário de longa distância, mas, por enquanto, produzi-lo em escala tem um custo proibitivo. As matérias-primas base dos biocombustíveis tendem a incluir culturas alimentares como milho, soja e outros óleos vegetais e, por terem outros usos como alimentos para pessoas e gado, fazem com que os preços tendam a ser mais altos que os do petróleo. Por outro lado a utilização dos produtos alimentares para combustível em vez de comida, fará também subir os preços dos alimentos, e levará a população mais pobre à fome.
E com a tecnologia de hoje para fazer biocombustíveis, nem está claro se produzi-los em grande escala seria uma coisa boa para o clima. As culturas convencionais, como o milho ou soja, exigem grandes quantidades de terra para serem produzidas. Cultivar culturas extras para combustível gera mudanças no uso da terra que podem diminuir ou eliminar os benefícios ambientais do uso de biocombustíveis em primeiro lugar.
Isto porque quando os agricultores cortam florestas ou pastagens para convertê-las em terras agrícolas, podem libertar mais carbono com essa mudança de uso, do que aquele sequestrado pelas novas culturas. Mesmo quando são as terras agrícolas já existentes que são usadas para plantar culturas para biocombustíveis, isso significa que terá de ser convertida terra noutros lugares para produção alimentar.
O futuro está em apostar em biocombustíveis mais avançados, que podem ser feitos com culturas não alimentares. Os biocombustíveis celulósicos, por exemplo, podem ser feitos de coisas como madeira, algas e gramíneas que podem ser colhidas de forma sustentável. Embora alguns desses estudos sejam promissores, faltam-nos ainda os avanços suficientes na ciência, tecnologia e engenharia para realmente conseguirmos um produto que seja capaz de competir com os combustíveis fósseis.
EUROPA E OS BIOCOMBUSTÍVEIS
Atualmente, a UE é campeã a nível mundial na produção e consumo de biodiesel, com mais de 14 milhões de toneladas por ano. Em março de 2007, a União Europeia adotou o objetivo vinculativo de incorporação de, pelo menos, 10% de biocombustíveis no setor dos transportes, até 2020, para todos os Estados-Membros.
O principal instrumento Regulador da indústria tem sido a “Diretiva da Energia Renovável da UE” (RED), Diretiva 2009/28/EC, que regula critérios de sustentabilidade, a redução da emissão de gases de efeito estufa (a sua metodologia e os limites), os objetivos de integração de energia renovável por tipo de uso final (transporte, eletricidade, aquecimento e refrigeração), bem como as regras relativas à certificação e relatórios.
Entrou em vigor, em janeiro de 2022, a RED II, que traz a liberdade aos Estados de definirem a sua percentagem de incorporação de biocombustíveis, e a declaração do óleo de Palma como matéria-prima insustentável, impondo o abandono da sua utilização na produção de biocombustíveis entre 2023 e 2030.
Toda a estratégia da RED II enquadra-se nas ambições climáticas do Green Deal e do pacote “Fit for 55” que visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa da UE em 55% antes do final da década.
Entretanto o «REPower EU» reviu o “Fit for 55”, incidindo nos focos principais de garantir a segurança do aprovisionamento de gás e aumentar a velocidade de implementação de medidas de eficiência energética e de energia
O QUE SÃO OS BIOCOMBUSTÍVEIS
Essencialmente utilizados no setor dos transportes rodoviários, os biocombustíveis podem ser utilizados puros em motores adaptados para o efeito, ou misturados com gasóleo ou com gasolina. Podem ser utilizados em todos os tipos de meios de transporte (rodoviário, aéreo e marítimo).
Os biocombustíveis líquidos com potencial de utilização têm origem em “culturas energéticas”, sendo os mais comuns o Biodiesel, obtido a partir de óleos orgânicos (principalmente de soja ou de colza), e o Bioetanol, produzido a partir da fermentação de hidratos de carbono (como é o caso do milho, dos cereais, das beterrabas açucareiras e das plantas oleaginosas). Apenas uma diminuta parte do biodiesel e do bioálcool é produzida a partir de resíduos agrícolas, industriais ou urbanos/alimentares, sendo esta efetivamente a opção mais racional e ambientalmente sustentável de produção.
Existem ainda biocombustíveis gasosos, denominados “biogás”, constituídos por uma mistura de gases, sendo o metano o gás predominante, com origem nos efluentes agro-pecuários/ industriais e urbanos (lamas das estações de tratamento dos efluentes domésticos) e ainda nos aterros.
Um aspeto não muito divulgado pela indústria é que não existe um só produto “biocombustível”, o conceito já inclui quatro “gerações” de combustíveis. A primeira geração é o combustível à base de etanol (o método de fermentação). A segunda é a do uso de culturas não alimentares, criando o que é conhecido como ‘etanol celulósico’. Quanto aos combustíveis de terceira geração, são baseados em culturas modificadas – por exemplo algas ricas em energia, e finalmente os combustíveis de quarta geração, são na verdade em parte projetados para armazenar CO2.