Declaração Universal dos Direitos da Criança, preceitua no seu artigo 9º que, “A criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objecto de qualquer tipo de tráfico. A criança não deverá ser admitida ao emprego antes de uma idade mínima adequada, e em caso algum será permitido que se dedique a uma ocupação ou emprego que possa prejudicar a sua saúde e impedir o seu desenvolvimento físico, mental e moral.”
LEI 105/2009, DE 14 DE SETEMBRO
A Directiva 94/33/CE do Conselho, de 22 de Junho de 1994, relativa à protecção dos jovens no trabalho, consagra no seu artigo 5º “Actividades culturais ou similares” que a contratação de crianças para participarem em actividades de natureza cultural, artística, desportiva ou publicitária está sujeita à obtenção de uma autorização prévia emitida pela autoridade competente para cada caso individual.
E ainda que compete a cada Estados-membro determinar por via legislativa ou regulamentar, as condições do trabalho infantil nos casos referidos no Nº 1 e as regras do processo de autorização prévia, desde que essas actividades não sejam susceptíveis de causar prejuízo à segurança, à saúde ou ao desenvolvimento das crianças e que não prejudiquem a sua assiduidade escolar, a sua participação em programas de orientação ou de formação profissional aprovados pela autoridade competente ou a sua capacidade para beneficiar da instrução ministrada.
Em Portugal esta actividade está legislada pela lei 105/2009 de 14 de Setembro, que altera e regula o Código de Trabalho, a lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, no âmbito da participação de menores em actividades de natureza cultural, artística ou publicitária, permitindo a participação das crianças nos termos do artigo 3º da referida Lei. Compete às Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), nos termos do artigo 7º da referida lei autorizar a participação das crianças nestas actividades.
ANA PRIETO, Jurista da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens disse-nos a propósito que “as CPCJ, como procedimento regra, ouvem sempre as crianças e jovens que participam em actividades de natureza artística, cultural ou publicitária e também os seus responsáveis legais, em geral o pai e a mãe.

A avaliação técnica relativamente às “motivações” da criança relativas à sua participação nestas actividades de natureza artística é realizada por um técnico da CPCJ que integre a Comissão Restrita, e portanto, um técnico que está habituado a trabalhar processos em que as crianças se encontram em situação de perigo quanto à sua educação, ou a sua formação, ou a sua saúde, ou a sua segurança, ou o seu desenvolvimento.
Para a avaliação da situação não pode deixar, o técnico encarregue de proceder à entrevista/audição da criança, de recolher indicadores que permitam concluir que não exista um prejuízo para a educação, a segurança, a saúde, a formação ou o desenvolvimento físico, psíquico e moral
Para a avaliação da situação não pode deixar, o técnico encarregue de proceder à entrevista/audição da criança, de recolher indicadores que permitam concluir que não exista um prejuízo para a educação
da criança como menciona o art.º 7º Nº2 da lei 105/2009. Adicionalmente, a Lei 105/2009, impõe de forma objectiva “mecanismos”/critérios de protecção da criança (idade; número de horas de duração da participação; número de horas diárias e semanais de actividades do menor e duração dos actos preparatórios; tipo de participação da criança e horário em que ocorre; junção de declaração do horário escolar e informação sobre o seu aproveitamento; parecer do sindicato; ficha de aptidão física e psíquica emitida por médico; autorização dos representantes legais (em regra ambos os pais), vigilância por um dos representantes legais), entre outros. Estes elementos informativos, que acompanham o requerimento inicial, são avaliados, em conjunto com as entrevistas aos pais e à criança e permitem aferir se a CPCJ deve proceder à autorização de participação da criança/ jovem naquela atividade de natureza artística, cultural ou publicitária.
Ademais, aquando da emissão da Autorização, a CPCJ comunica obrigatoriamente por ofício o conteúdo da Autorização da qual deve constar a identificação e data de nascimento do menor; o estabelecimento de ensino frequentado; o local onde se realiza a actividade; o tipo de actividade; o tipo de participação referenciada na sinopse; duração da participação; número de horas diárias e semanais de actividades do menor em participação e em actos preparatórios, bem como a pessoa disponível para realizar a sua vigilância (quando a CPCJ identificar essa necessidade ou benefício para a criança) e, Cumpridos estes procedimentos as CPCJ dão conhecimento desta autorização, na sua integralidade, à entidade requerente, à escola, ao serviço com competência inspectiva do Ministério do Trabalho e Segurança Social e aos representantes legais, “transferindo-lhes” a responsabilidade de sinalizar a situação se se identificar o prejuízo para a criança nas diferentes áreas do seu desenvolvimento.
Juntar as horas de trabalho nestas áreas, às do horário escolar, trabalhos de casa, excessivos na maioria das escolas, que tempo sobra a estas crianças para serem efectivamente crianças poderá provocar uma baixa de rendimento escolar e problemas de gestão de ansiedade, de elevada auto-exigência da criança, que pode ser geradora de desequilíbrios emocionais e psicológicos.
MARIA JOSÉ ARAÚJO, Investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto, disse-nos haver várias questões a considerar na lei e que se prendem com os direitos das crianças: direito de escolha, direito a brincar, direito ao descanso, direito ao tempo livre, que é diferente se a criança tem um ano, três ou seis e que apesar da lei há uma intenção de proteger a criança de excessos de actividade nem sempre é respeitada. Será que uma criança que participa nessas actividades pode dizer não? Quem escolhe por ela?
E acrescentou que as crianças entre os 6 e os 12 anos de idade trabalham hoje na e para a escola cerca de 8 a 9 horas diárias – ou seja, cerca de 40 a 45 horas semanais, se considerarmos que não o fazem de todo ao final de semana, o que nem sempre é verdade. Trabalham durante mais tempo do que aquele que é definido no horário de trabalho que achamos razoável para um adulto. A quantidade de tempo que passam, no seu tempo livre depois das aulas, a realizar actividades organizadas e prescritas pelos adultos sem, na maior parte das vezes, terem uma palavra a dizer, as crianças ficam sem tempo para brincar e se divertir. O direito ao descanso e ao tempo livre é-lhes negado. E, brincar é fundamental para qualquer criança – é o seu ofício. Considerada como um cidadão sob tutela e quase nunca como cidadão de pleno direito, a criança é privada da liberdade e da aventura que a vida propõe, num mundo que não a respeita.
Maria José Araújo, considera que os efeitos, na criança, da privação do direito a brincar são iguais ao da privação do sono, da alimentação. Achamos que as crianças aguentam tudo mas elas vão mostrando, verbalmente e/ou pelo comportamento, que não aguentam e que precisam de brincar e descansar. E acrescenta que o tempo das crianças é fortemente marcado pelos tempos e ritmos dos adultos e a principais características desse tempo das crianças é ser monopolizado como um tempo escolarizado, aproveitado do ponto de vista educativo, cultural e social, constituindo-se assim para elas num tempo não livre por forçada ocupação e submissão.
ANA PRIETO, por seu lado, diz-nos que da sua experiência na CPCJ, não lhe permite colocar as crianças que participam em actividades de natureza artísticas num patamar diferente das crianças cujos pais ambicionam que o filho opte por uma carreira médica, ou pela magistratura, ou pela engenharia ou outras profissões de elevada performance e competitividade e para as quais a criança/jovem não consiga corresponder.
A questão que destaca nas crianças que optam por prosseguir estudos em áreas artísticas é a de existir a criação de uma auto-expectativa e auto-valor elevados, que é frequentemente incentivado no meio familiar, a competitividade é tão grande que a criança ou jovem podem sentir-se sem valor, não tão belos, não tão talentosos , incapazes de alcançar o 1º lugar, ou de serem seleccionados para o casting Y.
Disse-nos que as CPCJ têm assinalado jovens com necessidade de acompanhamento individual em saúde mental e que, no âmbito das medidas protectivas que podem aplicar, podem e devem proporcionar o apoio psicológico necessário e o acompanhamento em saúde mental que geralmente é no sistema público de saúde. Contudo, quando necessário, é accionado o apoio económico, no âmbito das medidas protectivas com o objectivo de se custear o necessário acompanhamento pelo sistema privado de saúde que permita ajudar a criança ou o jovem a sair da situação de perigo psíquico e perigo para o seu saudável desenvolvimento. Acrescente-se que as CPCJ assentam a sua legitimidade de intervenção no consentimento dado pelos pais/representantes legais e toda a intervenção é realizada em alinhamento e ajuda à família e criança.
Compete à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) o controlo do cumprimento das normas, desde que reunidos os pressupostos enunciados na Lei n.º 105/2009, de 14 de Setembro – artigos 2.º a 11.º.
Fernanda Campos, Inspectora-Geral da ACT, disse-nos a propósito que a intervenção da ACT, têm como pressuposto que a participação do menor se enquadre em actividades de natureza cultural, artística ou publicitária, nas quais exista a manifestação de qualidades do menor, do seu talento, da sua criatividade que se expressam nomeadamente em participações como actor, cantor, bailarino, músico, modelo ou manequim ou no âmbito da divulgação de um bem ou serviço em actividades publicitárias o que pressupõe igualmente o referido regime jurídico, que as condições da prestação da actividade do menor devem ficar definidas em contrato escrito (que não é caracterizado como contrato de trabalho) no qual deverá constar, entre outras condições de prestação da actividade, a retribuição a receber – art.º 9.º. e que cada situação que chegue ao conhecimento da ACT, é objecto de averiguação no terreno, por forma a apurar se eventualmente, os factos subjacentes se enquadram ou não no âmbito do referido regime jurídico e atribuições desta Autoridade.