BELA BRANQUINHO é advogada a tempo inteiro há cerca de 40 anos. No entanto, deixou-se conquistar pela pintura e ao longo da última década tornou-se uma pintora de aguarelas e acrílicos de sucesso. Bela começou por rabiscar agendas com desenhos geométricos durante muitos anos, para ser agora uma artista plástica com participação regular em exposições em Portugal e no estrangeiro, com exposições individuais quase todos os anos e obras vendidas para os quatro cantos do mundo.
Como começou a pintar?
Gosto imenso de desenhar, sobretudo quando estou concentrada em questões da advocacia. Tenho o hábito de guardar as agendas profissionais. Folheando essas agendas, verifico que desde sempre mantenho o hábito de desenhar distraidamente na agenda enquanto estou ao telefone. Esforço-me por não desenhar por cima da indicação dos dias e dos meses, mas… invariavelmente os desenhos invadem todos os espaços em branco, de tal forma que muitas vezes não consigo descortinar o que estava escrito por baixo dos desenhos ou a que mês ou dia corresponde aquela página em concreto… É involuntário e inevitável.
Como concilia a pintura e a advocacia?
A pintura está sempre presente, apesar de exercer advocacia a tempo inteiro. Tive a sorte de escolher uma profissão que adoro e de sempre a ter exercido em escritório próprio e de forma totalmente autónoma, o que me deu a liberdade de poder dispor do meu tempo e frequentar uma escola de artes a dois minutos do escritório (Nextart, na baixa lisboeta) onde desenvolvi as técnicas e conheci um ambiente artístico muito saudável e entusiasmante.
De 2ª a 6ª feira sou maioritariamente (mas não só) advogada. De 6ª a 2ª feira sou exclusivamente artista plástica.
Quais são os seus estímulos para pintar?
A música, sobretudo a música. Não consigo assistir a um concerto sem visualizar imagens. Para mim os sons, as notas, os timbres, têm sempre uma expressão plástica necessariamente pictórica. Saio de um concerto cheia de energia e ideias novas.
O que é para si o ambiente ideal para pintar?
A manhã, adoro a luz da manhã para pintar. E ouvir música muito alto, todos os tipos de música. Desde Jacques Brel, Pink Floyd, Caetano Veloso, Bernardo Sasseti, Mónica Salmaso, o álbum “No Treasure But Hope” do grupo Tindersticks e tantos outros.
Considera importante ter um hobby?
Hoje em dia a pintura já não é um hobby, levo-a demasiado a sério. Tira-me tempo e sono. Durante a semana vou pensando em soluções, em experiências, em caminhos que ao fim de semana ponho finalmente em prática. Invariavelmente, cada pintura em curso é um desafio…. Uma obra é sempre um desafio porque quando a começo, nunca sei o caminho que vai levar. Vai-se desenvolvendo sem rumo definido e sem pressa. É um processo muito desafiante. Frequentemente acontece-me olhar e perceber que o rumo afinal estava lá e que a obra se autonomizou e seguiu o seu caminho.
Mas voltando à pergunta, é importante ter um hobby?
Ter um hobby, sobretudo numa área diferente da nossa área profissional, é essencial. É um desafio, uma descoberta, é de repente um alargar de horizontes com muitas surpresas (boas e más), é descobrir mais de nós próprios, é voltar à idade em que tudo é possível. É rejuvenescer! Todas as pessoas que eu conheço que têm um hobby regular para além da profissão habitual são pessoas mais realizadas e mais completas. Tenho no meu núcleo familiar mais restrito um advogado que corre maratonas, outro que gosta de cinema e faz documentários. Uma mestre em neurociências que toca violoncelo numa orquestra. Um cientista que pratica triatlo. Uma médica que pinta. Uma profissional de seguros que faz fotografia. Mas conheço muitos outros! Muito enriquecedor.
Qual foi a conquista que a pintura lhe trouxe de que mais se orgulha?
Já tive alguns momentos marcantes mas aquele que mais me entusiasmou (por ter sido o primeiro e pela novidade do reconhecimento) foi ter sido selecionada em 2015 para expor em Londres na Bankside Gallery, no âmbito de uma prestigiada competição de aguarela da Royal Watercolour Society. Foi um entusiasmo incrível, o de me ver em Londres a participar com uma obra minha numa inauguração de uma exposição de aguarela.
Sente que o seu estado de espírito diário, ou o estado do mundo à sua volta, influencia a forma como pinta?
Sim, sem dúvida. Inconscientemente estou sempre atenta ao que se passa à minha volta, sobretudo à luz, sombra, cor, enquadramento, arquitectura, tudo aquilo que é transponível para uma folha de papel ou para uma tela. Isto, apesar da minha pintura não ser figurativa. Mas apesar de abstracta, a minha pintura é inspirada em temas bem concretos: viagens, água, mar, vento, luz, ambientes, sombras e pormenores de arquitectura.
Começou a desenvolver a sua arte já tardiamente, quando comparada com a sua carreira profissional. Como foi a adaptação?
Foi fácil devido ao grande entusiasmo que senti quando comecei a pintar com regularidade. Ajudou-me a perceber que quando queremos muito uma coisa, conseguimos chegar lá. Não há barreiras de tempo, não há indisponibilidades nem dificuldades insuperáveis. Há dedicação, entusiasmo e claro, uma optimização dos minutos e dias que se vai aprendendo. E com o tempo, tudo se vai conjugando e convergindo para o equilíbrio possível. Claro que ouço frequentemente a pergunta “mas como é que tens tempo?” ou “mas quando é que dormes?”
Qual é o lado mais positivo de ser pintora?
É proporcionar-me experiências sensoriais diferentes enquanto criadora que não obtinha apenas como observadora. Sempre tive uma grande paixão pela pintura sobretudo dos séc. XIX e XX. E pela literatura, pelo cinema, pela fotografia. Admirar uma obra, senti-la, percebê-la, ver para além dela, eleva-nos a um patamar de enriquecimento pessoal e intelectual muito gratificantes. Mas criar uma obra em que se consegue transmitir uma sensação, uma emoção (independentemente de ser tecnicamente boa ou má) é ainda mais arrebatador.
Recordo-me muitas vezes de uma frase que li numa das últimas entrevistas do escritor José Cardoso Pires com a qual me identifico completamente e na qual ele dizia que na vida, o que mais importa, ao fim e ao cabo, são apenas duas coisas: o amor e a arte.
Hoje em dia dia a pintura já não é um hobby, levo-a demasiado a sério.
Quais são os seus próximos projectos? Qual é a sua próxima exposição?
A próxima exposição será no MU.SA (Museu das Artes de Sintra) com inauguração no dia 22 de abril (e que ficará patente até 29 de maio), será uma exposição a duas mãos (pintura e gravura) em que participo com cerca de 20 telas em pintura acrílica e o artista plástico Holger Brandes participa com cerca de 20 gravuras. Depois, durante o mês de agosto (com inauguração no dia 11), terei uma exposição individual no Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada. Em novembro, está prevista outra exposição individual no Espaço Cultural das Mercês (Príncipe Real, em Lisboa).
Pensa algum dia deixar a advocacia para se dedicar exclusivamente à pintura?
Penso evoluir para um estádio em que possa dedicar mais tempo à pintura sem abandonar completamente a advocacia. Ambas preenchem os meus dias e são conciliáveis embora cada vez mais a pintura tome conta de mim e do meu tempo. Sempre tive a convicção que a vida é para ser vivida até ao último instante. Não há tempo a perder e não há tempo para parar. Nem para fazer planos para o futuro. A vida é hoje.