Apresentamos uma visão de enquadramento e algumas soluções para um dos temas mais impactantes na profissão
Os advogados são conhecidos por, no geral, serem meticulosos e perfecionistas, constantemente preocupados em discernir e avaliar as melhores opções de ação e em prevenir as desvantagens, problemas, riscos e desafios que eventualmente possam surgir na vida dos seus clientes, zelando pelo seu bem-estar. Acrescem a estas características, necessariamente gerais, o facto de frequentes vezes o advogado criar empatia com o seu cliente, vivenciando o desgaste emocional das suas vitórias e derrotas. E ainda, além de outros factores, a pressão dos prazos; o excesso de trabalho e a falta de tempo. Estão assim criadas as condições para a tempestade perfeita e para a profissão falhar quando se trata de bem-estar e saúde mental.
Neste sentido e sem nenhuma surpresa, os estudos recentes têm demonstrado cabalmente que a profissão revela altas taxas de depressão, abuso de substâncias e suicídio, e que muitos advogados e estudantes de direito sofrem níveis desproporcionalmente altos de stress crónico, frustração e esgotamento.
Dentro dos estudos mais recentes e impactantes está o Norte-Americano CoLAP/Hazelden de 2016 [1], sobre preocupações de saúde mental e distúrbios de uso de substâncias entre os advogados. O estudo de âmbito nacional foi baseado numa amostra de 13.000 advogados Norte-Americanos em atividade, revelou números alarmantes: 36% dos inquiridos
O estudo revelou números alarmantes: 36% dos inquiridos qualificavam-se como alcoólicos problemáticos e 28%, 19% e 23% lutavam, respetivamente, com algum nível de depressão, ansiedade e stress crónico
qualificavam-se como alcoólicos problemáticos e 28%, 19% e 23% lutavam, respetivamente, com algum nível de depressão, ansiedade e stress crónico. Além destas dificuldades, muitas outras foram referenciadas: tentativas de suicídio, alienação social, dependência de trabalho, privação de sono, insatisfação no trabalho, “crise de diversidade”, queixas de conflito trabalho-vida, incivilidade, estreitamento de valores para que predomine o lucro, e perceção pública negativa.
O estudo também permitiu descobrir que eram os advogados mais jovens e nos primeiros dez anos de prática, os que experimentavam mais problemas com alcoolismo e depressão. Deste modo para estes perspetiva-se uma carreira futura menos produtiva, menos satisfatória e mais problemática.
Todos estes resultados [2] levantam implicações preocupantes. Além das situações individuais, para que urge implementar estratégias de ajuda coerentes e eficazes, sugerem que o atual estado de saúde dos advogados poderá vir a tornar a profissão insustentável, considerando que é uma profissão dedicada ao atendimento ao cliente e dependente da confiança pública. Torna-se assim cada vez mais urgente divulgar os “gatilhos” mais importantes da saúde mental, alertando para a sua vigilância e monitorização e também as possíveis soluções e/ou ferramentas para minorar estes desafios.
Principais Gatilhos e propostas para o bem-estar e Saúde Mental
1 – O EMPENHO Vs. BURNOUT (Esgotamento)
Uma das melhores respostas para os problemas de saúde mental é monitorizar e assegurar o equilíbrio entre estes dois polos, entre os recursos positivos, que criam envolvimento e empenho no trabalho, e as exigências do trabalho, que são as circunstâncias desafiantes que podem levar ao Burnout.
Um bom envolvimento ou empenho com o trabalho traduz-se frequentemente em níveis elevados de energia e resiliência mental, dedicação (que inclui uma sensação de significância, pertença e desafio) e muitas vezes uma sensação muito positiva de imersão e satisfação com e no trabalho. Este tipo de empenho contribui para a saúde mental, permitindo uma melhor gestão, ou mesmo ausência, de stress e consequentemente evitando as situações de burnout. Por sua vez o Burnout é essencialmente o oposto: é uma síndrome de resposta ao stress que está altamente correlacionada com a depressão e pode resultar em graves problemas psicológicos e fisiológicos. Os trabalhadores com sensação de esgotamento estão normalmente emocional e fisicamente exaustos, são cínicos sobre o valor das suas atividades e inseguros sobre a sua capacidade para um bom desempenho.
O envolvimento surge quando os recursos positivos existentes – o trabalho em si e bons fatores organizacionais como a autonomia, a boa liderança, o apoio dos colegas, feedback, otimismo e resiliência -, superam as exigências, i.e., os aspetos esgotantes como a sobrecarga de trabalho e sobreposição de tarefas. Quando há exigências excessivas ou falta de tempo para recuperar das mesmas, a balança inclina-se negativamente e pavimenta-se a estrada para o esgotamento.
2 – O STRESS
O stress é inevitável na vida dos advogados e não é necessariamente sempre negativo. Níveis de stress leves a moderados podem apresentar-se como desafios positivos que resultam num sentido de mestria e realização. A forma como enfrentamos o stress é governada pelas nossas crenças sobre a nossa capacidade de lidar com ele: quando o stress é visto como positivo, um desafio controlável, a resposta ao mesmo pode levar a picos de desempenho muito satisfatórios. Um estudo num escritório de advogados da Nova Zelândia, permitiu provar que os advogados que frequentemente experimentam desafios positivos demonstram níveis mais elevados de compromisso com o trabalho. Esta constatação realça a importância da existência de um desafio positivo, mas também o seu efeito paradoxal: o desafio contribui para o bem-estar relacionado com o trabalho, mas também, quando se torna avassalador, pode levar a consequências graves como o esgotamento [1].
No geral o stress “descontrolado” está associado ao declínio cognitivo e pode prejudicar a capacidade de estabelecer relações significativas com os clientes. Está ainda associado a conflito relacional, que pode minar ainda mais a capacidade dos advogados de representar e interagir de forma competente com os clientes.
3 – A RESILIÊNCIA E OTIMISMO
A resiliência é vista como o processo que nos permite recuperar de adversidades de uma forma saudável. Assim o desenvolvimento da resiliência é um dos fatores que permite uma melhoria geral do ambiente de trabalho, melhorando a capacidade individual e organizacional de resistir aos choques e de recuperar rapidamente, minimizando os efeitos adversos da exposição ao stress.
A nossa capacidade de resiliência deriva de vários fatores. Somos determinados principalmente pelos fatores genéticos e pelas experiências de infância que influenciam a neurobiologia da nossa resposta ao stress, em particular se esta resposta é ativada e terminada de forma eficiente. Mas a resiliência também deriva de uma coleção de fatores psicológicos, sociais e contextuais, muitos dos quais podemos mudar e desenvolver. O desenvolvimento da resiliência permite otimizar a saúde e o bem-estar, criando mentalidades positivas através do incremento de fatores como o otimismo, a confiança nas próprias capacidades e forças (auto – eficácia), a resolução eficaz de problemas, o sentido de propósito, o pensamento flexível, a empatia, as relações próximas e apoio social, e a fé/espiritualidade.
A principal estratégia para construir uma visão otimista (que é um hábito de pensamento que permite que as pessoas contextualizem os acontecimentos adversos de forma racional, sem se deixarem dominar por um pensamento catastrófico), baseada na investigação da terapia cognitiva-comportamental, é através do ensino do reenquadramento cognitivo [4], que ensina as pessoas a monitorizar e contestar as suas respostas ou “vozes” interiores negativas automáticas. Para a Neurobiologia esta capacidade é considerada a pedra angular da resiliência.
O cultivo desta habilidade é muito benéfico para os advogados e também para os estudantes de Direito, por exemplo a universidade de Stanford já há anos que oferece um curso de 3 horas de reenquadramento cognitivo, que é muito popular e bem-sucedido.
4 – A MEDITAÇÃO MINDFULNESS
A meditação Mindfulness, ou “atenção-plena”, é uma prática que pode melhorar o reenquadramento cognitivo (e, portanto, a resiliência), ajudando na nossa capacidade para monitorizar os nossos pensamentos e evitar sermos esmagados pelas nossas emoções. Um corpo de investigação significativo e em constante crescimento tem mostrado o potencial da meditação para ajudar na abordagem a uma variedade de perturbações psicológicas e psicossomáticas, especialmente aquelas em que o stress desempenha um papel causal. Um tipo de prática meditativa é a “atenção plena” – uma técnica que cultiva a habilidade de estar presente, focalizando a atenção na sua respiração e desprendendo-se dos seus pensamentos ou sentimentos. A investigação tem descoberto que a atenção pode reduzir os pensamentos obsessivos (ruminação), o stress, a depressão e a ansiedade [5].
A “atenção plena” também pode melhorar uma série de competências relacionadas com a eficácia dos advogados, incluindo maior foco e concentração, memória de trabalho, capacidades cognitivas críticas, e tomada de decisão ética e racional. Vários estudos têm defendido a atenção plena como uma prática importante para os advogados e estudantes de direito e as provas também sugerem que a atenção pode melhorar o sentido de equilíbrio entre o trabalho e a vida privada, reduzindo a preocupação dos trabalhadores com o trabalho.
5 – OS PERÍODOS DE REJUVENESCIMENTO E O EXERCÍCIO FÍSICO
Os advogados devem dar-se tempo para recuperar do stress. As pessoas que não recuperam totalmente estão a aumentar o risco de vir a experienciar sintomas depressivos, exaustão e Burnout. Em contraste, as pessoas que se sentem recuperadas relatam maior empenho e desempenho profissional, empatia e capacidade de lidar com as exigências do trabalho. A qualidade da recuperação dos trabalhadores influencia o seu estado de espírito, motivação e desempenho profissional.
Os advogados também normalmente não dão prioridade à atividade física e isso é nocivo para a sua saúde mental e funcionamento cognitivo. O exercício físico está associado a sintomas reduzidos de ansiedade e de baixa energia. E já se provou que o exercício aeróbico é tão eficaz na melhoria dos sintomas de depressão como a toma de medicamentos antidepressivos e a psicoterapia.
Além disto a investigação também tem mostrado que o exercício físico melhora o funcionamento e cognição do cérebro e que (porque estimula o crescimento de novas células cerebrais) pode compensar o efeito negativo do stress, que provoca atrofia cerebral. Maior quantidade de atividade física (particularmente aeróbica) tem sido associada a melhorias na memória, atenção, aprendizagem verbal, e velocidade do processamento cognitivo. Por último um conjunto crescente de provas demonstra que a atividade aeróbica regular na meia-idade reduz significativamente o risco de desenvolvimento da demência e, em idade mais avançada, pode abrandar a progressão do declínio cognitivo daqueles que já são diagnosticados com a doença de Alzheimer [6].
6 – SIGNIFICADO E FINALIDADE
Os estudos têm demonstrado que a sensação de que as nossas vidas são significativas é importante para o bem-estar físico e psicológico. Fornece um amortecedor contra o stress. Por exemplo, sentir que há significado na vida está associado a um risco reduzido de ansiedade, depressão, uso de substâncias, ideação suicida, ataque cardíaco, e AVC. Também resulta num declínio cognitivo mais lento nos doentes de Alzheimer; e menor mortalidade global dos adultos mais velhos.
Para muitos advogados, uma parte importante da construção de uma vida com sentido faz-se através de trabalho com sentido. Se experimentarmos o nosso trabalho como significativo, isso significa que acreditamos que o nosso trabalho importa e é valioso. Um grande corpo de estudos e investigação tem demonstrado que o significado desempenha um papel importante no bem-estar e desempenho no local de trabalho e a perceção do significado é o preditor mais forte do compromisso de trabalho.
O significado desenvolve-se quando as pessoas sentem que o seu trabalho corresponde aos seus valores, e as organizações podem melhorar esta experiência, por exemplo, fomentando um sentido de pertença, concebendo e enquadrando o trabalho para destacar os seus aspetos significativos; e articulando objetivos, valores e crenças convincentes.
[1] Sigla para a “ABA Commission on Lawyer Assistance Programs (CoLAP) and the Hazelden Betty Ford Foundation”. O resultado deste estudo foi tão impactante que foi seminal na criação da “National Task Force on Lawyer Wellbeing”. Esta Task force publicou em 2017 um manual de referência nesta matéria “The Path to Lawyer Well-Being: Practical Recommendations for Positive Change”, em cujas recomendações nos baseamos para este artigo.
[2] E remetemos também para a iniciativa do CRL nesta matéria, que pode ser encontrada no link: https://www.oa.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=31634&idc=32038&ida=164137
[3] 3V. Hopkins & D. Gardner, The Mediating Role of Work Engagement and Burnout in the Relationships Between Job Characteristics and Psychological Distress Among Lawyers, 41 N. Z. J. PSYCHOL. 59 (2012).
[4] 4C. COOPER, J. FLINT-TAYLOR, & M. PEARN, BUILDING RESILIENCE FOR SUCCESS: A RESOURCE GUIDE FOR MANAGERS AND ORGANIZATIONS (2013); I. T. Robertson, C. L. Cooper, M. Sarkar, & T. Curran, Resilience Training in the Workplace from 2003 to 2014: A Systematic Review, 88 J. OCCUPATIONAL & ORG. PSYCHOL. 533 (2015)
[5] R. Walsh & S. L. Shapiro, The Meeting of Meditative Disciplines and Western Psychology, 61 AM. PSYCHOL. 227 (2006); E.g., S. G. Hoffman, A. T. Sawyer, A. A. Witt, & D. Oh, The Effect of Mindfulness-Based Therapy on Anxiety and Depression: A Meta-Analytic Review, 78 J. CONSULTING & CLINICAL PSYCHOL. 169 (2010); R. Teper, Z. V. Segal, & M. Inzlicht, Inside the Mindful Mind: How Mindfulness Enhances Emotion Regulation Through Improvements in Executive Control, 22 CURRENT DIRECTIONS IN PSYCHOL. SCI. 449
[6] J. E. Ahlskog, Y. E. Geda, N. R. Graff-Radford, & R. C. Petersen, Physical Exercise as a Preventive or Disease-Modifying Treatment of Dementia and Brain Aging, 86 MAYO CLINIC PROC. 876 (2011).