A questão que aqui se aborda de uma forma que, naturalmente não pode ser exaustiva, traduz-se no essencial no direito de informação versus o direito ao bom nome.
A consagração do direito ao bom nome, reputação profissional e pessoal e imagem pública mais não são do que emanações do direito de personalidade, encontra tutela na Constituição da República Portuguesa, em sede de direitos fundamentais (artigo 26, nº1 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP). O direito de informação, encontra tutela igualmente em sede de direitos fundamentais, sendo que o mesmo contém três vertentes: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado (artigo 37º, nº1, 2ª parte da CRP).
Pode suceder que o direito à informação e o direito ao bom nome colidam. Para desenvolver esta questão, comecemos, ainda que sucintamente, por abordar o direito de informação. Sendo certo que nos termos do Nº 1 (in fine) do artigo 37º da CRP o direito de informação não pode ser sujeito a impedimentos e discriminações, tal expressão não pode querer dizer «sem limites», visto que o seu exercício pode dar lugar a “infrações” (Nº 3 do referido artigo 37º).
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «na falta de uma cláusula de restrição dos referidos direitos ele tem de ser pelo menos harmonizado e sujeito a opções metódicas de balanceamento ou de ponderação com outros direitos colidentes como a dignidade da pessoa humana, os direitos das pessoas à integridade moral ao bom e reputação, à palavra e à imagem, à privacidade, etc. (art. 26, Nº1 da CRP)» (CRP- Anotada, Coimbra Editora, págs. 573/574).
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a que a República Portuguesa também está vinculada determina (…) que “Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas” (artigo 10.º, Nº1). Para acrescentar no Nº 2, desse mesmo artigo que “O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial.”
Adiante-se que nesta matéria, direito à informação pela imprensa e comunicação social, há quatro aspectos que não se podem deixar de ter em conta:
Mesmo em sede criminal são típicas (ou seja, penalmente relevantes em face do tipo legal do crime de difamação) as condutas que consubstanciem críticas caluniosas (Cfr. Prof. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa, pág. 79).
Os títulos possuem um conteúdo autónomo, que pode descolar dos textos titulados que assinalam, possuem uma intrínseca idoneidade para afectar o direito ao bom-nome que pode ser particularmente reforçada pela natureza sintética, apelativa e assertiva que usualmente relevam (Cfr. Prof. Faria e Costa, Comentário ao Código Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, págs. 620-621 e Acórdão do STJ de 10-07-2008).
É indispensável que a concreta justificação pelo exercício do direito de informação; o meio utilizado não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido (Prof. Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, Nº 115).
O juízo de ilicitude não prescinde de uma apreciação concreta. É necessário ponderar as circunstâncias, a ligação entre a imputação ou a revelação feita pelo lesante e as funções e cargos exercidos pelo lesado. Só quando a lesão for rigorosamente necessária para a prossecução do bem comum poderá a ilicitude ser afastada. Se a conduta lesante for supérflua ou desnecessária será ilícita. Os bens ofendidos são demasiadamente importantes para que possam desnecessariamente ser ofendidos. (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, Almedina, pág. 138).
No seu Acórdão Nº 67/99, de 3.2.99, o Tribunal Constitucional afirma clara e impressivamente que “(…) a liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual” com certos bens jurídicos pessoais (…) não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada”.
Contudo a questão está longe de esgotar aqui importando ainda, designadamente, abordar os deveres dos jornalistas, a destrinça entre privacidade/intimidade e honra, sendo aquela hoje um bem jurídico-penal autónomo face à honra, as possíveis excepções à reserva da intimidade da vida privada, e a destrinça entre interesse público e interesse do público.
Desde logo e na esteira de um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Secção Cível (07.11.2013), constitui dever fundamental do(s) jornalista(s) respeitarem escrupulosamente o rigor e objectividade da informação, devendo comprovar a verdade dos factos, ouvir as partes interessadas constituindo, aliás, face ao respectivo Código Deontológico falta grave a imputação de factos sem provas. E esse rigor e objectividade são tanto mais de exigir quando estejam em causa direitos fundamentais das pessoas em geral como são, como vimos na primeira parte deste artigo, o direito ao bom nome e reputação. Entrando na destrinça entre privacidade/intimidade e honra, sendo aquela hoje um bem jurídico-penal autónomo face à honra. Na economia do artigo e como escreve Costa Andrade “De forma simplificada (…) o que acima de tudo lesa a honra é a imputação de factos não verdadeiros; diferentemente o que propriamente atinge a privacidade/ intimidade é a verdade dos factos devassados ou revelados. (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico- Criminal Coimbra Editora, pág. 105)
Ainda segundo o mesmo autor também as pessoas que protagonizam a vida política e social ou brilham no mundo da cultura ou do desporto têm direito à inviolabilidade de uma esfera de intimidade em sento estrito, isto é uma “área nuclear inviolável”, cuja salvaguarda constitui condição do livre desenvolvimento ético da pessoa e, como tal subtraída, a toda a intervenção privada ou pública e a contar com a protecção tendencialmente absoluta da ordem jurídica.
É necessário ponderar as circunstâncias, a ligação entre a imputação ou a revelação feita pelo lesante e as funções e cargos exercidos pelo lesado.
Neste domínio só serão, por isso, admissíveis excepções nos casos extremados e contados em que os próprios eventos “íntimos” contendam directamente com a posição ou função sociais do interessado. Isto é, nos casos (…) em que tais eventos “contendem com o interesse público. Na medida em que tal se dá, os eventos deixam de pertencer à esfera da privacidade/intimidade estando, por isso, expostos à luz da publicidade e a devassa legítima, mas só na medida da relevância ou significatividade sistémico-social do evento e na medida estritamente necessária para a actualizar (idem págs. 96 e 97).
De todo o modo tem-se entendido que a esfera da privacidade mesmo em sentido estrito das figuras públicas tende a estreitar-se sendo menor que a do cidadão anónimo. (Ibidem pág. 98).
Na esteira do que acima vem dito afirma Pedro Pais de Vasconcelos «Nos casos em que os lesados são titulares de cargos públicos ou políticos, é mais verosímil a invocação de um direito-dever de informar por parte do lesante. A comunicação social tem uma função social e constitucional de informar e, no seu âmbito, de revelar práticas ilícitas de titulares dos órgãos de poder e ainda factos da sua privada cujo conhecimento e divulgação sejam necessários em virtude do exercício das respectivas funções. Práticas de aproveitamento ou de enriquecimento pessoal no exercício abusivo das funções públicas ou políticas podem e devem ser reveladas pela comunicação social (…) também factos da vida privada podem ou devem ser revelados sempre que sejam de molde a revelar anomalias de comportamento que possam indiciar o exercício anómalo dessas funções, ou o respectivo perigo» (Direito de Personalidade, Almedina, págs. 137-138). Porém, como aí pugna o mesmo autor, o juízo de licitude (da divulgação dos factos) não prescinde de uma apreciação concreta. É necessário ponderar as circunstâncias, a ligação entre a imputação ou revelações feitas pelo lesante e as funções ou cargos exercidos pelo lesado, e a necessidade da conduta lesiva. Só quando a lesão for rigorosamente necessária à prossecução do bem comum poderá a ilicitude (da divulgação dos factos) ser afastada. Se a conduta do lesante for supérflua ou desnecessária será ilícita. Os bens ofendidos (bom-nome, honra) são demasiadamente importantes para ser lesados desnecessariamente.
Importa, por último, salientar que não devem ser confundidos o interesse público, com o interesse do público. A simples satisfação da curiosidade pública ou a prossecução do lucro não são razão suficiente para a conduta, ou seja, a divulgação dos factos na comunicação social, sendo que essa ilicitude deve ser agravada se essa conduta lesiva for motivada por ódio, intuito de prejudicar, ou ganância patrimonial resultante, neste último caso, de uma concorrência desenfreada pelas audiências.