Atualmente temo-nos apercebido do aumento substancial do número de casos envolvendo o crime de stalking no Brasil e em Portugal, onde são as mulheres as principais vítimas, o principal alvo dos agressores deste novo tipo de delito criminal. Destacamos que o direito fundamental estribado no ordenamento jurídico consistente na salvaguarda da vida privada é de suma importância para o equilíbrio e desenvolvimento do ser humano. Porém, com o decorrer dos anos, tal direito tem sido acometido por múltiplas ameaças e o aumento da sua intensidade vem revelando que tais ameaças à vida privada, à integridade moral e psíquica e ao livre desenvolvimento da personalidade assumem proporções alarmantes alimentadas pelo progresso tecnológico, em especial as telecomunicações e a informática, esta última essencialmente consubstanciada nas inúmeras redes sociais que proliferam no mundo digital.
Os estudos acerca do stalking em Portugal tiveram o seu início no ano de 2007, e desde então multiplicam-se as investigações acerca desta temática, especialmente na área da Psicologia, onde são inúmeros os trabalhos que têm vindo a incidir sobre a vitimização. Em 2011 foi publicado o manual “Stalking: boas práticas no apoio à vítima”, dirigido aos profissionais que se debatem globalmente, quer na vida prática quer na teórica, com este fenómeno, o qual enformou os primeiros estudos realizados com a população portuguesa, evidenciando a prevalência desta situação anómala no país.
Em agosto de 2014, com a Convenção de Istambul, Portugal abriu espaço para a criminalização do stalking, devendo essa convenção ser considerada como um instrumento inovador. Foi o primeiro acordo internacional legalmente vinculativo e que disponibilizou um conjunto abrangente de normas com o objetivo de prevenir e combater qualquer tipo de violência contra as mulheres, abordando expressamente a temática do stalking.
A partir da entrada em vigor da Lei portuguesa nº 130/2015, que tipificou o crime de stalking (artigo154º-A CP), destaca-se o artigo 67-A do Código do Processo Penal, que ampliou e reforçou o conceito de vítima, verificando-se que a moldura penal do mencionado crime pode atingir os três anos de prisão.
No Brasil, a tipificação só ocorreu em abril de 2021, a partir da Lei nº 14.132/2021, a qual incluiu no Código Penal o artigo 147º-A, normativo que estatuiu que qualquer pessoa que cometa uma perseguição reiterada, seja qual for o meio, colocando em risco a integridade física ou psicológica da vítima, será punida com reclusão de seis meses a dois anos e multa.
O stalking caracteriza-se pela multiplicidade de atitudes, sendo justamente a repetição das ações que consubstancia este tipo de crime como um fenómeno dinâmico acompanhado de uma intrusão que põe em risco a segurança e a privacidade da vítima.
A perseguição pode ocorrer por contactos mediados, desde logo através de ações de comunicação que surgem por meio de aparelhos eletrónicos ou pelo uso de fotografias, ofertas e objetos simbólicos. Todos os contactos internacionais podem integrar uma perseguição, usando o stalker dos mais diversos expedientes de interação para astutamente e intencionalmente concretizar a aproximação pessoal, apesar de não ser necessário o diálogo para a sua idealização.
A insidiosa perseguição acarreta usualmente muitos prejuízos para as vítimas, o que é certificado por pesquisas realizadas em diversas áreas do direito e da psicologia, demonstrando que é um problema global, presente em diversos países. Por ser um comportamento inesperado e executado de forma contínua, traz sérios danos psicológicos, físicos e socioeconómicos.
O stalking pode em muitos casos consubstanciar-se ou equiparar-se a uma situação de terrorismo psicológico
O stalking pode em muitos casos consubstanciar-se ou equiparar-se a uma situação de terrorismo psicológico, não sendo raro os sintomas da agressão permanecerem mesmo depois de findas as perseguições, gerando consequências crónicas danosas, algumas de efeito patológico duradouro.
Na criminalização do stalking, o bem jurídico tutelado não é único, abrangendo um amplo conjunto de incidências em torno da liberdade pessoal, da saúde, maxime na sua vertente psíquica, da integridade moral, do livre desenvolvimento da personalidade, da honra e até do direito à imagem, o que reflete a multiplicidade de comportamentos e a heterogeneidade das condutas típicas e o modo amplo e variado como a conduta do stalker pode atingir danosamentre a vítima. Neste cenário, o fenómeno não prejudica apenas a liberdade da vítima, mas afeta profundamente também a sua privacidade, a sua imagem, a sua saúde e outros aspetos da sua vida privada. Na maioria dos casos este crime está ligado a outros tipos de delitos, podendo gerar ou estar associado a condutas ainda mais reprováveis, quer ao nível ético quer jurídico.
No Brasil a criminalização do stalking funda-se numa corrente patente numa análise do Direito Comparado que conduziu à criação da Lei nº 14.132/2021. Até essa altura – 2021 – a conduta de perseguição reiterada era punível somente como uma contravenção penal estipulada pelo artigo 65º do atual Código Penal Brasileiro, resultando em simples prisão ou multa para os infratores que molestassem ou perturbassem a paz de alguém, desestabilizando a sua tranquilidade. Em todo o caso, não deixava de ser um assinalável elemento de tutela da privacidade, da integridade moral e do livre desenvolvimento da personalidade da vítima.
A partir da inovação trazida pela criminalização presente no artigo 147-A da Lei nº 14.132/2021, o crime de stalking passou a ser caracterizado como uma ocorrência grave, recebendo um tratamento mais rígido com uma moldura penal de seis meses a dois anos de prisão além do pagamento de uma multa, podendo inclusivamente ser esta aumentada em metade quando o crime ocorra contra criança, adolescente, idoso, por razões da condição do sexo feminino ou quando seja praticado em conjunto por mais de uma pessoa ou com o emprego de armas.
Constata-se que o crime de stalking não foi apenas tipificado para punir os homens que perseguem as mulheres, mesmo sendo elas quase sempre as vítimas deste tipo de conduta. Neste âmbito, quando a ação é motivada pela condição do sexo feminino, será configurada a modalidade agravada do crime.
Por haver uma certa escassez de estudos nacionais, o termo anglo-saxónico stalking permaneceu no uso corrente, ou é traduzido como assédio persistente. Frisamos a existência da complexidade deste tema e das suas várias nuances que geram discussões, seja na literatura internacional, seja no meio académico nacional.
A questão do stalking é realmente uma problemática bastante atual, geradora de enormes desafios sociais, valorativos e jurídico-normativos. A exemplo de Portugal, onde as queixas acerca deste tipo de crime têm crescido manifestamente, a sua identificação e censura social permanecem sem o devido alcance, pois existe ainda uma reconhecível insensibilidade social sobre esta problemática.
Vale a pena frisar que o stalking traz para as vítimas grandes transformações emocionais por causa da indesejada e constante perseguição, tornando-as impotentes para o combater. Deste modo, as vítimas passam a desenvolver uma sintomatologia caraterística dos traumas psicológicos crónicos que resultam da pressão exercida pelo prevaricador com a consequente exacerbação da ansiedade, bastas vezes acompanhada de stress e outros sintomas pós-traumáticos, chegando por vezes ao desejo de suicídio.
Existem ainda outros aspetos do crime a serem considerados, para os quais a literatura científica tem buscado criar classificações, como é o caso do perfil de um stalker e da sua vítima, as estratégias de coping que são usadas pela vítima na tentativa de acabar com a perseguição ou o assédio e a relação que existe entre essa e o perseguidor, entre outras.
Para que aconteça uma integral e efetiva proteção das vítimas, é necessário que se implementem medidas prévias ao processo criminal. Sendo igualmente recomendável que os Estados adotem medidas de cunho processual cautelar nas suas legislações, desde logo com a finalidade de prevenir a salvaguarda da prova, de forma a garantir a eficácia final do processo criminal.
