O Boletim OA entrevistou o economista Miguel Teixeira Coelho, autor da obra “Segurança Social – Passado, Presente e Futuro” e antigo Vice-Presidente do Instituto da Segurança Social.
Participou nos processos de integração de diversas Caixas de Previdência na Segurança Social. Quais os principais motivos comuns que levaram a essas integrações?
Durante o exercício das minhas funções públicas como Vice-Presidente do Instituto da Segurança Social (ISS), entre 2011 e 2013, tive oportunidade de assumir responsabilidades em três processos de natureza distinta em matéria de integração, na esfera pública, de responsabilidades privadas no âmbito da proteção social.
Em primeiro lugar, a partir de 1 de janeiro de 2011, os empregados bancários foram integrados no Regime Geral da Segurança Social, que passou a assegurar a proteção dos colaboradores nas eventualidades de maternidade, paternidade, adoção e ainda de velhice (para além das já anteriormente assumidas pelo sistema público em matéria de desemprego e doenças profissionais), permanecendo sob a responsabilidade dos bancos a proteção na doença, invalidez, sobrevivência e morte (Decreto-Lei n.o 1-A/2011, de 3 de janeiro). Neste processo dá-se ainda a extinção da Caixa de Abono de Família dos Empegados Bancários (CAFEB), sucedendo-lhe o ISS nas atribuições, direitos e obrigações.
Em segundo lugar, e na sequência da aprovação pelo Governo do Decreto-Lei n.o 127/2011, de 31 de dezembro,foi estabelecido um Acordo Tripartido entre o Governo,a Associação Portuguesa de Bancos e os Sindicatos dos trabalhadores bancários sobre a transferência, para a esfera da Segurança Social, das responsabilidades das pensões em pagamento dos reformados e pensionistas a 31 de dezembro de 2011. Este Decreto-Lei estabeleceu que as responsabilidades a transferir correspondiam às pensões em pagamento em 31 de dezembro de 2011, a valores constantes (taxa de atualização 0%), sendo as atualizações subsequentes nos valores das pensões da responsabilidade das instituições de crédito. Para pagamento das responsabilidades assumidas pela Segurança Social foram transmitidos para o Estado, via Ministério das Finanças, ativos dos fundos de pensões num montante de 5.971 milhões de euros.
Por fim, com o Decreto-Lei n.o 26/2012, de 6 de fevereiro dá-se a extinção da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas, das caixas de previdência dos Trabalhadores da Empresa Portuguesa das Águas Livres, S. A., do Pessoal das Companhias Reunidas Gás e Electricidade e do Pessoal dos Telefones de Lisboa e Porto e da «Cimentos» — Federação de Caixas de Previdência e suas caixas federadas. A extinção das referidas caixas de previdência foi efetivada por integração no ISS, que assim sucedeu àquelas instituições nas respetivas atribuições, sendo os beneficiários e contribuintes integrados total e definitivamente no Sistema de Segurança Social.
Os motivos que estiveram na origem dos processos referidos são de natureza distinta.
Em primeiro lugar, procurou-se a harmonização do sistema de proteção social dos trabalhadores abrangidos pelas Caixas de Previdência com o Regime Geral de Segurança Social, bem como a concretização dos princípios de convergência e universalização dos regimes de proteção social públicos, previstos na Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.o 4/2007, de 16 de janeiro);
Em segundo lugar, e em particular no processo de integração realizado ao abrigo do Decreto-Lei n.o 26/2012, de 6 de fevereiro, as dificuldades das Caixas de Previdência realizarem a sua missão por insuficiência de recursos acelerou o processo de integração.
Por fim, e no que respeita especificamente ao processo de transferência de responsabilidades das pensões em pagamento dos reformados e pensionistas a 31 de dezembro de 2011 (Decreto-Lei n.o 127/2011, de 31 de dezembro), a causa principal residiu nas dificuldades financeira que Portugal enfrentou em 2011 e a necessidade de redução do défice público.
Foi a transferência de mais de 5.971 milhões de euros para os “cofres” do Estado que permitiu que o défice de 2011 declarado a Bruxelas fosse de 4,2%, cumprindo as metas da troika, em vez dos 7,8% caso a operação não se tivesse realizado.
Quanto tempo demoraram esses processos de integração?
O processo de integração das Caixas de Previdência no Instituto da Segurança Social (ISS), que incluiu também a integração de trabalhadores, decorreu num período inferior a um ano sem grandes perturbações.
Nesses processos de integração, foram assegurados todos os direitos adquiridos por parte dos beneficiários, ou houve necessidade de ajustes?
No que respeita aos direitos adquiridos eles foram integralmente respeitados, ainda que o património de algumas das caixas extintas fosse insuficiente para cobrir todas as responsabilidades em pagamento.
E relativamente aos direitos em formação, como foram acautelados?
A questão dos direitos em formação teve particular relevância no âmbito da aplicação do Decreto-Lei n.o 1-A/2011, de 3 de janeiro.
Com efeito, alguns aspetos tiveram de ser acautelados, nomeadamente no que respeita à equivalência à entrada de contribuições e totalização de períodos contributivos para efeitos de proteção na eventualidade de maternidade, paternidade e adoção.
Em todo o caso, no essencial, os trabalhadores não ficaram prejudicados com esta transição.
Na experiência adquirida confirmaram-se os receios e/ ou dúvidas dos que temiam a mudança?
Em processos desta natureza, existem pelos menos três tipos de receios/dúvidas.
Um primeiro tipo de receios/dúvidas tem a ver com as questões de natureza técnica e de recursos humanos. Neste aspeto, e no essencial,tudo decorreu com normalidade, na medida em que se assegurou a integridade da informação a transitar, bem como um adequado enquadramento dos trabalhadores.
De igual forma, neste tipo de processos, geram-se sempre algumas inquietações no que respeita à relação entre os beneficiários e a nova estrutura gestora, bem como à manutenção de direitos. Julgo que, também aqui, o processo decorreu de forma muito positiva, sem prejuízo dos normais transtornos que resultam do facto dos tempos de respostada Segurança Social aos seus beneficiários nem sempre serem os mais adequados.
Por fim, as questões relacionadas com as garantias futuras sobre o cumprimento por parte dos Estado dos denominados direitos adquiridos e direitos em formação.
Sobre isso, e sem entrar em discussão sobre o tema da sustentabilidade da Segurança Social, o que sabemos é o seguinte.
Por um lado, o Estado tem procedido a diversas alterações ao longo dos anos nas denominadas prestações imediatas (i.e., parentalidade, subsídio de desemprego, etc.), sem acautelar períodos de transição.
Por outro lado, relativamente às prestações diferidas (i.e., pensões de velhice) em formação, e apesar de se ter observado uma trajetória de redução de benefícios, essas alterações têm sido realizadas assegurando alguns períodos transitórios com vista a minimizar o impacto nos futuros beneficiários.
Por fim, no que respeita aos direitos adquiridos, o Estado tem até hoje assegurado o cumprimento desses direitos, utilizando para tal “todos os meios para atingir esses fins” (nomeadamente transferências do Orçamento de Estado para a Segurança Social).
Quais considera serem as grandes vantagens da Segurança Social em relação a Caixas de Previdência com gestão privada? E quais as eventuais vantagens das Caixas de Previdência em relação ao sistema geral da Segurança Social?
Do ponto de vista conceptual, existem vantagens e desvantagens associadas aos sistemas públicos e aos sistemas privados de proteção social.
Sem ser exaustivo, destacaria pelo lado positivo a natureza universal e não discriminatória do Sistema de Segurança Social, bem como a sua maior flexibilidade em matéria profissional, quer ao nível setorial, quer a nível geográfico (no quadro da União Europeia), ao contrário do que acontece com as Caixas de Previdência.
Por outro lado, no sistema público a definição de benefícios está muito dependente de decisões políticas e menos de decisões técnicas (i.e., atuariais), ao contrário do que acontece com as Caixas de Previdência, em particular aquelas que assentam em modelos atuariais de capitalização (que não é o caso da CPAS).
Por fim, e no que respeita às questões de sustentabilidade, os modelos privados assentes em modelos de capitalização, se bem geridos e actuarialmente equilibrados, são a solução que melhor assegura a equidade intergeracional e uma eficiente utilização de recursos. Ao invés, os sistemas públicos como a Segurança Social (e, de entre os modelos privados, a CPAS) tendo uma natureza de repartição (i.e., pay as you go), permite maior generosidade nos benefícios atribuídos, em prejuízo da equidade intergeracional na medida em que obrigam, muitas vezes, a um esforço desproporcional das gerações mais novas (i.e., quotizações para a Segurança Social e impostos) para assegurar o pagamento dos benefícios assumidos.
“A existência de um sistema público de proteção social é um elemento central na construção de uma economia desenvolvida e socialmente justa.”
Procurando balancear prós e contras de um e outro modelo, gostaria de salientar que a existência de um sistema público de proteção social é um elemento central na construção de uma economia desenvolvida e socialmente justa.
Ainda assim, não deverá competir exclusivamente ao Estado um papel de garante da proteção social. Na realidade, um modelo de proteção social assente, numa componente obrigatória pública de repartição (Pilar I); numa componente de capitalização, privada ou pública, obrigatória (Pilar II); e numa componente complementar, pública ou privada, de natureza facultativa (Pilar III), parece ser aquela que melhor resposta dará às necessidades dos cidadãos.
Como vê a manutenção da existência de uma única caixa de previdência de gestão privada quando todas as restantes foram alvo de processos de integração?
Em abstrato, poder-se-á dizer que a manutenção da CPAS não faz sentido à luz da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.o 4/2007, de 16 de janeiro), que prevê a concretização dos princípios de convergência e universalização dos regimes de proteção social.
No plano mais concreto, a criação de uma solução em que os/as Advogado/as poderão optar entre a CPAS e o Sistema de Segurança Social público parece-me difícil de assegurar.
Na realidade, tendo em consideração que a CPAS assenta num modelo de repartição (i.e., pay as you go), a saída de parte do universo de contribuintes poderá colocar em causa as prestações em pagamento.
Em face do anterior, entendo que a CPAS, se adotar um modelo de capitalização, ao invés do atual modelo de repartição, poderá ter um papel importante enquanto segundo ou terceiro pilar do modelo de proteção social que defendi anteriormente.
Tendo em consideração que a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) tem uma pirâmide quase perfeita e, ainda assim, os valores recebidos de contribuições não acautelam os valores pagos de reforma por velhice e pensão de sobrevivência, entende que este sistema a médio longo prazo será sustentável?
Os regimes de previdência assentes numa lógica de repartição (i.e., pay as you go) que, como se referia, é o caso da CPAS, num quadro de aumento da esperança média de vida, só são intertemporalmente sustentáveis se cumulativamente se verificarem pelo menos duas condições: a existência de uma pirâmide etária “normal” e um aumento continuado das contribuições médias dos trabalhadores.
No caso dos sistemas públicos como o português, o desequilíbrio projetado entre receitas e despesas num horizonte de 20 anos só poderá ser compensado por transferências do Orçamento de Estado, ou seja, por impostos.
No caso das CPAS, como não existem mecanismos equivalentes, a existência de um quadro como o referido, em que “os valores recebidos de contribuições não acautelam os valores pagos de reforma por velhice e pensão de sobrevivência”, parece-me preocupante.
A CPAS não tem mecanismos iguais aos da Segurança Social para assegurar apoios na parentalidade, na doença e na quebra abrupta de rendimentos, aplicáveis aos trabalhadores independentes. Parece-lhe que a existência deste regime de gestão privada se deve manter sem assegurar tais direitos de previdência?
A Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.o 4/2007, de 16 de janeiro), assenta em dois princípios que me parecem extremamente importantes.
Em primeiro lugar, o princípio da universalidade (artigo 6.o) que consiste no acesso de todas as pessoas à proteção social assegurada pelo sistema.
Em segundo lugar, o princípio da igualdade (artigo 7.o) que consiste na não discriminação dos beneficiários, designadamente em razão do sexo e da nacionalidade.
“Não me parece razoável que os/as Advogados/as não estejam abrangidos por estes princípios gerais do sistema, na medida em que não têm uma proteção assegurada em eventualidades tão relevantes como a parentalidade, doença ou situações de carência económica.”
Dito isto, não me parece razoável que os/as Advogados/as não estejam abrangidos por estes princípios gerais do sistema, na medida em que não têm uma proteção assegurada em eventualidades tão relevantes como a parentalidade, doença ou situações de carência económica.
A fórmula de cálculo do pagamento de contribuições na CPAS não tem respaldo na capacidade contributiva de cada beneficiário e faz-se com base em presunções de rendimento que não são passíveis de ser ilididas. Por exemplo, um/a Advogado/a que aufira mensalmente 1200€ tem que contribuir pelo menos com 277,77€/mês – configurando um esforço contributivo de 25% do seu rendimento – e um/a Advogado/a que aufira mensalmente 5000€ poderá também contribuir com os mesmos 277,77€/mês – configurando um esforço contributivo de valor inferior a 5% do seu rendimento. Entende que esta fórmula de cálculo respeita os valores constitucionais, nomeadamente o princípio da capacidade contributiva?
Sendo economista de formação não gostaria de me pronunciar sobre matérias de direito constitucional, quebrando a velha máxima grega de que “não vá o sapateiro para além das sandálias”. Em todo o caso, não gostaria de deixar de chamar a atenção para os seguintes aspetos.
Sendo a capacidade contributiva entendida como capacidade económica, deveria excluir (sentido negativo) a possibilidade de exigir uma contribuição em situações que não revelem capacidade económica.
Daqui resulta que o mínimo de contribuição de 277,77€/mês poderá ser desproporcionado face à capacidade económica do(a) Advogado(a).
Saliente-se que, no caso dos trabalhadores Independentes inscritos na Segurança Social, existe obrigação contributiva mesmo que o rendimento seja nulo (desde que não cesse a atividade). Na realidade, sendo o valor das contribuições devidas inferior a 20, pela aplicação do rendimento relevante apurado, é fixada a base de incidência que corresponda ao montante das contribuições naquele valor. Ou seja, também aqui existe um mínimo de contribuição, ainda que de valor muito inferior ao previsto na CPAS.
Numa outra dimensão, importa referir, que no Sistema de Segurança Social, as quotizações e contribuições estão ligadas diretamente ao rendimento, sendo que os benefícios atribuídos no âmbito das pensões de velhice são mais favoráveis aos que contribuíram menos do que aos que contribuíram mais.
Ou seja, os contribuintes com rendimentos mais elevados contribuem para o sistema em maior proporção do que os contribuintes com rendimentos menores, quando comparado com os benefícios obtidos, beneficiando desta forma o sistema do ponto de vista da sustentabilidade.
Admitindo que não existe mecanismo semelhante na CPAS, a inexistência de uma correlação direta entre contribuições e rendimentos, apesar de neutra em termos de sustentabilidade, poderá também, nesta perspetiva, não respeitar o princípio da capacidade contributiva.
Qual poderá ser o impacto para o Instituto de Segurança Social (ISS) da entrada de 50 mil beneficiários da CPAS, considerando que cerca de metade serão beneficiários ativos, isto é, que pagam contribuições? Entende que poderá desequilibrar as contas da Segurança Social?
Do ponto de vista operacional, o ISS, enquanto Instituto responsável pela relação entre os cidadãos e a Segurança Social, tem condições para assegurar essa integração, colocando os beneficiários da CPAS ao nível dos outros utentes do ISS (o que significa, também, que enfrentarão as mesmas facilidades e dificuldades que qualquer outro cidadão no acesso ao sistema).
No que respeita ao impacto nas contas da Segurança Social, e não tendo conhecimento detalhado da forma como o processo irá decorrer e quais os benefícios/responsabilidades que irão ser definidos/assumidos, julgo que o mesmo não será materialmente relevante tendo em consideração um nível de despesa anual da Segurança Social superior a 25.000 milhões de euros.
Que direitos básicos considera devem ser acautelados num modelo de previdência ideal e coincidente com os direitos de previdência previstos tanto a nível nacional e até europeu?
A Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.o 4/2007, de 16 de janeiro) define como princípios gerais do Sistema de Segurança Social o princípio da universalidade, da igualdade, da solidariedade, da equidade social, dadiferenciação positiva, da subsidiariedade, da inserção social, da coesão intergeracional, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da unidade, da descentralização, da participação, da eficácia, da tutela dos direitos adquiridos e dos direitos e formação, da garantia judiciária e da informação.
De entre os princípios elencados, destacaria quatro como elementos centrais na definição de um modelo de segurança social.
Em primeiro lugar, o princípio da equidade social (Artigo 9.o) que se traduz no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais.
Em segundo lugar, o princípio da diferenciação positiva (artigo 10.o) que consiste na flexibilização e modulação das prestações em função dos rendimentos, das eventualidades sociais e de outros fatores, nomeadamente, de natureza familiar, social, laboral e demográfica.
Em terceiro lugar, o princípio da coesão intergeracional (artigo 13.o) que implica um ajustado equilíbrio e equidade geracionais na assunção das responsabilidades do sistema.
Por fim, o princípio da eficácia (artigo 19.o) que consiste na concessão oportuna das prestações legalmente previstas, para uma adequada prevenção e reparação das eventualidades e promoção de condições dignas de vida.
Em face do anterior, e de uma forma sintética, diria que os modelos de proteção social, para assegurarem uma verdadeira proteção social, deverão responder a quatro requisitos essenciais.
Em primeiro lugar, deverão ter capacidade de responder, em cada momento, às problemáticas sociais emergentes, nomeadamente através da inovação social, devidamente contextualizada, em particular, nas novas dinâmicas do mercado de trabalho.
Em segundo lugar, um sistema de proteção social só cumpre verdadeiramente o seu objetivo se garantir que os riscos sociais sãos protegidos de forma adequada e assegurando, simultaneamente, equidade na sua realização.
De igual forma, importa garantir uma adequada ligação entre os resultados obtidos e os recursos despendidos, na medida em que a resposta aos problemas sociais não pode depender, exclusivamente, do montante de recursos empregues em detrimento de uma análise custo-benefício das soluções adotadas.
Por fim, qualquer sistema que assente no princípio da solidariedade intergeracional só sobrevive desde que seja assegurada a sua sustentabilidade intertemporal. Na realidade, não é possível garantir a solidariedade da geração atual quando esta perspetiva a falência futura do sistema.
Quais são os principais desafios da Segurança Social no futuro?
A construção de um novo modelo de Segurança Social, não está dissociada das condições de natureza transversal que condicionam o “sucesso” dos esquemas de proteção social, independentemente da sua natureza.
Com efeito, as condições económicas de um país são elemento base para a construção de um sistema de proteção social robusto, uma vez que os níveis de proteção assegurados pelos sistemas de segurança social estão fortemente correlacionados com os níveis de crescimento económico e endividamento dos Estados, o que significa que a capacidade da economia crescer de forma continuada a níveis potenciais facilitam a extensão e o aprofundamento da proteção social. Atente-se que, em sentido inverso, a existência de uma proteção social adequada é também geradora de crescimento económico.
Uma segunda condição de base prende-se com a existência de uma estrutura demográfica “saudável”. Com efeito, a existência de uma pirâmide etária invertida condiciona, não apenas o crescimento económico, e desta forma as receitas do sistema, mas também gera pressão ao nível das despesas, degradando duplamente a sustentabilidade e/ou adequação de qualquer sistema de proteção social. Também aqui, e em sentido inverso, um sistema de segurança social devidamente “orientado” pode promover a melhoria das condições demográficas e, desta forma, assegurar a sustentabilidade do sistema.
Assim, e tendo por base que uma economia robusta com uma estrutura demográfica saudável é condição base para a sustentabilidade de um qualquer sistema de Segurança Social, a reforma do sistema de Segurança Social terá de ser concretizada e passará por alterações que permitam simplificar o quadro legal e a organização de suporte ao sistema, reforçando-se, simultaneamente, o controlo, sustentabilidade e equidade do mesmo.
Sinteticamente, de entre as áreas de intervenção que merecem uma atenção particular destacaria as seguintes.
Em primeiro lugar, é essencial a simplificação do quadro legal aplicável e a criação de menos prestações (mas mais abrangentes) que permitam dar resposta, não apenas aos riscos sociais tradicionais, mas também aos denominados “novos riscos sociais”.
Em segundo lugar, importa reduzir as sobreposições de estruturas assentes no reforço do planeamento integrado das atividades, bem como numa reengenharia de processos e suporte informático adequado, de forma a assegurar uma plena transformação digital da Segurança Social.
É igualmente essencial a adoção de um sistema eficaz de controlo das prestações atribuídas, melhorando a comunicação com os beneficiários, num quadro de reforço da educação cívica em matérias de segurança social, bem como através de uma adequada prestação de informação (nomeadamente a estatística) que permita uma avaliação adequada da atividade da segurança social e das políticas sociais.
O alinhamento dos benefícios com o esforço contributivo realizado, no âmbito do Sistema Previdencial, e a generalização da aplicação da condição de recursos na atribuição de prestações, no âmbito do Sistema de Proteção Social e Cidadania, reforçando desta forma a equidade horizontal (ou geracional) bem como a equidade vertical (intergeracional), parecem-me também elementos essenciais para a melhoria do sistema.
Por fim, destacaria ainda a necessidade de promover os mecanismos voluntários de poupança. Com efeito, a manutenção de níveis de vida adequados, em situações de redução temporária dos rendimentos ou após a entrada na idade de reforma, não deve ser apenas tarefa do Estado, cabendo a cada trabalhador, apoiado, sempre que possível, pela entidade empregadora, a constituição de níveis de poupança ao longo da vida ativa que, em complemento com os sistemas públicos obrigatórios, permitam assegurar adequadas condições de vida.
“É essencial iniciar definitivamente, e com o envolvimento da sociedade civil, uma discussão séria sobre o modelo de segurança social que pretendemos ter.”
Para finalizar, gostaria apenas de referir o seguinte.
No livro “Segurança Social: Situação Atual e Perspetivas de Reforma”, que publiquei em 2013, afirmei que era essencial iniciar definitivamente, e com o envolvimento da sociedade civil, uma discussão séria sobre o modelo de segurança social que pretendemos ter.
Infelizmente, 11 anos depois, as “lutas ideológicas” continuam-se a sobrepor-se a uma realidade inexorável, impedindo uma discussão séria sobre um tema que a todos diz respeito e contribuindo, desta forma, para que o dia em que nada teremos para discutir (tal como nas questões ambientais) esteja cada vez mais próximo.