Poderá a IA salvar a advocacia de si mesma?
por Vera Lúcia Raposo
Professora de Direito (Law&Tech)
NOVA School of Law – Universidade NOVA (Lisboa)
A advocacia é, por natureza, uma profissão vista como conservadora. Durante muito tempo essa imagem foi confirmada pelo quotidiano forense, marcado por uma certa aversão à novidade (sobretudo tecnológica) e uma preferência por formas tradicionais de pensar e de fazer. O cenário tem vindo a mudar, mas ainda assim a advocacia enfrenta hoje um dos seus maiores desafios: como sobreviver ao tsunami tecnológico?
Muitos perguntar-se-ão se este avassalador mundo digital tem ainda lugar para si. Ora, nada se perde, tudo se transforma, e o conhecimento jurídico clássico continua a ser imprescindível. Não há IA generativa que nos valha sem uma base sólida de saber adquirido.

Vera Lúcia Raposo
Professora de Direito (Law&Tech)
NOVA School of Law – Universidade NOVA (Lisboa)
Dito isto, este é um momento decisivo: é preciso escolher entre evoluir e aprender ou ficar parado a ver o mundo avançar sem nós. Quem recusar o uso de bases de dados jurídicas online e insistir em folhear códigos em papel para encontrar jurisprudência; ou preferir escrever petições sem qualquer apoio de revisão inteligente ou formatação automática, enfrentará dificuldades num mundo que corre à velocidade da luz e onde a informação se mede em gigabytes e petabytes.
Nesta era digital, os dados cresceram de forma exponencial e com eles o volume de informação relevante para cada processo. O tempo humano para analisar tudo isto não cresceu na mesma medida, e não pode crescer porque somos humanos e temos de dormir, comer e, idealmente, pensar. As ferramentas de IA ajudam-nos a quebrar este impasse, fazendo em minutos o que levaria horas a uma equipa inteira de advogados. Conseguem rever milhares de documentos, localizar informação relevante, identificar cláusulas ausentes ou inconsistências contratuais e até detectar incorrecções de forma mais rápida e rigorosa do que nós (sem prejuízo de alguns erros, por vezes crassos, para os quais também se exige literacia digital da nossa parte), poupando tempo, dinheiro e energia criativa.
Este é o ponto crucial: libertar o nosso cérebro para o que é verdadeiramente importante. Quando não estamos atolados em tarefas repetitivas e cansativas, podemos dedicar-nos àquilo que só um advogado humano consegue fazer: construir argumentos estratégicos, conversar com clientes, desenvolver teorias de caso, aconselhar com base em nuances éticas e jurídicas que nenhuma máquina consegue replicar. A IA não nos substitui no que temos de melhor; dá-nos tempo para sermos melhores.
Isto não significa que todos tenham de se tornar programadores ou entusiastas da IA. Significa, sim, que é necessário adquirir uma literacia digital mínima, compreender as ferramentas que hoje moldam o exercício do direito e aprender a tirar delas o melhor proveito, mas também aprender quando as corrigir ou mesmo recusar. Hoje em dia existem diversas ofertas de formação que permitem dar esse passo, desde programas promovidos por ordens profissionais até cursos especializados oferecidos por universidades (a NOVA School of Law disponibiliza vários todo o ano), concebidos precisamente para capacitar juristas para os desafios da era digital.
Trata-se de usar a tecnologia para reduzir o stress e o risco de erro, melhorar a qualidade e a consistência do trabalho e reforçar a confiança do cliente. A advocacia que ignora a IA arrisca-se a ser esmagada pelo volume de informação e pela velocidade do mundo. A advocacia que a incorpora, pelo contrário, pode redescobrir o prazer da profissão: menos fadiga e burocracia, mais estratégia e criatividade. Está na hora de nos libertarmos das tarefas que nos prendem ao detalhe burocrático e voltarmos ao que nos define, ou seja, pensar o Direito.