Por Margarida Gaspar de Matos,
Psicóloga Clínica e da Saúde, Professora Catedrática da Universidade Católica Portuguesa
O avanço digital é uma enorme janela de oportunidades, mas, como todos os avanços civilizacionais, precisamos saber como lidar com efeitos colaterais prejudiciais:
Vamos ver o que as pesquisas nos dizem sobre o uso da internet e a saúde psicológica e bem-estar em menores. Mencionarei os resultados do estudo europeu Health Behaviour in School-aged Children (HBSC/OMS) para Portugal e do Observatório de Saúde Psicológica e Bem-Estar (OSPBE) em Portugal.
80% dos adolescentes em idade escolar (4 em cada 5) são de facto felizes e saudáveis[1]
Estamos a falar de 20% (1 em cada 5) dos alunos que apresentam alguma perturbação psicológica (em 2022, 1 em cada 3 ou 33% e em 2024, 1 em cada 4 ou 25%)[2]
Após a COVID-19, houve um aumento generalizado de mal-estar: problemas de saúde psicológica; queixas múltiplas de saúde, mais sintomas psicológicos, reportados pelos estudos já referidos e ainda pela OCDE[3]. Quanto ao uso problemático da Internet (UPI/ PIU), em 2018 era de 7% entre adolescentes, aumentando para 11% em 2022.
O uso médio parece ser o mais adequado: um uso de 1h a 2h – uso para trabalho/recreação/socialização/informação/serviços/até mesmo jogos online moderados. O uso excessivo está associado a problemas físicos/isolamento social/doença mental – falta de sono; e uma limitação de alternativas na vida e na relação com a família; colegas; escola; hobbies.[4]
Segundo o OSPBE o que torna os jovens mais felizes e saudáveis é o sentimento de pertença, a perceção de segurança, a perceção de apoio/conexão entre colegas e professores, a perceção de competência e autoconfiança2.
O digital torna a vida muito mais fácil: aumenta o acesso à informação, à socialização, às oportunidades; em suma, a uma vida melhor com menos injustiça, sendo um motor de desenvolvimento civilizacional. O lado negativo é justamente o uso excessivo ou inadequado que pode causar diversos problemas físicos e psicológicos, além de dependência/ adição ou do acesso a conteúdos inadequados, prejudiciais e de manipulação. Podemos ficar presos a algoritmos, limitando nossa vida e concentrando-nos apenas na vida online, por exemplo com FOMO (Fear Of Missing Out/ receio de ser ignorado) e desenvolvendo sintomas de mal-estar físico, mental e social e mesmo correndo o risco de ser manipulado e sair magoado; ou simplesmente sentir o peso de demasiada informação não integrada e sem garantia de qualidade ou mesmo veracidade.
Muitos pais perguntam-se como gerir a utilização da Internet por parte dos filhos, embora muitos deles sejam na realidade grandes “consumidores”.
Agora que a dependência da internet e o mau uso do digital estão identificados, em vez de proibições pesadas, algo desesperadas ou mesmo tratamentos clínicos (que, claro, às vezes são necessários, especialmente se os problemas já foram longe demais), diria que são necessárias estratégias universais de prevenção nas escolas (adotando uma perspetiva de toda a escola, envolvendo professores, alunos, outros funcionários e famílias) e uma intervenção precoce com as família, para que possamos aumentar a consciencialização dos benefícios e dos problemas associados à Internet e sermos capazes de gerir o tempo online como uma nova competência, que se tornou relevante com as mudanças sociais e tecnológicas das últimas décadas.
Diria que mais do que nunca é importante a qualidade da comunicação em família, desde muito antes de os problemas aparecerem e a criação de uma cultura familiar de uso da Internet, com estabelecimento de regras (poucas e partilhadas e com custos de resposta definidos). Depois, a flexibilidade é um trunfo da família[5] na gestão das dificuldades associadas ao uso da Internet e claro os modelos parentais. A cultura familiar pode ajudar a gerir este uso, como qualquer outra situação “lá da casa” (sono, alimentação, higiene pessoal, trabalhos de casa, apoio nas tarefas domésticas, etc.) muito precocemente, com muito diálogo, partilha5 e sempre procurando “o caminho do meio”[6]
É ainda muito útil identificar desafios e alternativas offline, adotando uma perspetiva intergeracional: o que podem na família fazer juntos e offline? (e na escola?, nas aulas e nos recreios? )
Os desafios digitais impulsionam a criar e promover ambientes saudáveis (ecossistemas saudáveis) e a focar nas pessoas, no seu bem-estar e saúde psicológica.
O objetivo do desenvolvimento humano não é apenas “ disciplinar” , nem sequer apenas “estar-bem”, precisamos de um desenvolvimento positivo, não apenas de evitar problemas, correndo atrás do prejuízo.
Pais (e professores) precisam de encontrar o equilíbrio ideal entre negligência e superproteção. Se as proibições se podem tornar necessárias quando as coisas foram “longe demais”, de preferência precisamos ser competentes e motivados o suficiente para lidar com as situações- problema associadas ao uso excessivo da Internet (como fazemos com a alimentação, higiene pessoal, sono, etc.).
Seria útil nas famílias um foco nas expectativas em relação ao futuro co-construido, adotando uma abordagem preventiva, positiva, participativa e capacitadora, valorizando o bem-estar e a conexão interpessoal e integrando o melhor de dois mundos: pessoas conectadas online e offline, num ecossistema amigável e participado.
[1] Relatório do estudo HBSC da OMS em Portugal em 2018 e em 2022, em Aventura Social www.aventurasocial.com
[2] Relatório do estudo do Observatório da Saúde Psicológica em bem estar em 2022 e em 2024 em DGEEC https://www.dgeec.medu.pt/p/educacao-pre-escolar-basico-e-secundario/observatorios/observatorio-da-saude-psicologica-e-do-bem-estar
[3] OCDE – https://www.oecd.org/en/publications/oecd-digital-education-outlook_7fbfff45-en.html
[4] Matos, MG & Ferreira, M. (coord) (2013 ) Nascidos digitais; Coisas de Ler
[5] Matos, MG; Magalhães, C; Camacho, I; Gomes, P ( 2024) A Arte de Caminhar ao Longo da Vida; Pactor
[6] Matos, M.G & Pereira, R.(2020) Liga-te na boa a uma Internet Segura, Nuvem de Letras


