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A título mais prático, pedimos a dois especialistas um levantamento da jurisprudência mais recente na área da Família e da Criança. Esta é a recolha feita por Odete Soares (Professora Convidada da NOVA School of Law) e por Miguel Simões Correia (Doutorando em Direito da NOVA School of Law).

 

  1. Acórdão n.º 579/2025 do Tribunal Constitucional[1]

Sumário: Não julga inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal (na redação da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto), no segmento normativo em que determina a obrigatoriedade de aplicação da pena acessória com limite mínimo de cinco anos para a proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pela condenação pelo crime previsto nos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; não julga inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 69.º-C do Código Penal (na redação da Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto), no segmento normativo em que determina a obrigatoriedade de aplicação da pena acessória com limite mínimo de cinco anos para a proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pela condenação pelo crime previsto nos artigos 171.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

 

  1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2024, nº do processo: 2702/15.8T8VNG-C.P1.S3[2]

Sumário:

  1. A mãe da BB beneficiou de sucessivas oportunidades para assumir a maternidade responsável e, a construção de condições de vida para assegurar a confiança da filha; não tendo logrado inverter o quadro inicial de perigo para a menor, durante seis anos, não se antevê provável que tal suceda no futuro.
  2. Não pode o tempo da menor, que “não é o tempo dos adultos”, parar até que a mãe altere o seu padrão de vida, sem a sujeitar à permanente instabilidade, ou à revelada incapacidade parental para constituir uma família que integre e proteja a filha.

III. Na adopção, em ordem à satisfação do interesse superior da criança, na articulação entre a preservação da criança em perigo no seio da família biológica e, o princípio da prevalência da família, terá de ceder quando se configurar situação em que os progenitores, por acção ou omissão, colocam em causa e fazem perigar a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o são desenvolvimento da criança.

 

  1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2025, nº do processo: 291/21.3T8VIS-A.C1.S1[3]

Sumário: Não é do interesse de um menor de 10 anos, quase 11, a imposição de convívios com o pai, se não se demonstra que este constitui para ele uma referência afectiva, demonstrando-se, pelo contrário, que esses contactos forçados se não relevam benéficos para o menor, em termos da sua saúde física e emocional.

 

  1. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.09.2025, nº de processo: 3575/23.2Y6LSB.L1-3[4]

Sumário:

A Lei tutelar educativa configura-se como instrumento de intervenção desenvolvido pelo Estado com o intuito de resolver a questão de delinquência juvenil e garantir o bem-estar e proteção dos cidadãos, assumindo uma função educativa.

Do ponto de vista da Política Social, a avaliação das políticas e programas sociais constituem-se sempre como momentos importantes para atender às novas especificidades do problema e necessidades evidenciadas ao longo da implementação da política (Howard & Sherwood, 1981).

Neste caso, a menor, ainda com 13 anos de idade, bateu nas suas colegas de escola e nas suas vizinhas (em 4 pessoas no espaço de poucos meses), tem um percurso escolar pouco satisfatório, tem dificuldades em lidar com a frustração, e de controlo dos impulsos quando confortada de forma mais ríspida, ou perante situações de tensão. Acresce que a progenitora tem uma atitude desculpabilizante da menor.

Em face dos factos dados como provados reveladores da prática de quatro crimes de ofensa à integridade física e um crime de injúria, por uma menor de 13 anos, julga-se que a medida é bastante adequada e proporcional, posto que os pais não revelaram até agora capacidade de conter os comportamentos agressivos da menor, com o qual têm um relacionamento afectivo e pautado pela presença física, até porque são ambos desempregados de longa duração.

No que concerne à duração da medida, cremos que se pecar é apenas por defeito e não por excesso, sendo difícil de antever que bastem 12 meses para lograr uma satisfatória educação para o direito.

Não obstante a medida aplicada ter a duração de 12 meses, a mesma pode ser revista se a mesma se revelar desnecessária devido aos progressos educativos alcançados pelo menor (artigo 136º, nº 1, al. d) da LTE. Nesse caso pode ser reduzida ou mesmo declarada extinta artigos 138, nº 1 als d) e e) da citada Lei.

 

  1. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.06.2025[5]

Sumário:

I – Os processos de jurisdição voluntária, onde se integram as providências tutelares cíveis, apesar da simplificação de procedimentos e de menor vinculação à lei e aos critérios de legalidade, não dispensam o tribunal de fundamentar adequadamente, de facto e de direito, a decisão, ainda que de forma mais sintética daquela que é exigida a uma sentença;

II – A afirmação de que o direito de os pais educarem os filhos não abrange o direito de os agredir, de os ofender na sua dignidade, integridade física e psíquica ou liberdade traduz o reconhecimento de que tais situações consubstanciam um tratamento desumano, degradante e, por isso, violador dos direitos humanos da criança, tal como vem sendo reiteradamente defendido pela ONU (Comité dos Direitos da Criança) e pelo Conselho da Europa.

 

  1. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.02.2025, processo nº 646/21.3T8LRA.C1[6]

Sumário:

I – A alínea b), do nº 1, do art.º 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos – os ónus enunciados nesta norma pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido/ a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas nesta norma deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco.

II – O que se compreende porque ao tribunal de recurso não cabe efetuar um reexame do processo – fazer ex novo um segundo julgamento –, mas proceder à reponderação das questões suscitadas pelas partes no recurso, sem prejuízo, naturalmente, das que são de conhecimento oficioso.

III – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

IV – Sendo certo que o legislador não definiu o que deva entender-se por interesse do menor – cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança – o conceito tem vindo a ser definido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e a que lhe sejam proporcionadas as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral.

V – Deve, pois, o Tribunal, em cada caso, adoptar a solução que menor choque possível represente para a vida das crianças, nas circunstâncias, procurando assegurar uma determinada continuidade na educação e ao mesmo tempo, que os menores fiquem a residir com o progenitor que mais garantias dê de lhes poder prestar mais assistência e carinho que no dia-a-dia eles necessitam, devendo definir uma situação que minimize os efeitos traumáticos em consequência da separação dos progenitores.

 

  1. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.05.2025, processo nº 436/13.7T6AVR-J.P1[7]

I – Invocando o requerente o incumprimento do que se encontra regulado quanto ao regime de visitas e contactos entre o pai e o menor, alegando que a mãe impede os convívios deste com aquele desde determinado momento temporal, o que há que apurar é apenas se existe incumprimento culposo por parte da progenitora, ou seja se existiu alguma interferência, ou mesmo conduta voluntária, desta, censurável, na falta de convívios do menor com o pai no período em causa.

II – Tal factualidade não necessita de prova pericial para ser demonstrada, podendo sê-lo por outros meios de prova, inclusivamente testemunhal.

III – Ainda que assim não fosse, sempre haveria que ponderar o superior interesse deste, posto que se, por um lado, é importante para o seu desenvolvimento o convívio com ambos os progenitores, por outro lado deve evitar-se expor o mesmo a situações que lhe causem sofrimento psicológico e abalo emocional.

IV – Se o menor rejeita de todo qualquer intervenção técnica, resultando das suas declarações que tal o afecta negativamente ao nível psicológico, o interesse da sua saúde emocional é superior ao interesse do apuramento das razões da não existência de convívios com o pai, demandando o superior interesse do jovem, com 15 anos de idade e cuja vontade deve ser tida em conta, que o mesmo não seja sujeito a avaliação pericial (e que se recorra a outros meios de prova para demonstrar o alegado incumprimento da requerida).

 

  1. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25.02.2025, processo nº 1342/24.5T8VNG-A.P1[8]

I – A junção aos autos [ação de regulação das responsabilidades parentais] de registos áudio e vídeo em que surge a imagem e/ou a voz de uma criança que se presume ser a dos autos, nos quais a mesma exterioriza, com expressões próprias da sua idade, algumas vivências do relacionamento com o progenitor e alguns sentimentos relativamente a este, suscita questões relacionadas com a proteção da intimidade da vida privada [revelação do relacionamento do filho com o pai e a exteriorização de sentimentos daquele relativamente a este], bem como da imagem e da palavra dessa criança.

II – O direito à prova não é absoluto ou ilimitado.

III – Seja por aplicação analógica do que o art. 32º nº 8 da CRP estatui para o processo penal, seja por aplicação indireta do que prevê o art. 417º nº 3 do CPC, seja com recurso ao que estabelecem os arts. 1º, 2º, 16º, 18º, 24º, 25º, 26º e 34º da CRP, existem limitações ao direito à prova no processo civil, não sendo, em princípio, admissíveis provas ilícitas.

IV – As provas ilícitas são de dois graus: as absolutamente ilícitas e as relativamente ilícitas. No primeiro grupo cabem as provas obtidas mediante tortura, coação e ofensa da integridade física ou moral das pessoas; no segundo estão compreendidas as violações dos outros direitos fundamentais, entre os quais o direito à intimidade da vida privada, o direito à imagem e o direito à palavra.

V – As provas relativamente ilícitas podem/devem ser admitidas se, à luz da ponderação de interesses, se mostrar compreensível a intromissão na vida privada, ou no direito à imagem ou à palavra, para, assim, se obter prova necessária à pretensão da parte que as apresentou e se tal intromissão for efetuada de um modo proporcionado.

VI – Estando em questão a vida privada e o direito à imagem e à palavra de uma criança, cabia ao tribunal «a quo», procedendo à devida ponderação dos interesses em jogo – de um lado, a tutela daqueles direitos de personalidade do menor, bem como do seu superior interesse em ver fixado o regime das responsabilidades a cargo dos seus progenitores e, do outro, a relevância das provas em questão para a descoberta da verdade, sopesando, para tal, as exigências de adequação das mesmas [se relevam para o fim em vista], da sua necessidade [se a admissão dos aludidos registos constitui o meio menos lesivo/intrusivo na esfera da vida privada do menor] e da justa medida [se a lesão dos referidos direitos é ou não desmedida relativamente aos benefícios que podem advir da admissão e valoração das provas] –, aferir se, «in casu», os referidos registos áudio e vídeo eram ou não de admitir.

VII – Por existirem outros meios de prova de que o tribunal «a quo» poderá socorrer-se [se tal se mostrar necessário, ao abrigo do princípio do inquisitório e dos demais poderes próprios dos processos de jurisdição voluntária] que se apresentam menos intrusivos, mais consistentes e mais fiáveis e eficazes, sem gerarem tão desmedida desproporção entre a lesão dos direitos de personalidade do menor e os benefícios que podem advir da admissão e valoração dos ditos registos – como acontece com a prova pericial, particularmente na especialidade de pedopsicologia forense, admissível ao abrigo do art. 22º do RGPTC –, não devia ter sido admitida a junção aos autos de tais registos áudio e vídeo.

 

 

[1] Disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20250579.html.

[2] Disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/30cdd9aef063430580258b50005a527e?OpenDocument.

[3] Disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fce71a6c847c149280258c970048b26c?OpenDocument

[4] Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a20916202ec2f32780258d16003e1527?OpenDocument

[5] Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f904724767381e6780258cac003da6e5?OpenDocument

[6] Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/7024c114ff5353c380258c3c0040bf13?OpenDocument

[7] Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/a8d527a06d83d1e780258c8c00348036?OpenDocument=&utm_source=chatgpt.com

[8] Disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/202a761d5a02f04180258c4900580ef1?OpenDocument

 

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