Por Rosalvo Almeida,
Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto (1970), especialista em Neurologia pela Ordem dos Médicos (1979) e conselheiro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV*), a cumprir o 6º mandato e por André Dias Pereira, Vice-Presidente eleito interpares do CNECV, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, conselheiro do Conselho Geral da Universidade de Coimbra, presidente da Direção do Centro de Direito Biomédico e do Comité Educacional da Associação Mundial de Direito Médico.
As Diretivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital e designação de Procurador de Cuidados de Saúde) e a Morte Medicamente Ajudada (Eutanásia e Suicídio Assistido) estão intimamente relacionadas: seja por se referirem ao final de vida, seja por se basearem no primordial princípio da autonomia da pessoa doente.
Contudo, sobressaem diferenças essenciais: as DAV são, fundamentalmente, manifestações negativas (recusas) e na MMA são positivas (pedidos de atuação). Por outro lado, as DAV são documentos firmados antes de ocorrerem os acontecimentos a que dizem respeito e na MMA há obrigação de repetidas confirmações presenciais e atuais.
Acresce que os instrumentos legais que regulam essas circunstâncias diferem bastante: as DAV foram aprovadas por unanimidade (Lei n.º 25/2012) no Parlamento e são socialmente aceites, enquanto a MMA mereceu, apesar de aprovação maioritária (Lei n.º 22/2023), contestação social e sucessivas reservas constitucionais.
O CNECV tem um longo acervo de posicionamentos (Pareceres n.os 11/1995, 59/2010, 69/2013, 70/2013, 82/2015, 95/2017, 100/2018, 101/2018, 105/2019, 107/2020, 108/2020, 109/2020, 110/2020, 116/2022, 118/2022, 121/2023, 129/2024, 134/2025) em que ambas as matérias são referenciadas, verificando-se que são predominantemente favoráveis às DAV e desfavoráveis à MMA. De assinalar que está em preparação uma Tomada de Posição sobre as DAV com eventual proposta de medidas para a sua melhor divulgação.
A manifestação antecipada de aceitar ou rejeitar a participação em ensaios clínicos, caso a pessoa fique incapaz de subscrever o consentimento informado e esclarecido, é abordada em alguns destes pareceres como uma forma de ultrapassar constrangimentos e de facilitar decisões de investigadores, tanto no sentido positivo quanto no negativo. O mesmo se pode dizer no que diz respeito a decisões clínicas perante pessoas com problemas de saúde mental (medidas de contenção, greves de fome ou tratamentos compulsivos).
A lei de despenalização da MMA não permite o testamento vital eutanásico. Ou seja, no contexto de sofrimento intenso e irreversível em fase terminal, e diante de solicitações reiteradas e atuais de acesso a medicação letal, a existência de DAV não configura, por si só, autorização suficiente para a prática da MMA. Contudo, tal documento pode contribuir para a formação de juízo mais consistente acerca dos valores, princípios e trajetória existencial do outorgante, servindo como elemento complementar na avaliação da sua vontade esclarecida e persistente.
Resta uma questão de ordem procedimental sobre a qual aparentemente não há certeza jurídica – como assegurar que uma DAV ou um pedido de MMA é uma manifestação absolutamente livre e esclarecida, não influenciada por fatores económicos ou apreciações afetadas emocional ou psicologicamente? Importa salvaguardar que o sistema de saúde preserva o valor da equidade e da justiça e que se cumpra o direito social à saúde, em todas as fases da vida, para que nenhuma decisão seja condicionada por outros motivos.
Merece ainda referência a Lei n.º 31/2018, que regulamenta os direitos das pessoas em contexto de doença avançada e fim de vida em Portugal. Esta lei consagra o direito a não sofrer de forma desproporcionada e prevê o acesso a cuidados paliativos, apoio espiritual, apoio à família e a realização de testamento vital. l
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[*] O presente texto exprime as opiniões dos seus autores, não tendo sido alvo de apreciação institucional pelo CNECV, face às condicionantes de tempo e espaço decorrentes do honroso convite da Ordem dos Advogados.


