Em junho e julho de 2024 teve lugar o ‘trabalho de campo’ do “Inquérito à Advocacia Portuguesa”, ele próprio um sinónimo dos tempos atuais, tendo sido realizado online, junto do universo de Advogados eletronicamente contactáveis, ou seja, 35.674 membros ativos.
Realizado a pedido da, então Bastonária, Fernanda de Almeida Pinheiro, visava resolver um hiato de mais de vinte anos e dar a conhecer o perfil atualizado dos Advogados de hoje, as suas necessidades, preocupações, o modo como exercem a profissão, como veem o papel da Ordem dos Advogados e da Justiça e que desafios consideram mais relevantes para o futuro da profissão.
O Inquérito, que foi conduzido por uma equipa multidisciplinar de investigação do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), liderada por António Caetano (que já tinha coordenado o Inquérito de 2003), vai ser o tema principal da Edição de 2025 da Revista da Ordem e a sua divulgação será acompanhada de dois textos importantes:
- Um da Bastonária, Fernanda de Almeida Pinheiro (com N. Ricardo Martins), que escreve sobre as razões que a levaram a solicitar a realização do Inquérito;
- E outro do antigo Bastonário José Miguel Júdice (no cargo ao tempo da realização do Inquérito de 2003), onde faz uma análise comparativa dos dois trabalhos, tendo em conta a sua longa carreira e experiência da profissão.
Neste artigo, antecipamos os aspetos principais destacados pelos dois antigos Bastonários nos seus textos, que também nos apresentam pistas sobre como a profissão poderá evoluir no futuro próximo.
Um Retrato da Advocacia em 2003 e em 2024, por Fernanda de Almeida Pinheiro
No seu artigo, Fernanda de Almeida Pinheiro começa por destacar que a realização do inquérito nacional dirigido a toda a Classe foi decidida ainda em 2023, pelo Conselho Geral da Ordem que liderava, com o objetivo de aferir as transformações ocorridas na Advocacia portuguesa ao longo dos últimos 20 anos e “para que a Ordem dos Advogados pudesse colocar à disposição da Advocacia políticas e ferramentas que permitissem apoiar a profissão, como é sua atribuição”. A escolha do ISPA como entidade responsável pelo estudo, justificava-se pela necessidade de garantir “continuidade, rigor técnico e independência total na recolha, tratamento e análise dos dados recolhidos”.
Em termos de conclusões finais, Fernanda de Almeida Pinheiro considera que, sem surpresa, “apontam para uma profunda transformação, com alterações significativas na Classe, tanto na sua composição demográfica, como quanto às condições do exercício da profissão”, destacando que “há uma clara feminização da Classe, um rejuvenescimento da profissão, mas também uma deterioração das condições económicas da Advocacia e na satisfação (ou insatisfação) com a profissão”.
A Bastonária considera que “esta evolução lança desafios àquela que sempre foi a tradicional identidade da profissão, gerando as naturais tensões entre a adaptação a um mercado complexo de serviços jurídicos, por contraposição aos valores fundamentais da Advocacia”, sublinhado como exemplos “a era digital, a inteligência artificial (IA) e os seus desafios, mas também a questão das alterações profundas do Estatuto da Ordem dos Advogados, no que tange à publicidade que pode (ou não) ser feita aos serviços prestados pelos Advogados/as, por contraposição ao anterior preceito legal”.
Fernanda de Almeida Pinheiro também destaca o “crescimento contínuo no número de profissionais inscritos, com uma forte tendência para a feminização (mais de 60% das novas inscrições) e um rejuvenescimento evidente (30% com menos de 40 anos)”. Por outro lado, sublinha “o predomínio do exercício da profissão em prática individual (49,2 % em prática individual pura e 8,7% que estão associados apenas para partilha de despesas, mantendo-se independentes na sua prática)”.
Também destaca “a deterioração real das condições económicas da profissão, com uma redução da média dos rendimentos” (e a persistência de uma forte desigualdade na distribuição dos rendimentos e disparidades de género muito significativas), bem como “uma enorme pressão em relação aos custos crescentes operacionais da profissão e da previdência”. E quanto à avaliação das atitudes e valores da profissão, chama a atenção para o decréscimo “da vocação, [d]a satisfação global com a própria profissão, [d]a sua imagem publica, e bem assim, uma preocupação com as questões éticas e deontológicas”.
Já quanto aos desafios futuros, sublinha que estes são “em grande medida, de natureza tecnológica: adaptação à era digital, impacto da IA, necessidade de novas competências e preocupações éticas associadas a estas transformações”, mas defende que não são menos importantes “os desafios que se colocam em termos de concorrência (interna e externa), a necessidade de maior apoio interdisciplinar e a necessidade cada vez maior de especialização”. Já quanto aos desafios económicos, considera que “são também um fator de grande preocupação, como é o caso da sustentabilidade (ou falta dela) do sistema de previdência que é imposto à profissão, o desafio da equidade de género nos rendimentos e oportunidades que é inaceitável, o maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, e bem assim os custos operacionais crescentes”.
A antiga Bastonária dedica ainda um espaço às recomendações gerais feitas à Ordem, destacando a indicação para que a Ordem “aumente a sua eficiência organizacional e os serviços de suporte (…), que promova a equidade e a inclusão na profissão, que se pondere a reforma do sistema obrigatório de previdência da Classe, que se fortaleça a legitimidade social da profissão, que se promova o equilíbrio entre o tradicional da profissão e a inovação (…), que se promovam linhas de orientação e formação para o trabalho interdisciplinar e que se criem dispositivos de acompanhamento da evolução do mercado de serviços jurídicos, promovendo-se a sustentabilidade da profissão”, entre outros.
Tendo em conta a indicação final do estudo, sobre o papel fundamental que a Ordem tem, como catalisador e facilitador da transformação da profissão – devendo assumir uma postura mais proativa e estratégica de apoio aos seus membros -, Fernanda de Almeida Pinheiro considera que a Ordem passa a dispor, com o Inquérito, de “informação crucial que identifica fragilidades e desafios que devem ser enfrentados de forma desassombrada, promovendo-se a nível nacional, mas em conjunto com as estruturas regionais e locais (também elas com urgente necessidade de reestruturação e organização), de forma a promover o apoio tão importante, e que é afinal uma das suas atribuições estatutárias”, defendendo que “cabe à Ordem dos Advogados liderar esse processo, com coragem, visão estratégica e um compromisso com a dignidade da profissão”.
Inquéritos à Advocacia Portuguesa: entre 2003 e 2024, por José Miguel Júdice
No seu artigo, José Miguel Júdice, Bastonário à altura do inquérito de 2003, começa por alertar para alguns aspetos formais, lembrando que inquéritos “não são sondagens feitas com método científico e que, como são baseados em respostas voluntárias, padecem do risco de ‘bias emocional’, sendo mais provável que as respostas venham de Advogados mais ativos e/ou mais próximos das atividades da Ordem” e que por isso se fala no estudo numa “amostra de conveniência e não probabilística”.
Também ressalta o baixo número e percentagem de respostas em 2024, em que responderam 20% (ou 25% incluindo os que não responderam a todas as perguntas) quando em 2003 tinham respondido 45,7% dos Advogados então inscritos, considerando que “esta redução muito significativa do número de participantes fez que seja este o Inquérito com menor percentagem de respostas”, o que muito o surpreendeu, até porque considerando que nos últimos anos aumentou exponencial “a literacia informática e a participação cívica que as redes sociais exprimem deveria ter o efeito oposto, o aumento da percentagem dos que entre nós responderam”.
Como uma das causas para justificar o reduzido volume de respostas, o antigo Bastonário encontra o facto de “o questionário ter sido enviado apenas para os mails que a Ordem atribui a todos os Advogados (no domínio <@oap.pt>) e não se usaram outras formas de divulgar o questionário. O facto de mais de metade dos Advogados portugueses — cerca de 52% — não terem sequer visualizado o questionário, sugere que muitos que não usam esse mail da Ordem na sua vida profissional, nem visitam com regularidade o [seu] site, poderão nem ter sabido da existência de um inquérito à Advocacia em curso”.
Tendo em conta estes factos, José Miguel Júdice sugere que a “experiência empírica revela que Advogados que trabalham em empresas ou em sociedades de Advogados e não se dedicam a atividade judicial com mandato forense serão os que menos usam o mail que possuem no domínio <@oap.pt>, e também os que estão objetivamente mais longe da instituição que os representa. E os que visualizaram o questionário, mas não responderam (cerca de 24% do total dos Advogados e 49% dos que visualizaram) devem inserir-se no mesmo universo”.
Júdice conclui, assim, que esta situação “objetivamente parece exprimir um maior afastamento, crítica ou desinteresse dos Advogados em relação à Ordem e/ou aos problemas e questões da profissão que se revelam nas questões apresentadas”.
Relativamente ao estudo e aos aspetos comparativos com o Inquérito de 2003, o antigo Bastonário organiza o seu pensamento em torno de algumas questões-chave:
- Fatores objetivos favoráveis à profissão;
- Evolução ou regressão nos tipos de prática;
- Escolha entre ser especialista ou generalista;
- Formação contínua obrigatória, sim ou não;
- Os Advogados ainda querem ser Advogados;
- Credibilidade dos tribunais juntos dos Advogados;
- O que pensam da Ordem; e
- Como está a ‘alma da Advocacia’.
Sobre o primeiro aspeto, considera que o mais provável é “não terem melhorado nestes últimos 20 anos as condições objetivas para o exercício da profissão de Advogado”, com a “existência neste período temporal de crises de dimensão económica [as crises do subprime, do sistema bancário internacional e das dívidas soberanas] e social [a pandemia COVID 19 e seus efeitos]”, a que acrescem “os efeitos em curso da muito recente alteração do regime legal dos atos próprios com a desregulação da atividade de consulta jurídica” e “o aumento exponencial do número de Advogados ativos que reforçam a oferta e os seus efeitos”.
Por outro lado, reforça que também houve aspetos positivos, tais como ter aumentado “de forma exponencial também a necessidade de Advocacia especializada, reforçou-se a contratação de Advogados por empresas para os seus contenciosos, aumentou fortemente o número de Advogados a trabalhar em profissão liberal no regime do acesso ao Direito (…), aumentou a complexidade da regulação administrativa nacional e europeia, a entrada em Portugal de sociedades de Advogados internacionais e a própria desregulação criaram maior necessidade de Advogados mais especializados, mais cosmopolitas e mais propensos a trabalhar também no mercado internacional e em outros idiomas, o que constitui uma forte propensão à procura de Advogados”.
Já sobre a evolução dos tipos de prática profissional, José Miguel Júdice considera que “as respostas são surpreendentes, em especial por terem aumentado 48% (de 35,5 % para 52,6%) os que trabalham sozinhos e em mera partilha de despesas a tempo completo. Também surpreende que tivessem decrescido os Advogados que exercem a profissão em prestação de serviço ou com contratos de trabalho com empresas e outras entidades. Ou seja, o retrato comparado é o de uma profissão em cada vez mais dominam os ‘sole practitioners’, num período em que a observação empírica mostra a evolução [do] oposto”.
Apesar de considerar que os problemas da amostra podem ter levado a que “o resultado de 2024 [além de não ventilar — como em 2003 — as situações híbridas e por isso não permite conclusões mais densas] tem nisto mais um muito forte indício da sobre representação de Advogados que se dedicam ao Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) e outras distorções”, o antigo Bastonário considera que “a persistência de uma maior ou menor recusa sistémica de muitos profissionais a se associarem (sem que disponham da poção mágica acessível na aldeia do Astérix), como aliás acontece com as microempresas em geral em Portugal, impede o aumento da produtividade, não permite reduzir os custos operativos, dificulta fortemente a especialização que é um postulado (ou mesmo um axioma) da sobrevivência das profissões, como os médicos e os engenheiros há muito perceberam e concretizaram”.
Sobre a opção entre a prática como ‘generalistas’ ou ‘especialistas’, Júdice considera “surpreendente que entre 2003 e 2024, aparentemente, os autodenominados generalistas tenham passado de 75% para 80%”, ainda que acredite que “num mercado com as caraterísticas do nosso, mesmo em sociedades de Advogados de média dimensão, a especialização não é total, pelo que estou convicto de que no futuro a opção ‘generalista’ sempre se manterá ainda que em menor medida” e porque ser generalista no século XXI implica “um elevado grau de preparação e especialização e uma aposta na formação contínua em função da mutação constante dos interesses e necessidades dos seus clientes, consumidores dos seus serviços”.
Ainda neste âmbito, Júdice demonstra preocupação por o Inquérito 2024 não permitir “saber se se mantém o que em 2003 me preocupava: a Advocacia ‘generalista’ revelava muito trabalho de baixo valor acrescentado (como solicitadoria) e litigiosidade judicial com pouca consulta jurídica”, considerando “muito sintomático que a expressão ‘consulta jurídica’ apenas surja referida uma vez no Inquérito de 2024 e em relação a serviços prestados no âmbito do SADT”. Para ele, “a modernização da profissão e o seu futuro exige que a consulta jurídica (e não só a preventiva de litígios) seja dominante. Tudo isto parece exprimir a falta de atenção nos últimos anos da Ordem à consulta jurídica como forma de exercer a profissão”.
Relativamente à formação, o antigo Bastonário defende que “num mundo em constante mutação, com o aparecimento de cada vez mais áreas de especialização e com profundas evoluções do Direito e a sua crescente internacionalização, a formação contínua é muito mais essencial do que já era em 2003”.
Relativamente ao interesse dos Advogados pela profissão, José Miguel Júdice sublinha que “os resultados comparados permitem afirmar que há uma identificação positiva com a profissão, sem alterações significativas entre 2003 e 2024. (…). Já quanto à ‘vocação’ regista-se que houve uma redução nos níveis de vocação para a escolha da profissão (…) com real probabilidade que a identificação com a profissão e a imagem que se tem dela piorou claramente”. Uma evolução negativa que o antigo Bastonário considera ser “muito preocupante, pois o sentido comum das coisas é que as profissões são em regra corporativas e têm de si mesmas uma melhor opinião do que a sociedade em geral”, dando como exemplo “as respostas à pergunta sobre arrependimento pela opção da Advocacia que revelam que a situação se degradou muitíssimo, apesar de continuar positiva”, uma realidade que Júdice considera “muito mais perigosa num ambiente regulatório mais liberal do que naquele em que se vivia em 2003 e quando a recente aprovação da Lei 49/2004 sobre os atos próprios fortalecia um sentido favorável à profissão”.
Neste aspeto o antigo Bastonário faz uma forte crítica à própria Ordem, por não ter sido capaz de operacionalizar “reformas no sentido da criação de uma forte credibilização” que permitissem, nos vinte anos que passaram, “ganhar uma adesão social e política à especificidade da profissão”. Também considera que essa falta de aumento da credibilidade da profissão foi resultado da “perceção vezes demais sentida de que a Ordem não conseguia ter influência nas forças políticas nem de fazer aliados na sociedade e de que punha em evidência uma vertente “sindical” (não estatutária nem legal)”.
Já quanto ao tema da confiança dos Advogados nos Tribunais, o antigo Bastonário sublinha que “em 2003 o binómio confiança/falta de confiança no sistema judicial era positivo (44% versus 27%) e em 2024 passou a ser negativo (27% versus 33%)”, considerando Júdice que “esta forte degradação na confiança no sistema judicial é muito preocupante em si mesma, e ainda mais quando o núcleo duro da exclusividade será no futuro apenas o do exercício de mandatos forenses. A falta de atenção à Advocacia não contenciosa que este inquérito releva é perigoso sinal de que poderá aumentar o número de juristas que — se não quiserem ir a tribunal — podem optar por deixar de se associar à Ordem”.
No seu artigo, o antigo Bastonário também analisa o que pensam os Advogados da sua Ordem, tendo concluído que “a questão sobre satisfação/insatisfação com a forma como são desenvolvidas as atividades da Ordem revela uma forte degradação da perceção da profissão”, porque da comparação entre os dois Inquéritos “resulta uma enorme degradação dos indicadores das respostas, tendo em todos eles a opinião dos respondentes passado de favorável ao que Ordem fazia para desfavorável, sendo de realçar o item ‘estar ao serviço dos Advogados’ (saldo positivo de 14 pontos percentuais passou a negativo em 17 pontos percentuais), e quanto ao item da ‘procura de soluções para os problemas’ (saldo positivo de 14 pontos percentuais passou a negativo em 26 pontos percentuais)”.
Já relativamente a outros aspetos, como os estágios, Júdice congratula-se com as respostas sobre a sua evolução “positiva (40,2% versus 24%), sendo o Estágio um bom complemento formativo à universidade (46,3% versus 33,7%), ainda que insuficiente para preparar para a profissão (61% versus 12,5%)”, donde “o juízo global sobre a utilidade do estágio é um pouco negativo (40% versus 30%)”.
O antigo Bastonário também regista que “os respondentes revelam-se globalmente bastante satisfeitos com os eleitos para os Conselhos Regionais e de Deontologia e das Delegações, e embora por margem muito menor também com a (então) Bastonária e o Conselho Geral (28% versus 23,8%)” – defendendo que “esta réstia de relação com os seus dirigentes nacionais e a manutenção de uma relação positiva com os regionais e locais tem de ser aproveitada para um necessário esforço de reforço da credibilidade interna e coesão perante o exterior”.
O seu último item de análise é o estado da ‘alma da Advocacia’, em que o antigo Bastonário conclui que “a primeira e relevante constatação é que os respondentes têm a perceção de que a densidade deontológica da profissão se degradou nos últimos anos”, uma resposta que considera insuficiente para uma correta avaliação, uma vez que defende que “persiste na visão interna do tema uma confusão entre normas éticas e boas práticas, como se estas tivessem a ver com deontologia quando as mais das vezes são um reflexo da degradação das relações sociais e de normas de conduta que não são especificas e sobretudo se inserem no que no passado se chamava ‘má educação’” o que, de qualquer forma, considera não ser bom sinal.
Para fechar o seu artigo, Júdice considera que o Inquérito perdeu a oportunidade de questionar a Classe sobre “o que é novo” e sobre os novos desafios que a profissão enfrenta, tais como “a prestação de serviços a pessoas e empresas estrangeiras, a exportação de serviços jurídicos para o espaço da lusofonia e para outros países da União Europeia, a utilização do inglês ou do espanhol como idiomas profissionais, o trabalho profissional em formas alternativas de resolução de litígios (arbitragem, mediação, ‘dispute boards’, entre outros) [e] a especialização em novas áreas jurídicas inexistentes ou ainda em fase apenas embrionária em 2003”.
Numa lógica prospetiva, Júdice considera que os três maiores desafios dos próximos 20 anos, serão:
- “A internacionalização exponencial das relações jurídicas entre empresas, a ‘fuga’ ao direito português e a que Portugal seja a sede de tribunais (arbitrais ou judiciais), e o aumento e qualidade da presença de Advogados não portugueses na prestação de serviços em Portugal ou para entidades portuguesas, tudo isso muito potenciado pela explosiva evolução tecnológica e a deslocalização que favorece”;
- “A questão da consulta jurídica e dos efeitos — com riscos e oportunidades — do aumento da concorrência feita por profissionais e empresas não sujeitas à regulação profissional ou reguladas apenas de modo parcial como acontece com sociedades multidisciplinares”; e
- “(Talvez o mais complicado), o desafio que se vai abater sobre a profissão pela galopante disseminação da IA. Curiosamente, as duas únicas perguntas que sobre isso detetei no Inquérito 2024, abordam a ação da Ordem dos Advogados e nada referem sobre o que estarão a fazer os Advogados e as sociedades em que se inserem, que se sabe estarem nalguns casos até a desenvolver projetos multidisciplinares nesse domínio. A sensação com que fiquei é que se meteu a cabeça na areia, em vez de equacionar obter informação para estratégias da profissão”.
Em conclusão, José Miguel Júdice considera que, apesar do mérito da decisão de realizar o Inquérito, “tudo isto sabe demasiado a ocasião perdida”, uma vez que defende que “se cometeram erros que limitaram as respostas e distorceram os resultados, que se não olhou para a profissão como um todo e sobretudo a parte dela que se dedica sobretudo a tarefas transacionais e de consulta jurídica, ou a exerce em sociedades de Advogados ou no âmbito do universo empresarial e que se deu prioridade ao que revela passado e quase nenhuma atenção aos novos desafios”.
Termina com uma recomendação à atual liderança da Ordem, no sentido de usar o Inquérito 2024 para “extrair tudo o que tem para dar também em comparação com o Inquérito 2003, e lançar iniciativas de aprofundamento de temas pouco ou nada tratados, realizar análises qualitativas através de diálogo com a profissão e da criação de ‘focus groups’ sobre os principais desafios”.