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A Advocacia em Portugal em 2003 e em 2024

por António Caetano

Professor Catedrático coordenador (ISPA;
APPsy-CI; BRU-IUL, ISCTE),
Coordenador do “Inquérito à Advocacia Portuguesa 2024”

 

Panorama Geral

  1. Este estudo incide sobre um conjunto de variáveis utilizadas no “Inquérito à Advocacia Portuguesa 2024” comparáveis com os dados obtidos num Inquérito idêntico publicados em 2003, e visa proporcionar uma perspetiva empírica sobre as dinâmicas de mudança ao longo de duas décadas, e identificar tendências e desafios emergentes no exercício profissional.
  2. Algumas limitações associadas ao facto de se tratar de duas amostras transversais e não probabilísticas, requerem que as interpretações sejam lidas no âmbito dessas amostras, sem generalização para o universo e apenas enquanto tendências plausíveis.
  3. Para se explicitar a perspetiva teórica em que se fundamentam as análises e o esforço interpretativo realizado, apresenta-se uma breve nota sobre a dinâmica da evolução das profissões liberais.
  4. Para se contextualizar a análise empírica, apresenta-se também uma breve evolução do número de inscritos na Ordem dos Advogados ao longo da sua existência.
  5. A análise comparativa incide sobre três áreas:
    1. Caraterização geral da atividade em Advocacia;
    2. Situação socioeconómica na Advocacia; e
    3. Valores, atitudes, e opiniões dos advogados/as que responderam aos inquéritos de 2003 e 2024.
  6. A análise comparativa entre os dados do inquérito de 2003 e os do inquérito de 2024 revela uma profissão em profunda transformação, caracterizada por mudanças significativas tanto na sua composição demográfica quanto nas condições de exercício profissional, verificando-se não apenas alterações estruturais importantes – como a feminização e o rejuvenescimento da profissão – mas também nas condições económicas e na satisfação profissional.
  7. Globalmente, a comparação entre os dois momentos indica que nas últimas duas décadas houve uma evolução moderada nas modalidades da atividade, estrutura de trabalho, uso de tecnologia e volume de clientes, com um padrão persistente de independência e autogestão profissional, apesar das mudanças no contexto socioeconómico e no mercado dos serviços de Advocacia, as quais requerem uma maior proatividade adaptativa.
  8. Em termos económicos, observa-se uma ligeira redução no poder de compra geral, mas com algumas melhorias nalguns grupos etários, mantendo-se uma distribuição dos rendimentos muito assimétrica, apesar de uma leve tendência para maior homogeneização, verificando-se também uma ligeira diminuição da desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres, mas persistindo a disparidade, especialmente nas faixas de rendimentos mais baixos, em desfavor das mulheres.
  9. A análise dos resultados sobre os valores, atitudes e opiniões dos inquiridos demonstra algumas continuidades, mas também mudanças significativas na forma como os inquiridos percebem e valorizam a sua profissão.
  10. Os desafios que a Advocacia portuguesa enfrenta atualmente refletem tanto pressões internas quanto externas à profissão; esses desafios (profissionais, tecnológicos e socioeconómicos) não são meramente técnicos ou operacionais, mas questionam aspetos fundamentais da identidade profissional e do modelo tradicional de prestação de serviços na Advocacia.
  11. Com base nos dados analisados, e tenho presentes as limitações associadas ao design das duas amostras, afigura-se que a Advocacia portuguesa se encontra num momento crítico de transformação, exigindo uma resposta coordenada e estratégica aos múltiplos desafios identificados. O sucesso dessa transformação dependerá da capacidade de equilibrar tradição e inovação, adaptar-se às mudanças tecnológicas mantendo os valores essenciais, assegurar a sustentabilidade económica da profissão, promover a equidade e inclusão, e fortalecer a legitimidade social da profissão.
  12. Nesse sentido, sugerem-se diversas iniciativas com o simples objetivo de alimentar a reflexão na profissão sobre o processo de transição em que se encontra, e estimular a resposta ativa às mudanças do contexto, sem rutura com a essência da sua missão.

 

 

António Caetano

Professor Catedrático coordenador (ISPA;
APPsy-CI; BRU-IUL, ISCTE),
Coordenador do “Inquérito à Advocacia Portuguesa 2024”