Em 2010, no âmbito da revisão do Plano Estratégico Nacional do Turismo, foram definidas algumas linhas orientadoras de ação, nomeadamente a) a sustentabilidade como modelo de desenvolvimento, b) o enriquecimento e modernização da oferta via experiências e conteúdos e c) a qualificação dos recursos humanos.
Em 2020, projetos que, realmente, adotaram no passado a sustentabilidade como modelo de negócio, promoveram a oferta de conteúdos e experiências para além da estadia e apostaram na qualificação dos recursos humanos, são aqueles que reunirão as melhores condições para conseguirem ultrapassar a atual conjuntura pandémica.
Em 2030, projetos que se mantenham fiéis aos seus princípios e que incorporem aquelas três linhas orientadoras de ação, permanecerão e continuarão a contribuir para a diferenciação do destino Portugal. Diferenciação essa que deve ter como destinatários, de igual forma, o mercado nacional e o mercado internacional.
O atual momento pandémico que vivemos é conjuntural.
Mas para se ter presente a dimensão do impacto da atual conjuntura no turismo em Portugal, vejamos os números a 30 de novembro de 2020, face a 2019. Naquela data, verificava-se uma redução do número de hóspedes de 60,6% (menos 15 milhões de hóspedes), para cerca de 10 milhões de hóspedes, e de 62,5% do número de dormidas (menos 41 milhões de dormidas), para cerca de 25 milhões de dormidas.
Dos 10 milhões de hóspedes, 6,1 milhões foram hóspedes de Portugal e 3,9 milhões foram hóspedes estrangeiros.
Os números são suficientemente impressivos por si só para percebermos o impacto negativo que tal redução de número de hóspedes e de dormidas teve e terá em cada uma das empresas e, consequentemente, nos seus trabalhadores.
Face ao atual momento que vivemos, poderíamos ser levados a pensar que, por causa da pandemia, o turismo teria que se adaptar a uma nova realidade, realidade essa que veio para ficar e que era inesperada.
A pandemia era inesperada.
A realidade não.
Voltemos a 2010 e às linhas de orientação referidas acima. Se o setor do turismo em Portugal, estruturalmente, adotasse modelos de negócios sustentáveis, promovesse experiências e conteúdos diversificados e apostasse na qualificação de recursos humanos, reuniríamos todas as condições para suportar a atual conjuntura. E essa visão não é uma visão de 2020. Não é uma visão dada pela pandemia.
A pandemia evidenciou que estruturalmente ainda não somos sustentáveis e que ainda não se aprendeu tudo com a crise económica, financeira e de dívidas soberanas de 2008 a 2012, mantendo-se ainda modelos de desenvolvimento da atividade turística que não têm na sustentabilidade o fator de decisão presente em todas as estratégias empresariais.
É verdade que todos nós falamos em sustentabilidade. E provavelmente, todos nós, consideramos que adotamos modelos de negócio sustentáveis. Mas na realidade, acabamos por não adotar. Porque também somos levados pela conjuntura de crescimento a adotar modelos de negócio que se baseiam em crescimentos constantes do turismo em Portugal.
Ou seja, a atual conjuntura pandémica mostra-nos a realidade que a conjuntura de prosperidade nos esconde. E o exercício que todos os agentes do setor de turismo têm que fazer, não é tanto o de tentar descobrir novas respostas para os problemas decorrentes da pandemia, mas sim internalizar estes três simples princípios que já foram descobertos há muitos anos:
a) Sustentabilidade do modelo de negócio – respeitar e valorizar as pessoas que fazem parte do projeto, apostando na retenção de talento, estar presente na comunidade local onde o projeto se insere, respeitar e valorizar o mercado nacional, não estar dependente apenas do mercado internacional, estar capitalizado, ter sempre fundo de maneio para momentos de conjuntura adversa e não esgotar fundo de maneio em momentos de conjuntura de prosperidade, respeitar o capital alheio, sendo criterioso na sua utilização e não gerando custos fixos que não sejam essenciais para a atividade, manter os ativos em bom estado investindo na sua manutenção e melhoria constante, ser fiel aos valores do projeto e tomar as decisões com base numa visão de longo prazo e não de curto prazo, ter uma política de preços coerente com o valor do investimento e com a estrutura de custos, não adotando preços insustentáveis, que servem apenas para gerar tesouraria de curto prazo que será insuficiente para suportar responsabilidades de longo prazo.
b) Enriquecimento e modernização da oferta via experiências e conteúdos – a atividade turística tem que ser muito mais do que as instalações de um alojamento ou restaurante ou atividade de animação turística. Não basta ter as melhores instalações e o melhor equipamento do mundo. Aliás, não é isso que é essencial para o turista de ontem, hoje e amanhã. O que é essencial são as emoções que conseguimos promover de modo a que façam parte da memória emocional de quem vai a um alojamento, restaurante ou atividade. E para isso, quer os alojamentos, quer a restauração, quer a animação turística, têm que adotar uma visão de agregação de experiências e conteúdos, adotando uma visão holística da sua atividade, centrada na experiência do cliente como um todo. Dessa forma, os agentes do turismo contribuirão para a atividade de outros agentes e promover-se-ão entre si, garantindo ainda uma maior satisfação do cliente. Os diversos agentes de turismo deverão trabalhar num modelo colaborativo e de agregação e não de competição não sustentável.
c) A qualificação dos recursos humanos – com modelos de negócios sustentáveis, agregação de experiências e conteúdos, mas sem qualificação de recursos humanos, dificilmente haverá futuro para qualquer atividade. E aqui, quando falo em qualificação dos recursos humanos, falo de todos os recursos humanos que fazem parte da cadeia de valor. Administradores e trabalhadores da empresa, administradores e trabalhadores de fornecedores, prestadores de serviços e parceiros. E mais do que a formação técnica, que deve ser ministrada e suportada, a qualificação dos recursos humanos deverá focar-se em primeiro lugar na capacidade de empatia entre todos os recursos humanos. Administradores, trabalhadores e equipas empáticas, promovem bom ambiente de trabalho, bom serviço ao cliente e capacidade de criar soluções para as dificuldades inerentes do dia a dia de qualquer atividade. O conseguir colocar-se no lugar do outro é essencial para promover ambientes saudáveis de trabalho com foco na saúde mental de todos nós.
Agora, face à conjuntura atual, vamos todos, na medida da possibilidade de cada um, tentar contribuir para a alteração estrutural de Portugal.