Sobre a obrigatoriedade de pagamento do subsídio de refeição face à imposição do regime de teletrabalho
Do subsídio de refeição no Teletrabalho no âmbito do Código do Trabalho e das medidas de carácter extraordinário, temporário e transitório, destinados aos trabalhadores e empregadores afectados pelo surto do vírus COVID-19
Colocou-se a dúvida sobre a obrigatoriedade de pagamento do subsídio de refeição com a obrigatoriedade de adopção do regime de teletrabalho, nomeadamente com a entrada em vigor das medidas extraordinárias e de carácter urgente adoptadas, decorrentes da situação excepcional que se vive há cerca de um ano, resultante da doença COVID-19.
A legislação em vigor obriga a adopção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer. Actualmente, os DL 94-A/2020, de 3 de Novembro, DL 79-A/2020, de 1 de Outubro, e o Decreto n.º 3-A/2021, de 14 de Janeiro (vigente durante o Estado de Emergência), prevêem a regulamentação que estabelece um regime excepcional e transitório de reorganização do trabalho e de minimização de riscos de transmissão da infecção no âmbito das relações laborais, com implementação de um regime excepcional e temporário de teletrabalho aplicável a todas as empresas, independentemente do número de trabalhadores.
Na sequência de dúvidas suscitadas na praça pública e da posição pública dos sindicatos quanto ao pagamento do subsídio de refeição, e apesar do Governo ter esclarecido, quanto aos teletrabalhadores, que “é entendimento da Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) que o trabalho prestado em regime de teletrabalho confere ao trabalhador os mesmos direitos que este vinha auferindo quando estava a exercer funções presenciais no posto de trabalho”, só com a publicação do DL n.º 94-A/2020, de 3 de Novembro, é que o pagamento do subsídio de refeição no regime de teletrabalho passou a ser obrigatório e apenas durante o período de excepção consequente à pandemia (COVID-19). No que concerne aos trabalhadores em funções públicas e à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o Despacho n.º 3614-D/2020 veio esclarecer que para compensar as despesas inerentes ao teletrabalho obrigatório, o trabalhador mantém sempre o direito ao equivalente ao subsídio de refeição a que teria direito caso estivesse a exercer as suas funções no seu posto de trabalho (configura uma compensação equiparada ao subsídio de refeição).
E no âmbito do Código do Trabalho? Um dos pressupostos da resposta é que o subsídio de refeição não é pago com carácter de continuidade e regularidade porque não faz parte da retribuição. Este subsídio tem, na sua génese, compensar os trabalhadores das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efectivo, tomada fora da residência habitual (conforme decisões dos tribunais e quem tem a última palavra no caso de eventuais litígios).
Inclusivamente, com a imposição legislativa do regime de teletrabalho, foram suscitadas questões sobre a violação dos princípios da igualdade de tratamento (previstos no art.º 169.º do Código do Trabalho). Considerando que os trabalhadores que prestam trabalho fora de casa e que, portanto, não estão no regime de teletrabalho, recebem subsídio de refeição e, se aplicável, outros subsídios que dependem da prestação efectiva do trabalho habitual (como o subsídio de transporte, por exemplo), foram propugnadas teses que o teletrabalhador deveria receber o subsídio de refeição no teletrabalho.
Não concordo que exista uma violação dos indicados princípios, pois não estão em discussão discriminações, distinções sem fundamento material, assentes em meras categorias subjectivas. Os teletrabalhadores não têm os incómodos relativos a deslocações. Em abstracto, têm mais tempo para outras actividades, iniciar e cessar o “dia de trabalho” conforme a sua conveniência (caso não tenham a obrigação de cumprir com o horário de trabalho previamente definido pela entidade empregadora), poderão estar sujeitos ao cumprimento de objectivos, o que é, por si só, uma grande vantagem para as partes.
Convém não esquecer que o art.º 165.º, n.º 5, do Código do Trabalho, não impõe que a entidade empregadora e o trabalhador estabeleçam a obrigação de pagamento do subsídio de refeição (sem prejuízo de eventuais alterações legislativas que possam ser entretanto publicadas), mas sim, que aquela custeie, nos termos da alínea e) da referida norma, as despesas de consumo e de utilização dos equipamentos de trabalho (por exemplo, electricidade e internet). Salvo melhor opinião, existirá violação destes princípios na eventualidade da entidade empregadora pagar, simultaneamente, subsídios de refeição e deslocação, aos trabalhadores não abrangidos pelo mecanismo (que não beneficiam das vantagens do teletrabalho) e aos teletrabalhadores. No limite, e dependendo do caso concreto, o pagamento do subsídio de refeição aos trabalhadores e teletrabalhadores poderá implicar que este configure retribuição, o que tem especial protecção no princípio da irredutibilidade.
Inclusivamente, existem diversas posições doutrinárias que afastam a obrigatoriedade de pagamento deste subsídio no regime de teletrabalho:
“Os estudos desenvolvidos demonstram que existem vantagens claras para os trabalhadores que efectuam a sua actividade em regime de teletrabalho comparativamente com o regime regular: reduz-se ou elimina-se a necessidade de deslocação para o local de trabalho, traduzindo-se numa economia de tempo e custos para o trabalhador, permite-se uma maior flexibilidade de horário e uma maior disponibilidade para a família, proporciona-se uma melhoria da qualidade de vida e do ambiente de trabalho, diminuição do stress e o aumento tendencial das oportunidades de emprego. Com a redução do controlo directo e imediato sobre os teletrabalhadores e com o aumento da autonomia para responder adequadamente, aumenta-se a responsabilização, a criatividade e a motivação do trabalhador. A possibilidade crescente de flexibilização da organização do trabalho contribui para dar uma resposta mais eficaz às pretensões do empregador ou do cliente e permite que o trabalhador estabeleça uma melhor articulação entre a vida profissional e a vida familiar.” [1]
De acordo com a Professora Maria João Redinha, o desenvolvimento da actividade do regime de teletrabalho acarreta quebras salariais[2] devido à subtracção de parcelas correspondentes a subsídios de transporte ou alimentação.
Se, por regra, o subsídio de refeição é uma compensação paga ao trabalhador por tomar as refeições fora da residência habitual, se não estiver especialmente estabelecido no contrato de individual de trabalho, e/ou no acordo de teletrabalho, e/ou estabelecido na Convenção Colectiva de Trabalho aplicável, que é pago em quaisquer circunstâncias nas situações de trabalho efectivo (compreendendo teletrabalho), os (tele)trabalhadores não terão direito ao pagamento do subsídio de refeição (fora da vigência do regime excepcional e transitório previsto nos DL 94-A/2020, DL 79-A/2020 e Decreto n.º 3-A/2021).
[1] Ana Sofia Zêzere da Conceição Guerra in “O Regime Especial do Teletrabalho – As Implicações nas Relações Laborais” (Dissertação para obtenção do grau de Mestre).
[2] Prof. Maria Regina Gomes Redinha in “O Teletrabalho” – Discordo que os subsídios de alimentação e de transporte configurem salário (não correspondem ao que se entende por retribuição, nos termos previstos no artigo 258.º, n.º 2, do Código do Trabalho).