
1. Porque sou candidato?
Apresento-me a estas eleições sem insígnias, para além da minha condição profissional e da vontade de contribuir, civicamente, para melhorar a Ordem dos Advogados.
Não venho para coroar uma longa carreira na advocacia ou nos corredores da Ordem, assumindo, por inteiro, essa circunstância.
O meu posto de observação é o de um advogado comum, que enfrenta os desafios da profissão a partir do seu escritório e que não se revê numa Ordem dos Advogados fechada sobre si própria, atávica, que vem perdendo reconhecimento público e, mais grave, reconhecimento por parte dos advogados.
Aos 41 anos, sou candidato para honrar o passado, mas para me ocupar do futuro – do futuro dos advogados e, por seu intermédio, do próprio Estado de Direito. Não venho mudar alguma coisa, para que tudo fique na mesma. Tenho hoje a energia, a vontade e a disponibilidade para transformar a Ordem dos Advogados que não sei se terei daqui a 20 anos.
A Ordem precisa de um Bastonário executivo. Alguém que trace objetivos concretos e saiba dinamizar equipas capazes de os cumprir
2. Como é que aqui chegámos?
A advocacia livre e independente, esteio do Estado de Direito Democrático, sofreu enormes transformações, no decurso dos últimos 60 anos.
Em 1960, Portugal não chegava a ter 2.000 advogados. Hoje, ultrapassa os 35.000. O número total de advogados é, atualmente,17 vezes superior ao de há seis décadas. E esse crescimento é incomparável com o crescimento do número de magistrados no mesmo período ou mesmo com o número de processos judiciais entrados anualmente.
Razões benévolas e outras menos felizes concorreram para esta evolução.
Do lado do bem, a ampla democratização do acesso à educação, não só em número total de alunos, mas também em representação regional e de género, tendo a advocacia deixado de ser uma profissão predominantemente masculina, para ser, hoje, uma profissão em que as mulheres estão em maioria.
Menos feliz, porém, o crescimento sem freio das instituições de ensino superior privado, gerando milhares de novos licenciados a quem a Ordem dos Advogados foi franqueando a porta.
Porventura à força de fazer crescer a própria Ordem e as suas receitas, bem como de alargar a base da pirâmide contributiva no sistema previdencial que a advocacia reserva para si própria, foi criado um imenso contingente de advogados – cerca de 350 por 100 mil habitantes –, quase 3 vezes a média da União Europeia.
Esta circunstância, o surgimento de novos ramos do Direito, a integração europeia e a complexificação geral da atividade forense; bem como o nascimento de novas formas de organização profissional tiveram como consequência uma advocacia que, globalmente, se vai afastando do seu típico paradigma: uma classe coesa de profissionais liberais, economicamente independentes e credores de ampla respeitabilidade social.
A advocacia já não é só uma profissão liberal. Convivem, dentro da Ordem dos Advogados, diversas formas de exercício profissional, onde a subordinação jurídica vai assumindo crescente preponderância. Assim nos advogados de empresa mas, também, é preciso dizê-lo, no exercício por conta de sociedades de advogados ou escritórios de advogados.
O desemprego e a pobreza existem na advocacia. Vai longe o tempo do “pleno emprego” na advocacia, quando todos os advogados podiam escolher os clientes e processos a que se dedicavam. A massificação e a inelutável degradação qualitativa que dela resulta criaram milhares de advogados que não sabem como pagar a renda do seu escritório ou que, embora inscritos na Ordem, não têm rendimento algum.
A confiança dos cidadãos na advocacia está comprometida. Se é certo que a maior parte dos cidadãos – quando a braços com a justiça, mas “nos braços” de um advogado – reconhece a essencialidade da profissão, perpassa na sociedade portuguesa uma associação da advocacia ao uso de expedientes, à morosidade processual e àquilo a que poderíamos chamar o “comércio” forense. É preciso separar o trigo do joio, com a dose certa de pedagogia e de orgulho; mas também de autocrítica e de superação.
3. O que é ser Bastonário, hoje?
A dimensão dos desafios que temos pela frente obriga a uma nova abordagem sobre o que é ser Bastonário, hoje.
Ano após ano, o Bastonário foi sendo reconduzido a uma figura reverencial, escolhida pelos seus pares em virtude da singularidade do seu percurso profissional, académico ou cívico. Num certo sentido, o Bastonário foi sempre visto como uma majestade.
Este modelo está esgotado.
A reflexão sobre os desafios que enunciei, o desenho de soluções e a sua implementação urgente são uma tarefa tremenda, que implica um sentido de missão, de ação e de transformação que requerem um Bastonário verdadeiramente executivo. Alguém que trace objetivos concretos e saiba dinamizar equipas capazes de os cumprir. Alguém que, livre de peias, grupos e compromissos, responda apenas perante a comunidade dos advogados portugueses.
Os advogados estão cansados dos mesmos rostos, das mesmas ideias e da mesma retórica.
4. Começamos por onde?
Vencer estes desafios é fundamental para que a advocacia possa sobreviver à sua própria condição, preservando, no que é ser advogado, hoje, os seus valores fundamentais, com a Justiça à cabeça.
Justiça no modo como nos tratamos uns aos outros – advogados e advogadas, ricos e pobres, jovens e menos jovens, lisboetas ou beirões. Justiça no modo como servimos os mais desfavorecidos. Justiça no nosso papel cívico, na defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Esta ideia de Justiça é incompatível com um modelo de estágio em que se exige ao neófito o nível de responsabilidade e compromisso que se exigiria a um trabalhador comum, mas sem qualquer remuneração.
Esta ideia de Justiça é, quanto a mim, inconciliável com o crescente afastamento do paradigma liberal, como acontece aos advogados que trabalham por conta de sociedades ou escritórios de terceiros, sem que essa evolução venha acompanhada de elementares direitos sociais.
Esta ideia de Justiça exige que o acesso ao direito e aos tribunais por parte dos cidadãos mais carenciados seja garantido através dos melhores profissionais, justamente remunerados e em regime de exclusividade, sob pena de agravarmos, mais ainda, o fosso entre a justiça dos ricos e a justiça dos pobres.
Esta ideia de Justiça implica que a Ordem dos Advogados coloque as suas fontes de rendimento ao serviço de todos, mutualizando o investimento na transição digital da advocacia e garantindo, assim, que todos apanham o comboio do século XXI.
Esta ideia de Justiça impõe que o debate sobre a previdência dos advogados atenda às concretas condições financeiras dos seus beneficiários e dê uma adequada resposta assistencial, especialmente na parentalidade e na doença. Mas, também, que este debate seja suportado por um amplo compromisso intergeracional, ao invés de se fundar numa retórica de recriminação.
Uma ideia de Justiça que transporte a advocacia portuguesa para o Século XXI, na linha da frente do combate perante todas as formas de violência, exploração, exclusão e discriminação.
5. Desta vez, há alternativa.
As eleições na Ordem dos Advogados têm sido, para muitos de nós, um ritual sem história. Só isso explica que, no último ato eleitoral, mais de 4000 advogados tenham optado por votar branco ou nulo e que cerca de 10.000 nem tenham ido às urnas.
É notório que, eleição após eleição, os advogados estão cansados dos mesmos rostos, das mesmas ideias e da mesma retórica. Gosto de acreditar que esta candidatura, ao discutir o que tem que ser discutido, desassombradamente, pode contribuir para que a advocacia volte a rever-se na sua Ordem e para que todos percebam que, desta vez, há alternativa.
Programa – Iniciativas
Defensor Público: O acesso dos cidadãos mais desfavorecidos à justiça e aos tribunais deve ser efetivo e qualificado, através de advogados recrutados por concurso e em exclusividade. Esta mudança permitirá, igualmente, criar uma carreira estável e condignamente remunerada para quem nela queira prosseguir.
Previdência justa: As advogadas e os advogados devem ser justamente protegidos na doença e na parentalidade. Nos tempos que correm, é inaceitável um modelo em que a base da pirâmide se limite a financiar as pensões de reforma de quem está no topo, sem garantir a todos uma adequada proteção ao longo da vida.
Estágios remunerados: Os estágios de advocacia não podem ser uma mera formalidade. Só deverão ocorrer em escritórios aptos a garantir condições de trabalho condignas, bem como a efetiva participação dos estagiários nos assuntos e processos em curso.
Isto posto, os estágios devem ser obrigatoriamente remunerados, se necessário com recurso ao programa de estágios do IEFP.
Associados com direitos: O exercício da advocacia vem-se afastando, progressivamente, do paradigma liberal, sendo muitos os Colegas que prestam serviço em sociedades ou escritórios de outros advogados. Esses advogados, em regime de exclusividade e auferindo uma avença mensal, devem beneficiar de um regime especial, que lhes assegure formalmente um catálogo mínimo de direitos, designadamente, no que respeita a férias, faltas e licenças.
Transição digital: O recurso à tecnologia pode ajudar a eliminar tarefas burocráticas ou redundantes, otimizar o tempo de trabalho e, assim, reservar recursos para o essencial. Porém, a transição digital na advocacia implica significativos investimentos, só ao alcance de organizações de grande dimensão. A Ordem deve conceber e financiar uma solução de software, que permita o acesso de todos os advogados a ferramentas digitais, procurando contribuir para uma verdadeira igualdade de oportunidades.

Membros da LISTA C
Bastonário
1. Paulo Valério
Vice-Presidentes
2. Teresa Violante
3. Paulo Linhares Dias
Vogais
4. Aliria Pinto Aguiar
5. Carlos Vasconcelos
6. Ana Sofia Fonseca
7. Fernando Sacramento Gonçalves
8. Cristina Lousada
9. Fernando Pratas
10. Diana de Avelar Bandeira
11. Francisco Goes Pinheiro
12. Filomena Girão
13. Luís Filipe Pereira
14. Lara Duarte Ramos
15. Mark Kirkby
16. Mafalda Magalhães
17. Nuno Teodósio Oliveira
18. Márcia Lemos
19. Pedro de Almeida Cabral
20. Micaela Afonso
21. Pedro Cruz Gonçalves
Mandatário
22. Bruno Martelo