O Poder das Redes Sociais vs Liberdade de Expressão
A suspensão das contas de Donald Trump pelo Twitter e Facebook reabriu a controvérsia sobre o lugar da GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) na informação e seu papel frente à liberdade de expressão.
Pese embora as redes sociais tenham assumido um lugar importante na nossa vida quotidiana, o acesso às redes sociais, não é o direito, como o são o direito da liberdade de expressão e informação ou o direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços consumidos, consagrados constitucionalmente. As redes que nos referimos são administradas por empresas privadas e não integram um serviço público, ainda que tenham atingido um lugar importante na nossa vida diária.
A opinião de que estamos perante uma grave violação do direito à liberdade de expressão, é praticamente unânime. A questão que se levanta é saber, por um lado, se num mundo cada vez mais global será esta a melhor forma de combater o cibercrime, ou por outro se os Estados, incluindo Portugal, têm estratégias e meios suficientes para combater estes tipos de crime.
Pedro Verdelho, Coordenador do Gabinete de Cibercrime da Procuradoria Geral da República, disse-nos que “Ao falar-se em liberdade de expressão é preciso dizer que, em Portugal, esta tem o estatuto de direito fundamental, estando consagrada na Constituição da República (o “direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio”). Uma formulação na senda da Declaração Universal dos Direitos do Homem (“difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão”) e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias”).
Mas não é um direito absoluto. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia sublinha que o exercício deste direito “implica deveres e responsabilidades”, podendo ser submetido a “restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática” para que se preservem, entre outras, “a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem”. Este direito tem, assim, limites, por exemplo, quando colide com direitos fundamentais de terceiros. Falamos, desde logo, da dignidade do ser humano mas também do direito fundamental ao respeito pela honra e reputação da pessoa. Também não pode ser exercido se traduzir incitamento à discriminação – sendo discriminação a distinção em função de raça, cor, sexo, religião, opção política, entre outras.
É neste quadro que
o direito penal português limita o exercício do direito de liberdade de expressão, incriminando atuações que considera abusivas, por colidirem com outros direitos de terceiros.
Assim acontece nos crimes contra a honra, como difamação e injúria (artigos 180.º e seguintes do Código Penal) mas também com o ilícito previsto no artigo 240.º (discriminação e incitamento ao ódio e à violência) que, entre outras atuações, pune quem “publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação (…) incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”. Importa ainda referir os artigos 297.º (instigação pública a um crime) e 298.º (apologia pública de um crime). Ambos sancionam quem “em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica” instigarem à prática de crime, fizerem a apologia de um crime, ou louvarem outra pessoa pela prática de crimes”
Quando a questão do direito à liberdade de expressão se coloca no ambiente digital, tem que considerar-se a especificidade do contexto. Disse-nos Pedro Verdelho, que a aterritorialidade da Internet faz dela um lugar não regulado, pela sua própria natureza. Nela, o conceito de jurisdição nacional e a aplicabilidade das leis nacionais são ainda questões por discutir. Esta faceta é o lado oculto da outra realidade maior, que é a do livre acesso à Internet, não condicionado por restrições resultantes de regras nacionais.
E acrescenta que os grandes operadores da Internet, de dimensão global, têm atualmente um papel muito específico na vida deste ciberespaço pouco regulado. A sua relevância global, até em termos económicos ou orçamentais, por exemplo, é maior que a de muitos Estados. Por essa razão se tem assistido ao confronto institucional destes operadores com entidades de natureza pública. Têm-se sucedido os litígios de alguns deles no contexto das instituições da União Europeia, a propósito de normas de direito da concorrência. Do mesmo modo, têm-se multiplicados os confrontos de Estados não democráticos com alguns operadores, que normalmente têm como resultado a impossibilidade de acesso aos respetivos serviços naqueles Estados.
Não havendo um enquadramento regulatório global deste tipo de relações, acrescenta Pedro Verdelho, têm porém surgido alguns quadros legais parcelares, ao nível da União Europeia. O direito da União (neste particular transposto para o direito português pelo Decreto-Lei n.º 7/2004), determina que os grandes servidores da Internet não são responsáveis pelos conteúdos dos seus utilizadores que armazenam nos seus servidores, a menos que tenham “conhecimento de atividade ou informação cuja ilicitude for manifesta e não retirar ou impossibilitar logo o acesso a essa informação” (artigo 16.º). Quer dizer, estas entidades podem vir a ser responsabilizados, na União Europeia e em Portugal, por conteúdos ilegítimos divulgados nas suas plataformas, dos quais tenham conhecimento, se não impedirem o acesso aos mesmos.
Não existem estatísticas englobantes da criminalidade praticada na Internet em Portugal, porque as estatísticas da Justiça, em geral, aglomeram os crimes segundo os tipos legais (burla, extorsão, difamação, etc.), não considerando autónoma ou separadamente aqueles que ocorrem online.
No passado dia 10 de fevereiro o Parlamento Europeu debateu a regulação das redes sociais. Os eurodeputados exortaram a União Europeia a intensificar os esforços para regular as redes sociais, enquanto preservam a liberdade de expressão e evitam a censura.
Este debate surgiu no momento em que a União Europeia se encontra a trabalhar na Lei de Serviços Digitais que visa assegurar uma melhor proteção dos consumidores e o respeito dos seus direitos fundamentais e instituir um quadro claro e eficaz em matéria de transparência e responsabilidade das plataformas e na Lei de Mercados Digitais que estabelece uma série de critérios objetivos e muito rigorosos para definir as grandes plataformas em linha que exercem uma função de controlo do acesso ou, seja, funcionam como «guardiãs de acesso».
A presidência portuguesa da União Europeia pretende concluir o processo legislativo para garantir aos Estados-membros os instrumentos regulamentares que permitam remover conteúdos terroristas da internet.