Exigência de utilização da Ação Indemnizatória da
Lei n.º 67/2007 por Demoras Processuais Excessivas para recorrer ao TEDH: Pescadinha de Rabo na Boca?
O presente artigo versa sobre o direito a decisão judicial em prazo razoável, procurando analisar a problemática dos processos infindáveis e dos prazos intermináveis para a obtenção de uma decisão judicial à luz dos mecanismos internos de reparação de danos e dos mecanismos europeus compulsórios, bem assim como compreender em que medida entende o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) estarem esgotadas todas as vias de recurso.
O direito a decisão judicial em prazo razoável encontra consagração constitucional no artigo 20.º/4 da CRP como concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva. Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) prescreve que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável” no seu artigo 6.º/1. A efetivação do direito a decisão em prazo razoável exige a previsão de mecanismos que, por um lado, garantam a prolação de decisão dentro de um lapso temporal admissível e, por outro lado, garantam o ressarcimento dos danos decorrentes da delonga inadmissível e irrazoável. Focando o nosso excurso nos segundos, importa desde já ter presente o facto de se prever, no artigo 22.º da CRP, a responsabilidade civil solidária do Estado perante ações ou omissões dos seus funcionários no exercício das suas funções e por causa desse exercício. O disposto no referido preceito constitucional é depois concretizado na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, em que se regula a responsabilidade civil extracontratual do estado, interessando para o presente caso o artigo 7.º, aplicável por remissão expressa do artigo 12.º.
Ora, a intervenção do TEDH no âmbito da garantia do direito a decisão em prazo razoável será necessariamente subsidiária, conforme impõe o artigo 35.º da CEDH, visando suprir as deficiências jurisdicionais internas e velar pelo cumprimento daquela quando os meios nacionais não tenham salvaguardado os direitos nela inscritos. É exatamente à luz do princípio da subsidiariedade e consequente exigência de esgotamento das vias de recurso internas que o TEDH considerou inadmissíveis as queixas relativas à violação do direito à prolação de decisão em prazo razoável pelos tribunais portugueses quando a competente ação de responsabilidade civil contra o Estado não tenha sido intentada e decidida junto dos tribunais administrativos. Este entendimento perfilhado pelo TEDH ficou patente em Valada Matos das Neves c. Portugal (73798/13), no qual aquele começou por reforçar que “o mecanismo de queixa diante do Tribunal reveste assim um caráter subsidiário em relação aos sistemas nacionais de salvaguarda dos direitos humanos”, afirmando que “nunca sublinhará demais que não é um tribunal de primeira instância” (§68).
A questão que se impõe é: será que a ação que visa o ressarcimento dos danos em razão da delonga irrazoável na prolação de uma decisão é remédio efetivo?
Porque sendo, a intervenção do TEDH está excluída. Mas não sendo, representando igualmente uma violação do próprio direito a decisão em prazo razoável, parece-nos evidente que a intervenção deste tribunal não pode aguardar pela decisão dos tribunais administrativos. Vejamos, então, qual o entendimento do TEDH nesta matéria no que concerne especificamente à ação de responsabilidade civil do Estado Português por delonga excessiva na prolação de decisão judicial. Recorreu o TEDH, no caso Valadas Matos das Neves c. Portugal, aos critérios estabelecidos em Bourdov c. Rússia (33509/04) para determinar a efetividade dos recursos indemnizatórios em matéria de delonga irrazoável dos processos, entendendo que para que a ação indemnizatória se considere “remédio efetivo” e afaste a possibilidade de propositura da ação naquele tribunal esta terá de ser “decidida em prazo razoável”, a “indemnização deve ser prontamente paga”, “as regras processuais que regem a ação de indemnização devem ser conformes aos princípios de equidade”, “as regras sobre custas judiciais não devem representar um encargo excessivo para os litigantes cuja ação é fundada” e “o montante das indemnizações não deve ser insuficiente em comparação com os montantes concedidos pelo Tribunal em casos semelhantes” (§99).
Ora, parece ter sido exatamente o cumprimento destes critérios quanto à indemnização por parte dos tribunais portugueses, sobretudo a partir do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 27 de novembro de 2013, Processo n.º 144/13, consistentemente aplicado pelos tribunais administrativos, que propiciou uma viragem na jurisprudência do TEDH. Entendeu o TEDH que do caso Martins Castro e Alves Correia de Castro c. Portugal (33729/06), onde concluíra que estas ações não eram remédio efetivo, para o caso Valadas Matos das Neves c. Portugal se verificara uma harmonização da jurisprudência dos tribunais administrativos no sentido do arbitramento de indemnização por danos resultantes da delonga dos processos judiciais à luz dos princípios estabelecidos pelo TEDH nesta matéria.
Quem litiga nos nossos tribunais sabe, no entanto, que as ações perante os tribunais administrativos podem demorar anos ou mesmo décadas. A título meramente exemplificativo, os processos findos nos tribunais administrativos e fiscais de primeira instância em 2021 duraram 46 meses, sendo a Comarca mais célere a de Coimbra com 28 meses, e a mais morosa a de Leiria com 67 meses. Nos tribunais superiores, em 2020, a duração média foi de 23 meses no Supremo Tribunal Administrativo e de 42 meses nos Tribunais Centrais Administrativos, sendo mais célere o TCA Norte, com 37 meses, e o mais demorado o TCA Sul, com 47 meses (fonte: estatísticas.gov.pt). Estes dados não se referem a este tipo específico de ação, e são apenas dados médios, podendo alguns processos serem mais rápidos, outros mais demorados. Perguntamo-nos assim se, quando a demora é excessiva, tal não consubstancia fundamento para permitir a imediata apresentação de queixa ao TEDH sem interpor ou aguardar pela conclusão da ação ao abrigo da Lei n.º 67/2007.
Em teoria, o TEDH defende a possibilidade de apresentação de queixa a este Tribunal por violação do prazo razoável independentemente de os requerentes terem lançado mão da ação de responsabilidade civil do Estado sempre que seja expectável que essa padeça, ela própria, de delonga excessiva e irrazoável. No caso Valadas Matos das Neves c. Portugal, o TEDH entendeu que, “prima facie”, o argumento do requerente relativo à delonga da ação de indemnização era “defensável, pois o processo perdurou por mais de nove anos” (§74). No entanto, o TEDH recordou que a delonga da ação indemnizatória não é, só por si, demonstrativa de que esta seja um remédio ineficaz para reparação dos danos ocasionados pela duração excessiva do processo. Haverá expedientes que permitem considerar que a ação indemnizatória – ainda que excessivamente demorada – consubstancia remédio efetivo. Nomeadamente se, nesta própria ação, puder ser também arbitrada indemnização pela respetiva delonga (adicionalmente à indemnização pela delonga no processo judicial primário). Nas palavras deste órgão jurisdicional: “É verdade que, pela sua natureza, um recurso indemnizatório exige uma decisão rápida”, porém “a falta de celeridade dos tribunais internos para decidir um recurso de indemnização não torna este meio de recurso não efetivo, sobretudo se o tribunal competente dispuser da possibilidade de assumir o seu próprio atraso e de conceder ao interessado uma reparação suplementar a este título para não o penalizar uma segunda vez” (§93). No caso concreto, entendeu o TEDH que o ordenamento jurídico português e as instâncias jurisdicionais administrativas previam essa possibilidade indemnizatória (conforme argumentado pelo Estado perante o TEDH). Assim, concluiu que, para poder apresentar uma queixa junto do TEDH por violação do direito à decisão em prazo razoável, caberia ao requerente exaurir todos os meios jurisdicionais internos, de entre os quais a ação indemnizatória prevista na Lei 67/2007, sob pena do TEDH não poder pronunciar-se sobre o mérito da queixa apresentada à luz do princípio da subsidiariedade. Temos, no entanto, as maiores das dúvidas que tal indemnização seja efetivamente arbitrada. Será importante para quem considere apresentar ao TEDH uma queixa sem aguardar o decurso da ação de indemnização abordar em detalhe este ponto.
A pergunta que ora nos colocamos é apenas uma: será justo exigir que determinado requerente se sujeite a nova ação, também ele excessivamente morosa, para ser indemnizado da morosidade de um processo judicial?
Sabendo que a delonga processual representa para os requerentes uma demora no ressarcimento dos danos sofridos, e gera por si danos adicionais, resta tentar apresentar junto do TEDH queixa invocando que a morosidade da ação indemnizatória (ainda que também por esta seja arbitrada na própria ação uma indemnização) torna inútil a superveniente indemnização e perpetua na esfera dos lesados o sofrimento de danos que se tornam assim insuscetíveis de serem ressarcidos. Recai, pois, sobre o requerente e o seu advogado ou advogada o ónus de demonstração de que a ação indemnizatória, ainda que cumprindo todos os demais requisitos preconizados pelo TEDH, não configura na prática e por este motivo remédio efetivo