Os novos desafios da banca e do financiamento
O sector bancário enfrenta os desafios decorrentes de duas profundas alterações nas suas envolventes económico-financeira e tecnológica
O sector bancário – a “Banca”, inventado substantivo colectivo com que se tornou habitual designá-lo – é fundamental para o bom funcionamento de uma economia. De tal forma que, para tornar essa ideia mais intuitiva, se recorre frequentemente à metáfora de o sector representar o sistema circulatório da economia. São os bancos que asseguram o financiamento da actividade produtiva – investimento e funcionamento corrente das empresas – e das necessidades transitórias do ciclo de vida das famílias – v.g. aquisição de habitação; que garantem a aplicação e a segurança das poupanças das famílias, sobretudo as pequenas poupanças; e que agilizam toda a actividade económica, através da disponibilização dos pagamentos, convenientes e seguros, que permitem o suave fluir dos muitos milhões de transacções – compras e transferências, nomeadamente – que tal actividade envolve. O que, tudo junto, se pode resumir num importante contributo para a eficiência económica e com ela para o desenvolvimento económico e o bem-estar social.
São os bancos que asseguram o financiamento da actividade produtiva – investimento e funcionamento corrente das empresas – e das necessidades transitórias do ciclo de vida das famílias
A amplitude do papel do sector bancário no financiamento da economia é particularmente significativa na Europa, por confronto, sobretudo, com os EUA, onde uma grande parte do financiamento das empresas e da aplicação de poupanças é assegurado directamente pelo mercado de capitais.
Tomando a metáfora do sistema circulatório, podemos estendê-la para referir que tal como a saúde do corpo depende da saúde daquele sistema, também a saúde da economia – o seu bom funcionamento – está dependente da boa saúde do seu sistema bancário. E que quando os sistemas comparados – o circulatório e o bancário – adoentam por qualquer razão, há que resolver essa doença para restaurar a saúde ao respectivo corpo. A última crise financeira revelou – em Portugal e em muitos outros países – fragilidades bancárias, que como doenças no aparelho circulatório, nem sempre saltam à vista e só dão conta de si quando aparece uma crise no corpo. Mas, ao revelarem-se, essas fragilidades permitiram ser tratadas, com esforço e persistência, e, paulatinamente, restaurar a saúde do sistema e do corpo que de si depende. Os bancos portugueses estão hoje muito mais capitalizados e apresentam um activo muito mais sólido. E os depositantes estiveram sempre protegidos.
O desenvolvimento tecnológico e a disrupção que consigo acarreta, tem, por sua vez, colocado novos desafios situados em pelo menos três patamares: automatização de processos; interacção com clientes; e entrada de novos actores no ecossistema do negócio.
Graças ao tratamento, o sistema já pôde ter, nesta crise pandémica, um papel essencial no amortecimento dos seus danos para a sociedade, podendo mesmo dizer-se que os bancos desempenharam, nesta situação, uma relevante função social, complementando a acção do Estado nesse amortecimento.
Mas, para além destes circunstancialismos mais ou menos conjunturais, o sector bancário enfrenta os desafios decorrentes de duas profundas alterações nas suas envolventes económico-financeira e tecnológica. Na primeira, uma alteração que se espera reversível, produziu um cenário de taxas de juro anormalmente baixas com persistente incursão em território negativo. E na segunda assiste-se a uma rápida e disruptiva evolução de meios e possibilidades, que tem vindo a provocar profundas transformações na forma de desenvolver a generalidade dos negócios, e, por conseguinte, da actividade bancária, que assim vê o seu próprio modelo de negócio a ser afrontado.
O contexto de baixas taxas de juro, associado a exigências regulatórias inconsistentes com o mercado, tem apertado a margem financeira do negócio bancário com reflexo na rentabilidade dos capitais nele investidos. Rentabilidade que, por outro lado, se tem visto também constrangida por um crescente peso dos custos decorrentes de uma regulação cada vez mais pesada e desproporcionadamente consumidora de recursos. Como a rentabilidade é fundamental para atrair capital e este é necessário para que a actividade possa crescer e apoiar o crescimento da economia, os bancos têm-se visto obrigados a repercutir em preços o custo de muitos serviços, que era, noutras circunstâncias, subsidiado pela mais confortável margem financeira. E a reduzir substancialmente os seus custos operativos.
O desenvolvimento tecnológico – envolvendo, entre outras coisas, a crescente utilização de inteligência artificial e a disseminação de plataformas digitais de interacção pessoal, e a disrupção que consigo acarreta, tem, por sua vez, colocado novos desafios situados em pelo menos três patamares: automatização de processos; interacção com clientes; e entrada de novos actores no ecossistema do negócio. No primeiro caso, está a possibilidade oferecida pelas novas tecnologias de substituir muitos processos assentes na intervenção humana, incluindo alguns razoavelmente sofisticados, por processos automáticos desenvolvidos com recursos computacionais com capacidade de auto-aprendizagem. No segundo, está o papel das agências como canal prioritário de contacto com os clientes a ser cambiado pelos canais digitais, mais potentes. E no terceiro conta-se a entrada de novos actores, como as fintechs, no ecossistema bancário, disputando parcelas importantes do seu negócio; a introdução de moedas digitais pelos bancos centrais, com o poder de desintermediar grandes porções do negócio e de ter um grande impacto na capacidade e nos processos de financiamento da economia; e a ameaça a todo o ecossistema bancário colocado por ecossistemas de redes digitais de grande escala, e auto-geradores de importante poder de mercado, como é o caso das chamadas Big Techs – Google, Apple, Facebook e Amazon, sobretudo –, e que visam absorver grande parte do negócio bancário nas suas próprias redes.
Enquanto os desafios decorrentes do contexto de baixas taxas de juro são revertíveis, espera-se, os derivados da evolução tecnológica são, não só irreversíveis, como expectavelmente progressivos, obrigando os bancos a repensar todo o seu modelo de negócio, bem como os processos em que assenta esse modelo. Tendo presente que assegurar rentabilidade competitiva para os capitais que necessita para se manter e desenvolver será sempre crucial para a sobrevivência da actividade. Neste entorno, a componente de recursos humanos desta actividade – em qualidade e em quantidade – estará inevitavelmente envolvida nos trade-offs que a sobrevivência e o sucesso do sector impõem.
Para além da exigência que os desafios acabados de descrever impõem ao sector bancário, e à sua capacidade de adaptação, importa que não lhe sejam criados obstáculos desnecessários e contraproducentes, e que os existentes sejam removidos, para que essa adaptação seja possível. O que requer, entre outras coisas, condições concorrenciais justas e equilibradas. Sendo mais preciso, as condições concorrenciais, sobretudo no espaço europeu devem ser niveladas, quer para todos os actores que queiram intervir na actividade bancária – bancos e outras empresas que disputam essa actividade –, quer para bancos operando em diferentes países. Nesta frente, a banca portuguesa confronta-se com importantes desnivelamentos concorrenciais em seu desfavor e que são uma importante obstrução ao sucesso dos bancos que operam em Portugal e, sobretudo, daqueles que têm aqui a sua base.