
Gonçalo de Sampaio
Advogado
Agente Oficial da Propriedade Industrial e Presidente do Grupo Português da AIPPI
O novo Código da propriedade industrial foi aprovado pelo recente Decreto-Lei 110/2018, de 10 de dezembro
Esta nova legislação surge num momento em que a propriedade industrial, e mais especificamente as “marcas e patentes”, é referida como factor fundamental para a competitividade e sucesso das empresas.
Salvaguardar e obter direitos de propriedade industrial deve assumir um papel determinante na estratégia de desenvolvimento e crescimento das empresas, sobretudo num mercado crescentemente global e exigente.
Por um lado, são as invenções ou o design inovador que permitem a uma entidade empresarial sobressair no meio da imensidão do mercado. Por outro, são os sinais distintivos – nomeadamente a marca – que permitem a diferenciação de produtos e de serviços. Qualquer que seja a perspetiva, resulta evidente que para as empresas tão importante é inovar quanto é, literalmente, marcar a diferença!
Contudo, não basta inovar. É fundamental proteger essa inovação, conservar essa diferença, sob pena de se perder o respectivo benefício económico.
É que inovação não protegida, isto é, invenções não patenteadas e marcas não registadas, significam destruição de valor.
Se uma invenção não estiver patenteada ou uma marca não estiver registada, não há garantia de benefício ou retorno económico.
Só a protecção permite transformar a inovação num activo económico, concedendo um exclusivo, criando valor. Sem protecção, a inovação, será apenas um custo, um encargo, sem perspetiva de rentabilidade.
O país precisa de inovação, mas de inovação que seja devidamente protegida, valorizada, acrescentando valor à nossa economia e às nossas empresas.
As empresas portuguesas devem ser sensibilizadas para a enorme mais-valia que poderão obter se, utilizando os mecanismos existentes, apostarem numa política sistemática e enraizada de defesa das marcas e patentes.
Ao Estado compete ter um papel de dinamização de mais iniciativas que apoiem e incentivem, de forma coerente e não avulsa, o investimento na inovação. Ao Estado, regulador do sistema que confere direitos de propriedade industrial, compete desenvolver um sistema que funcione, com regras claras e simples.
O sistema de Propriedade Industrial deve ser acessível mas exigente, credível e equilibrado, que transmita confiança e segurança jurídica aos utilizadores.
Foi neste enquadramento que surge a revisão do Código da Propriedade Industrial.
Revisão essa que seria sempre necessária para transposição para a ordem jurídica interna de duas directivas comunitárias, a saber a Directiva (EU) 2015/2436 que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas e a Directiva (EU) 2016/943, relativa à protecção de know-how e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais.
É que inovação não protegida, isto é, invenções não patenteadas e marcas não registadas, significam destruição de valor.
Apesar de pouco habitual na prática de produção legislativa em Portugal, foi possível sensibilizar o poder político para as vantagens de um debate prévio aberto, alargado e envolvendo vários sectores da sociedade civil, academia e indústria. De facto, e após tomada de posição junto do Ministério da Justiça, de um conjunto de entidades, com a Ordem dos Advogados num papel de inegável destaque, e envolvendo a CIP-Confederação Empresarial de Portugal, o Grupo Português da AIPPI-Associação internacional para a Protecção da Propriedade Intelectual, a ACPI-Associação dos Consultores em Propriedade Intelectual, a Comissão de Propriedade Intelectual da CCI-Câmara de Comércio Internacional e a INTA-International Trademark Association, foi publicado o Despacho 10126/2017 do Gabinete da Secretária de Estado da Justiça que criou um Grupo de Trabalho de Revisão do CPI, integrando 15 entidades.
Infelizmente o resultado ficou aquém dos propósitos iniciais, limitando-se, temporal e substancialmente, as discussões no referido Grupo de Trabalho. Louva-se a iniciativa, lamenta-se a fraca disponibilidade para abrir mais horizontes.
Da Lei destacaremos duas áreas e daremos uma nota menos positiva:
Segredos comerciais:
Com a transposição da Directiva dos segredos comerciais, Directiva (EU) 2016/943, Portugal passou a contar com legislação própria, adequada e actual sobre matéria que tem vindo a ganhar relevância económica. Já tardava legislação nesta área, o que passará, agora a ser uma realidade, autónoma do regime da concorrência desleal.
Esta matéria dos segredos comerciais é tratada num Capítulo autónomo do novo Código, com conceitos, definições e sanções claras, com identificação do objecto de protecção, definição de actos lícitos e ilícitos, sendo dado um passo relevante no tratamento e punição destas matérias.
A definição desta realidade indica que se entende por segredo comercial, e são como tais protegidas, as informações exigindo, cumulativamente, os seguintes requisitos: Sejam secretas; tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; e tenham sido objeto de diligências razoáveis no sentido de as manter secretas.
Estes requisitos, repita-se, cumulativos tornam claro que a informação por si não é protegida, excepto quando cumprir com os mesmos, que são de alguma exigência.
É igualmente legislado um regime jurídico relativo à preservação da confidencialidade dos segredos comerciais em processos judiciais, expressamente consagrando medidas, como por exemplo a limitação de acesso a documentos e/ou audiências, ou a ocultação /remoção de passagens em decisões judiciais.
O prazo de prescrição do exercício dos direitos referentes à violação de segredo comercial é de 5 anos, começando a correr no momento em que o direito puder ser exercido.
O capítulo dos segredos comerciais entrou em vigor 30 dias após a publicação em Diário da República.
Persiste uma significativa lacuna na Lei, ao não qualificar a representação profissional.
Marcas:
Na área das marcas, e perante significativo número de alterações, destacamos:
– abolição do requisito da representação gráfica da marca. Se até agora os pedidos de registo de marca tinham de ser susceptíveis de representação gráfica, tal requisito deixa de ser exigido, o que irá, seguramente, aumentar o pedido de marcas ditas “não-tradicionais”, como sejam as marcas gustativas, marcas olfativas, marcas de hologramas e outras. A marca deverá ser apresentada de forma que permita determinar “de modo claro e preciso o objecto de protecção”.
– introdução do regime de invocação da falta de uso sério como meio de defesa em processos de oposição e de recusa provisória.
– Prazo para intentar ação judicial de anulação junto do Tribunal da Propriedade Intelectual e os pedidos de anulação apresentados junto do INPI passa a ser de 5 anos.
– Implementação de procedimento administrativo de declaração de nulidade e de anulação de registo de marcas.
Por último deixar um alerta:
Persiste uma significativa lacuna na Lei, ao não qualificar a representação profissional.
Acompanhando as melhores práticas internacionais, a Lei devia ir mais longe na proteção do agente económico, num modelo que proteja quem, investindo na protecção, seja devidamente aconselhado e acompanhado. Existindo, em tantas realidades económicas a exigência legal de representação profissional qualificada, não se compreende como, numa área com tanta especificidade técnico-legal, se continue a ignorar a questão e não se promova essa mesma qualificação da representação profissional, que permitiria evitar, ou minorar significativamente, a prematura invalidação ou não concessão dos direitos, com evidentes proveitos para os Requerentes, para o sistema de Propriedade industrial e para a economia nacional. Este é um tema em que os Advogados, e a sua Ordem, poderão ter um significativo contributo.
Leia o Protocolo de Cooperação entre a Ordem dos Advogados e o Grupo Português da AIPPI aqui
Grupo Português da AIPPI – Associação internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual – http://www.aippi.pt/